As alterações que ocorrem em pequenas e sucessivas etapas são mais difíceis de detectar que mudanças abruptas. Por sermos seres que prezam pela rotina e pelo conhecido, por nos dar, dentre outras, a sensação de segurança, pequenos incrementos são utilizados para ocultar grandes mudanças.
Um movimento pela liberdade precisa ser consistente. Em vez de “eu acho”, “eu sei”. Crença não é conhecimento, apenas surgindo para preencher as lacunas deixadas abertas pelo primeiro. Um movimento intelectual pela liberdade deve ser capaz de defendê-la de maneira segura e honesta. É necessário ter uma base forte, pois, sem fundamento, torna-se apenas mais uma das tantas iterações de opiniões competindo por reconhecimento.
Um movimento sem bases fortes não se sustenta no longo prazo. Será corrompido por seus próprios integrantes por dinheiro, por reconhecimento ou como ajuda para crescer. As ações serão justificadas com a ilusão de serem apenas medidas temporárias, necessárias para atingir um público maior. Ou até mesmo denunciar o demasiado caráter radical do movimento, devendo adotar visões mais ponderadas e acatar certas concessões para ter chances de se tornar conhecido. Ao chegar nesse ponto, o movimento inevitavelmente estará fadado ao fracasso.
Não existe mais grave pecado cometido em um movimento libertário que se deixar cooptar por forças e ideias estatais. Se para atingir os objetivos e criar um mundo melhor é necessário utilizar a máquina parasítica do estado “do jeito certo”, colocando “as pessoas certas” para aplicar as “ideias certas”, então o dito movimento pela liberdade é similar a qualquer outro movimento político.
Caso seja negada a necessidade, mas mantida a visão benéfica da participação, o problema permanece. Utilizar meios antiéticos e ilegítimos não pode ser aceito em qualquer movimento de liberdade bem fundamentado. Utilizar o estado como meio para atingir fins de liberdade não é apenas contraditório, é destrutivo. A partir do momento que concessões começam a ser feitas, um caminho sem volta começa a ser traçado. Tornar-se um membro da classe política é se tornar parte do problema, independentemente das intenções iniciais.
O dito libertário defenderá práticas que violem os direitos individuais inalienáveis, ocupará uma posição ilegítima de poder, bem como receberá dinheiro roubado como recompensa por obrigar os outros a seguir aquilo que decidir.
O uso do poder provido pela posição estatal ocupada não é legítimo, pois o estado ilegitimamente criou a posição utilizada para auxiliar na organização e controle do território que, também, adquiriu de maneira ilegítima. Ainda, não se pode justificar logicamente o resultado de eleições para cargos públicos, não sendo possível ao indivíduo, ou ao grupo de indivíduos, transferir poderes que eles mesmos não possuem. Mesmo que sob a vontade de governar de maneira justa, toda e qualquer ação tomada por um agente político em posição de poder também será ilegítima, mesmo que apenas para reverter os danos causados à liberdade individual.
Com relação à ética, políticos libertários podem encarar a redução de impostos ou ações para reduzir o controle estatal sobre indivíduos como éticas, e não estão errados. O problema surge nas circunstâncias nas quais essas ações são realizadas. Se forem utilizados meios privados e voluntários de ação e cooperação, não haveria problema algum. A utilização do aparato estatal, contudo, cria uma inconsistência insuperável, pois, mesmo que a ação, isoladamente considerada, seja corretamente encarada como ética, o modo de ação utiliza o aparato coercitivo estatal para a sua realização.
O poder se estabelece de forma diferente da qual se perpetua. O poder, para se perpetuar, precisa da ilusão de renovação. Enquanto a população luta entre si, segregada em uma grande ilusão, os vencedores continuam vencendo e os perdedores continuam perdendo. Nesse contexto, o poder sempre vence.
Democracia é apenas uma ilusão criada pela elite para dar a sensação de poder ao povo. Para o grande esquema das coisas, não importa quem é eleito. Não importa quem está sentado na cadeira de presidente. A agenda já está decidida. A elite continua a mesma, com as mesmas pautas básicas, com a mesma força, com a mesma estrutura, com a mesma mentalidade lastreadora. Nada mais são que a face pública de um mais profundo poder oculto.
Cria-se o oposto para defini-lo como mau. Como é o oposto, o atacante é automaticamente bom. Tudo não passa de um grande teatro no qual forças opostas lutam entre si, mas, em fundamento, são todas mais iguais que diferentes.
Está, então, explicado o duplo motivo do libertarianismo não ser popular, pois além de reais ameaças ao sistema serem cooptadas ou, quando isso não for possível, eliminadas, a ilusão é fundamental para a perpetuação do poder dos expropriadores. Os movimentos políticos vendem sonhos, enquanto o libertarianismo tenta vender responsabilidade.
Se está justificado como consistente o uso de um aparato estatal para fins de liberdade, se é visto como justificado o comportamento de participar de um processo de expropriação em busca de uma melhoria pontual (ou não piora) da situação dos expropriados, então por qual motivo não se justifica a atuação de qualquer outro político que faz algo bom para alguém? Se um político realiza uma ação que auxilia na vida de um cidadão, ou grupo de cidadãos, suas ações estarão justificadas?
A justificativa para a atuação de um político libertário frente aos outros está apenas no grau de atuação a favor de pautas pró-liberdade. A estrutura é a mesma. O sustento por impostos é o mesmo. O poder é o mesmo. A única diferença está em seu uso. Se as pautas forem boas o suficiente, a conduta estará justificada. O erro não está apenas com o que se faz por meio da estrutura, mas com a estrutura em si. Um indivíduo consistente não pode lutar pelos direitos individuais enquanto os infringem. Defender um político libertário é o mesmo que defender o aparato do estado, desde que as pautas de seus políticos sejam boas o bastante.
A existência de um político libertário, então, não é apenas uma contradição insuperável, é uma corrupção dos preceitos de liberdade que se almeja alcançar. Para um libertário na política, os fins justificam os meios.
Ou a mentalidade está muito bem estabelecida, ou eventualmente será corrompida e utilizada para fortalecer as dinâmicas de perpetuação de poder; ideias são mais resilientes que tentativas de colocá-las em prática, mas um movimento sem bases fortes não apenas comete suicídio, enfraquece a própria ideia que constituiu a sua gênese. A resiliência de um movimento provém da consistência de seus participantes.
Mesmo que um mundo ideal nunca venha a surgir, não é por esse motivo que se deve deixar de lutar pelo que é correto, nem mesmo da forma correta. Mantenha puro o movimento e não terá dúvidas de que, mesmo que não tenha atingido seus objetivos, sempre esteve no caminho certo. Se desviar significa se perder; e se por dúvidas desistir, indicará que nunca verdadeiramente foi. Não existem ex-libertários, apenas aqueles que não foram capazes de compreender o que esse termo realmente significa.