Introdução

Sabemos que a advocacia é uma profissão ainda muito procurada no Brasil, isso porque é uma questão tradicional de status e riqueza (ah, se fosse). Todos sabem que a Prova da OAB é conhecida pelo altos índices de reprovação que sempre rendem manchetes no jornal. O Exame XXIII, por exemplo, que bateu o recorde de reprovação de 82,93{6f48c0d7d5f1babd031e994b4ce143dfcbd9a3bc2a21b0a64df4e7af5a5150a1}. Tudo isso cria um folclore sobre a prova e sobre o candidato aprovado, dando a noção de que ele é realmente um crânio puro de inteligência, enquanto quem foi reprovado é um verdadeiro incompetente.

O advogado deve servir a democracia, a justiça, a moral e sempre atender uma função social: de ajudar a sociedade, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil. É o que sempre escutamos no meio acadêmico.

Por conta disso, operador do direito é sempre tratado como um paladino. Como alguém que deve defender o Estado Democrático de Direito seja qual for o motivo. Qualquer divergência no modus operandi é motivo para ser execrado e, dependendo do caso, até de ser punido disciplinarmente. Na verdade, não precisa se esforçar tanto para queimar o seu filme e o da categoria, pois essa classe já é mal vista pela sociedade: espertalhões que defendem bandidos, mentem e sabotam processos. Sabemos que essa é uma triste realidade.

Todo dia eu vivo essa realidade e, semana passada, vivi algo que me inspirou a produzir esse texto. Sei que existem muitos libertários acadêmicos de direito e tenho certeza que seus problemas e dúvidas são os mesmos que tive. Pois bem, o texto de minha autoria chamado “Libertarianismo: Qual estratégia adotar?”, publicado na semana passada, recebeu um comentário interessantíssimo. O sujeito, possivelmente da área, que preferiu o anonimato, escreveu:

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Esse comentário representa exatamente o nível da maioria dos estudantes (e profissionais) de direito, que aprendem a debater usando de falácias e meios ardilosos, mesmo que estejam errados ou, ainda, mesmo não que não conheçam o que criticam.

E que nível é esse? Só na frase desse sujeito podemos perceber uma série de falácias e problemas: 1) argumento de autoridade (como não atuo na área de família, não sei que o Estado é necessário); 2) argumento contra a pessoa (desprezo ao questionar, com tom imperativo implícito, se sou advogado); 3) e um argumento que faz apelo à ignorância (sociedade sem estado? Isso está errado!). O assunto é sério, pois é essa a cultura que temos: uma cultura pró-estado. Uma cultura que venera a agressão.

1. Atuo em vara de família?

Respondendo à crítica, não precisa atuar em “vara de família”, apesar de já ter tido experiências nesse sentido, para concluir que o Estado não deveria existir. Imagine que você atua em todas as outras esferas do direito, menos na de família. Você realmente não tem como saber (incognoscível) se o Estado deve existir ou não, segundo o raciocínio dessa criatura.

Fora que é o próprio Estado quem gera o conflito na área familiar, já que só pode recorrer a ele. Isso começa errado porque dificulta a resolução do conflito, vez que o âmbito judicial é totalmente hostil (processos lentos, estressantes e caros).

Muitas vezes as negociações sobre quem vai ter a guarda de um menor são atrapalhadas pelo Ministério Público, que nunca viu a família, que não sabe a realidade da família e que, muitas vezes, ignora (juntamente com o juiz e outros funcionários) o interesse do menor.

Existe a questão do divórcio, que você é obrigado, via de regra, a entrar com uma ação na justiça (caso tenha filhos menores ou incapazes). Se for consensual, pode ser feito pelo cartório (que você pagará uma quantia salgada, além de precisar do advogado) se não tiver filhos menores e incapazes (art 733, CPC/15).

Falando em divórcio, você sempre tem que informar ao Estado com quem vai se casar, ainda que você não concorde com ele e com suas regras. Assim, a liberdade de elaborar um contrato de casamento é totalmente limitada e, se você não fizer nada a respeito, o Estado presume, sem seu consentimento, que as regras do seu casamento seja de um jeito específico.

A pensão alimentícia também tem teu seus problemas, pois, muitas vezes, o Estado obriga os pais a pagar uma pensão a um filho adulto (o oposto também pode ocorrer, caso os pais necessitem) para fazer sua faculdade ou, até mesmo, a sua pós-graduação, em situações específicas.

Tivemos, também, o recente caso da Família Cypriano, que pratica homeschooling e que o Estado não deixa.

Na verdade, você não precisa nem mesmo ser alfabetizado para obter o conhecimento de que o Estado é errado e desnecessário, já que tal saber é dado (e justificado) aprioristicamente aqui, aqui e nos seguintes livros: A Anatomia do Estado, Manifesto Libertário, Ética da Liberdade, Economics and Ethics of Private Property, A Theory of Socialism and Capitalism e muitos outros.

O Estado é antiético porque ele inicia violência injustificadamente. A sua não existência não implica em caos completo porque, se assim o fosse, a humanidade jamais teria evoluído. Nem sempre o Estado existiu. Sempre vai haver alguém que irá cooperar, que irá produzir e que agirá de maneira pacífica. A sociedade não necessita de um Estado para sobreviver, nem mesmo os indivíduos necessitam dele.

E sem o Estado, quem vai resolver esses problemas? Indivíduos em cooperação, como em qualquer setor do mercado no mundo. Agências de Seguros poderiam muito bem desempenhar esse papel. Existe demanda para isso, pois tudo é relação contratual que passa pelo crivo da Ética da Propriedade Privada.

  • Sou advogado?

Será que sou mesmo advogado? Afinal, discordo completamente da existência do Estado. Segundo esse ser humano, se sou um anarquista é impossível eu ser advogado, pois o advogado tem um cérebro inchado e grande ao ponto de conseguir sempre concordar com a existência de uma gangue para reger a vida de todos. Para começar, a advocacia é uma profissão tão correta, bela e necessária que você não precisaria nem mesmo fazer um curso para isso. É a técnica de argumentar, a técnica de negociar, a técnica de ajudar quem não tem condições de fazer por si só ou, mesmo, a arte de ajudar a si mesmo (caso você não queira contratar um) frente a um problema jurídico. Sim, a advocacia é um corolário do direito natural de autopropriedade: defender a si mesmo (ou o outro) por argumentos. Ela se relaciona com a Ética, que é um normativo. A Islândia Medieval foi um exemplo da existência de advogados competindo livremente em um mercado.

O que o Estado fez foi criar um sindicato compulsório que tornou essa categoria artificial e “profissionalizada”, se apropriando dela. Como assim? Primeiro, você não pode ser advogado “legalmente” se não estiver inscrito na OAB. É uma obrigação sua fazer parte, votar em candidatos para presidente e pagar volumes absurdos de dinheiro. Para exercer a profissão você deve estar vinculado à Ordem, caso contrário: cadeia. Essa organização nada mais é que um monopólio que dificulta o acesso do cidadão à defesa: 1) somente o advogado, salvo delimitadas exceções, tem capacidade postulatória; 2) a ordem controla preços, dificulta negociações que “caiam no bolso”, pelo motivo de que “desvaloriza a categoria”; 3) coloca uma série de empecilhos pro advogado fazer propaganda e marketing pessoal/profissional e não poder fazer propaganda na televisão, por exemplo; 4) não poder abordar clientes que estão passando necessidade; e assim sucessivamente.

Eu sou advogado? Sou. Todos nós podemos ser em um livre mercado. Claro que, em uma sociedade libertária, cursos podem vir a surgir que capacitem ainda mais o operador do direito. A questão é: não precisa de uma Ordem para se tornar um advogado. Contudo, uma elite criou uma reserva de mercado para tirar proveito disso, regulando a profissão por completo ao ponto do iniciante ter grandes dificuldades em sobreviver nesse mercado saturado e sem liberdade de atuação para concorrer. Muitos são incentivados a seguir a carreira pública. Somente os antigos advogados são beneficiados e, claro, quem faz parte de verdade da organização.

  • “Sociedade sem Estado? Isso é errado!”

Evidentemente o sujeito que comentou isso não tem ideia sobre o que está falando. A sociedade é totalmente alheia ao Estado. É independente dele. O Estado é só um parasita que rouba quem produz e rege a vida das pessoas sem o consentimento delas. Mesmo unificando as regras, mesmo padronizando tudo (ao passo que relativiza), ele ainda consegue ser totalmente ineficiente (além de errado).

Pergunto ao sujeito que me criticou: você acha mesmo que a justiça estatal cumpre com a sua famigerada função social? Uma justiça que bate recordes de ineficiência. Uma justiça que é capaz de matar pessoas que necessitam de atendimento urgente. Uma justiça que promove conflitos, pois, uma vez que se cria direitos na canetada, cria-se exponencialmente uma brecha para novos conflitos judiciais surgirem.

Uma justiça que não é capaz de fazer adequadamente uma citação/intimação sem demorar meses ou até mesmo anos. Uma justiça que obriga as pessoas a dependerem do Estado para se divorciar. Uma justiça repleta de recursos e mecanismos para postergar um simples processo.

É só dar uma olhada nas últimas pesquisas do CNJ, no Justiça em Números, o site deles. Você realmente acha que uma justiça monopolista promove a paz?

Tendo em vista o que falei lá em cima sobre o que é ser um advogado (alguém que visa solucionar conflitos), eu te pergunto: será que você é mesmo um(a) advogado(a)? Ou você é alguém adestrado a promover conflitos?

  • O Estudante de Direito não pode ser libertário

Na verdade, o estudante de direito DEVE ser libertário. A profissão tem relação direta com o libertarianismo, pois somos engajados a argumentar. Optamos pela resolução do conflito. Optamos por aplicar a ética e para fazer a verdadeira justiça, que é a libertária.

É a verdadeira Lei porque podemos descobri-la apenas usando a razão. E é tão somente essa ferramenta que pode nos levar para o progresso. Não há contradição em ser um “libertário estudante de direito”. Há contradição (performativa) em ser estudante de direito e concordar com o Estado porque toda a sua argumentação irá pressupor o direito de autopropriedade, de modo que argumentar contra tal direito é um paradoxo.

Então, eis meu conselho aos juristas: produzam conteúdo contra o Estado. Criem grupos de pesquisas, mudem a cara da sua faculdade e do meio que estão inseridos. Produzam trabalhos científicos que exponham o verdadeiro direito: a Ética da Propriedade Privada. Infiltrem-se na OAB e criem comissões que favoreçam o libertarianismo.

E nunca esqueça: argumentar? Sempre. Agredir? Nunca.


Escrito por: Mário César (@MarioODemolidor)

Revisado por: Paulo Droopy (@PauloDroopy)

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9 Comments
  • PG
    PG
    março 23, 2019 at 4:46 pm

    Parabéns pelo texto, dá até vontade de cursar Direito lendo um artigo desses kkkk, bom demais.

    Reply
  • PG
    PG
    dezembro 3, 2018 at 1:25 pm

    Parabéns pelo texto, dá até vontade de cursar Direito lendo um artigo desses kkkk, bom demais.

    Reply
  • Arthur H
    Arthur H
    março 23, 2019 at 4:46 pm

    Curso Direito e devo dizer que essa era uma questão que passava pela minha cabeça há algum tempo. Chega a dar um fôlego em meio a todo estatismo que ronda a faculdade, principalmente nas palestras das semanas acadêmicas e grupos de estudo.
    Obrigado pelo texto!!

    Reply
  • Arthur H
    Arthur H
    janeiro 3, 2019 at 11:58 am

    Curso Direito e devo dizer que essa era uma questão que passava pela minha cabeça há algum tempo. Chega a dar um fôlego em meio a todo estatismo que ronda a faculdade, principalmente nas palestras das semanas acadêmicas e grupos de estudo.
    Obrigado pelo texto!!

    Reply
  • lucas fernandes
    lucas fernandes
    maio 6, 2019 at 9:09 pm

    Estou neste dilema,quero seguir esta carreira,a advocacia,porém com tantas regulaçoes e burocracias,vejo que é bem mais lucrativo se aliar a gangue e defender casos inerentemente anti éticos,logo como quero tanto me manter na defesa pela verdade e pelo que é certo,quanto prosperar financeiramente,realmente nâo sei se vale a pena seguir esta profissâo.

    Reply
  • Jean Carlo A. Maciel
    Jean Carlo A. Maciel
    junho 18, 2020 at 10:16 am

    Cara, eu estava com a mesma dúvida que você. Mas agora estou mais uma vez motivado a fazer o curso.

    Reply
  • Thiago Luiz
    Thiago Luiz
    fevereiro 22, 2024 at 9:47 pm

    Olá, sou estudante de Direito e estou para começar a quinta fase do curso, o seu texto me deu coragem para começar, mas atualmente me encontro em conflito, pois não sei se é realmente possível ser advogado e libertário de maneira coerente. A minha duvida, vem do medo de ao ter que recorrer a uma justiça fundamentalmente injusta eu não estaria também contribuindo e assim possibilitando a injustiça. Muitas causas dependem que a pessoa ingresse por meio de um advogado, ou que seja necessário um constituído para dar seguimento, meu receito fica por conta de no eventual exercício da profissão seja necessário recorrer a leis ou jurisprudência que não seja ou esteja de acordo com o libertarianismo de maneira prática. Em um modelo ideal de justiça, onde a lei usada é a natural, mesmo ao defender um bandido você estaria indo em direção a justiça, pois estaria baseando a defesa na justiça natural, mas na justiça positivada até mesmo ao defender quem possui razão no caso pode-se acabar gerando alguma injustiça ao outro lado. A pergunta então, é se a questão que levantei tem fundamento e se é possível de fato seguir em alguma área da advocacia onde eu possa atuar como um libertário sendo coerente e também eventualmente bem sucedido. Desde já agradeço pela atenção e aguardo uma resposta o mais breve possível, pois terei que tomar minha decisão nos próximos dias e sua resposta me ajudaria muito.

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    • Rodrigo
      Rodrigo
      fevereiro 23, 2024 at 5:10 pm

      Oi Thiago. Bastante pertinente seu questionamento. Não sou advogado, e sequer sou formado em direito. No entanto, vou me guiar aqui pela ética libertária, que deveria ser a base para uma teoria do direito legítima. Creio que se deva levar em conta se a ação do réu é de fato justa ou não. Ou seja, se realmente ele é culpado com base em uma lei justa, baseada na ética libertária/direito natural, ou é só mais uma lei positivada criada arbitrariamente pelo estado. Se o seu réu tiver razão, você pode encontrar onde na Constituição é possível defendê-lo. E sei que isso é difícil, já que a atual Constituição está bem longe de ser um simbolo da liberdade e justiça de fato. Então se for possível defender seu cliente com base na Constituição, faça isso. Mas se você vir que defendê-lo seria injusto do ponto de vista da ética libertária/direito natural, então seria aconselhável não fazê-lo

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  • Thiago Luiz
    Thiago Luiz
    fevereiro 24, 2024 at 6:36 pm

    Opa Rodrigo, obrigado pela resposta. Acredito que o seu caminho apontado é realmente o correto, caso contrário eu como advogado acabaria violando ou ajudando a violar o direito natural ao ingressar com um processo injusto. O problema que ainda persiste é que não sei o quão restrito ficaria um advogado que só se permite pegar casos que se encaixem na ética libertária, gostaria realmente de saber se é possível sobreviver sendo advogado libertário e quais áreas seriam as mais adequadas de se trabalhar. Acredito que a parte de editar contratos de compra e venda, locação, fazer partilha de bens, direito empresarial, seja o caminho mais correto nessa profissão. Entretanto podem haver casos em que eu posso acabar ficando em um caminho sem saída, por exemplo em um processo aparentemente justo, como a restituição dos danos materiais em um acidente, a pessoa que represento pode acabar querendo pedir também danos morais, o que não é libertário, e eu como advogado não poderia ir contra a vontade da pessoa, e teria de abandonar o caso. Outra questão é que o direito positivado muda toda hora, e de uma hora pra outra a área em que posso vir a trabalhar pode ficar impraticável pela edição de leis estatistas

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