O caso de uma jovem deixada embriagada na porta do seu condomínio por um motorista de Uber, e consequentemente sendo levada e estuprada por um desconhecido em seguida, chocou e indignou grande parte dos brasileiros. Além de ter gerado uma série de discussões sobre quais pessoas envolvidas no caso deveriam ou não serem responsabilizados pela situação.
De um lado, alguns alinhados ao sistema jurídico vigente, defenderam que o motorista de Uber tinha a obrigação de prezar pelo bem estar dela, e por isso deveria ser punido por negligência. Do outro lado, há aqueles que defendem que o motorista de Uber não tinha nenhuma obrigação, nem mesmo a empresa Uber, e que por isso não deveriam ser responsabilizados.
Mas afinal, qual deveria ser a abordagem correta neste caso?
Sendo a teoria correta sobre direitos e com lidar com seu exercício e punição de suas violações, o libertarianismo seria o norte pata sabermos como lidar juridicamente com casos como esse.
Fundamento libertário da responsabilidade jurídica
Como bem explicado por Murray Rothbard, o libertarianismo é uma teoria ético-jurídica que reconhece o direito de propriedade sobre seu corpo e meios legitimamente adquiridos (via apropriação original ou trocas voluntárias) como único e verdadeiro direito de cada indivíduo. E que qualquer teórica jurídica legítima deve pressupor esse direito.
A contraparte indispensável do direito de propriedade, é o princípio da não-agressão, que consiste no dever de não violar os direitos de propriedade de outros indivíduos. Tendo isso em mente, podemos traçar quais são as responsabilidades jurídicas de um indivíduo sobre o outro.
Importante alertar que isso não significa que o dever para com outro indivíduo deve se limitar ao princípio da não-agressão. Como explicado por Murray Rothbard, o libertarianismo não é uma teoria sobre toda a moralidade, mas apenas a um aspecto específico dela, no caso no que tange aos direitos e aos deveres para com estes.
E como reconhecido pelo anarco-individualista americano do século XIX, Lysandey Spooner, há uma distinção entre deveres morais e deveres legais. Toda lei justa deve ser fundamentada na moralidade. Mas nem todo dever moral implica em uma lei. Já adiantando isso, importante enfatizar que mesmo que alguém não possua dever legal com terceiros, isso não significa que ele não possua deveres morais para com eles.
Retomando a questão do dever legal, há uma exposição dada pelo advogado e autor libertário, Stephan Kinsella, em seu artigo ‘Como nos tornamos donos de nós mesmos‘, onde ele fala sobre em quais casos você adquire dever legal com terceiros para além do princípio da não-agressão. No exemplo em questão, Kinsella cita o caso hipotético de um homem que caiu em um lago. Kinsella explica que se qualquer pessoa que visse o tal homem se afogar teriam a obrigação legal de retirá-lo do lago.
Neste caso citado acima, Kinsella entende que caso o transeunte não seja o responsável por colocar o homem em tal situação, ele não possui a obrigação legal de retirá-lo do lago. Podemos entender que ele possa ter o dever moral. Mas como o libertarianismo lida apenas com os direitos de propriedade, isso já não seria uma questão que caiba ao libertarianismo.
Kinsella no entanto apresenta em seguida um caso totalmente diferente. Neste segundo caso, caso alguém empurre o tal homem do exemplo anterior no lago e isso cause o afogamento dele, o causador da situação possuirá a obrigação legal de retirá-lo de lá. Caso o homem venha a morrer afogado, o causador da situação estará sujeito à punição proporcional pelo ato: a morte.
Com esse exemplo dado acima por Kinsella, podemos entender que alguém só possui obrigação positiva com uma pessoa se ela for a responsável pela situação em que ela se encontra.
Podemos entender que fatalmente, ao se embriagar, a jovem assumiu os riscos do que poderia ter acontecido com ela. Isso no entanto, não isenta nenhum agressor de qualquer ato que viole o direito dela. A culpabilidade do agressor não diminui porque a vítima “facilitou”. Tal raciocínio equivocado levaria a uma relativização de grande parte dos atos criminosos.
Pode-se neste caso argumentar que mesmo que os amigos dela tenham a obrigação moral de zelar pela sua segurança, eles não teriam a obrigação legal de cuidar dela. Há quem possa objetar, alegando que como evidentemente todos ali rejeitariam qualquer atentado contra suas vidas e integridade física, haveria ali um compromisso tácito e implícito de cada um zelar pelo outro.
É um ponto que merece discussão, mas não sei como o libertarianismo sozinho poderia ser estendido à isso.
De forma análoga, podemos nos questionar se esse mesmo acordo tácito e implícito não estaria presente no ato do motorista de Uber ter lavado a jovem para casa. Afinal, o acordado era deixar ela sã e salva na porta da sua casa. Em seu site oficial, o Uber afirma que a segurança tanto do motorista quanto dos passageiros faz parte do seu código de conduta. No entanto, a empresa não é explícita sobre quais condições de segurança ela exige que o motorista garanta ao passageiro.
Caso isso inclua assegurar que o passageiro seja deixado são e salvo em seu destino, então podemos entender que o motorista de Uber violou um dos termos do contrato neste caso.
Também é bastante compreensível entender que o motorista de Uber tivesse o receio de ficar muito tempo em contato com a passageira devido aos não poucos casos e falsas acusações de estupro. E este infelizmente é mais outro problema bastante presente no sistema jurídico
Soluções e prevenções para este tipo de caso
A questão dos regulamentos internos da empresa Uber podem servir de base para pensar em soluções e prevenções como solução para situações como o desta jovem. Ao estabelecer um determinado conjunto de diretrizes previstas em um contrato de uma empresa, a empresa, prestadores de serviços e os clientes poderão se comprometer a determinados deveres e ser contemplados por determinados “direitos”. Todos devidamente previstos e com uma punição via retratação para quem os violar.
Isso permitiria saber qual conduta tomar em casos como os que envolvem a segurança dos passageiros, como é o caso abordado neste artigo.
Como cada empresa teria seu próprio código interno de conduta para este tipo de caso, o cliente poderia escolher e com isso assumir todas as consequências e aproveitar todos os benefícios que tal código apresenta. Uma maior demanda dos clientes por empresas com um determinado código de conduta poderia levar a mais empresas a aderirem à ele.
Solução para o caso da jovem abusada
Evidentemente que a lei estatal vigente possui uma abordagem própria para lidar com esse caso, e que não necessariamente será justa. Pode-se objetar contra a punição do motorista de Uber e até mesmo contra seus amigos negligentes, por mais que ambos tivessem tido a obrigação moral de garantir a segurança dela.
Mas é inegável que o único agressor em toda essa história é o estuprador (que estranhamente está sendo menos citado e menos atacado que o motorista de Uber) e ele é quem de fato merece uma severa punição pela agressão contra a jovem. Além de uma indenização custeando os cuidados com sua integridade física.
Entretanto, se tratando da impunidade jurídica que impera no Brasil, acho pouco provável que a justiça de fato seja feita.
Uma resposta para “O caso da jovem que foi deixada embriagada pelo motorista de Uber na porta do condomínio”
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Infelizmente, casos como esse ms são extremamente politizados, é difícil ver os indivíduos dá mainstream tirando qualquer informação útil, senão de que “todo homem é um mostro” ou “o uber deve ser pesadamente regulado”, à nossa cultura não permite idéias profundas fora do senso comum, mas é bom ver libertarios emitindo opiniões.
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