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Em minhas pesquisas pela internet para encontrar atualizações sobre a PL das Fake News (na verdade, PL da Censura) encontrei um artigo cujo título me chamou bastante atenção. “PL das Fake News e a verdade absoluta sobre coisa nenhuma“. O artigo é do site de notícias Estado de Minas, de autoria do colunista Hudson Cambraia.
Pensei comigo: “talvez tenha algo interessante a acrescentar”. Bom, ao ler o artigo descobri que não é muito diferente de todos os artigos em defesa da PL. Porém com muito mais humildade e um pouco mais de bom senso. Mas ainda assim permeado por uma crença e devoção pueril ao estado democrático e sua “benevolência” e superioridade para lidar com problemas sociais.
Supostamente fora da arena política
Hudson Cambraia inicia seu texto alegando que ele está tentando pensar fora da arena política. Que diferente de grupo A e grupo B, ele pretende pensar de uma forma mais “lógica” e “científica”.
Como fica claro ao longo do texto, essa afirmação do Hudson Cambraia está bem longe de ser verdade. Ele pode não apresentar uma perspectiva partidária (ao menos não explicitamente), mas isso é muito diferente de não manifestar uma posição política.
Ele mesmo ao longo do texto demonstra seu reconhecimento na legitimidade do estado democrático como responsável por regular as relações sociais. Ele também reconhece a Constituição Federal como fundamento para as decisões políticas e jurídicas sobre a sociedade brasileira.
Como dito, ele parte sim de uma postura política, por mais que ele negue isso. Talvez Hudson Cambraia esteja acostumado com opositores do projeto que apelam para a democracia e a Constituição como base para sua contestação. Mas não é o caso deste que vos escreve, nem o de muitos dos leitores da Gazeta Libertária.
E talvez por estar acostumado com pessoas que evocam a democracia e a Constituição Federal como fundamento para seus posicionamentos, uma postura que discorde de tudo isso soe estranho para o Hudson. Senão perigoso.
Mas existe, e isso dá a nós libertários um maior embasamento para nossa oposição à PL da Censura. Não reconhecermos nenhum estado como uma instituição legítima. O reconhecemos pelo que ele é de fato: violência e roubo institucionalizados em larga escala. Com seus membros e defensores tentando esconder essa realidade por meio de justificações infundadas para seus crimes. Tudo disfarçado de “interesse pelo bem comum”.
Mas não vou me estender sobre esse assunto. Caso qualquer um que esteja lendo este artigo não conheça o libertarianismo, mas esteja interessado em entender, pode ler esse breve resumo ou este livro que é a melhor introdução brasileira sobre o assunto.
O foco aqui é a defesa (mesmo que moderada) de Hudson à PL da Censura.
“Eu li a PL das Fake News”
Um fato curioso é que, no início do seu texto, o Hudson Cambraia comenta que leu o texto da PL como se ele tivesse sido a única pessoa que o leu. Ele meio que insinua que os críticos da PL da Censura em geral não leram o texto e só sabem repetir fake news de Whatsapp.
Eu sinceramente não sei em que bolha o Hudson vive a ponto de achar que todo mundo que discorde das medidas defendidas pelo mainstream político e a grande mídia baseie toda sua opinião em fake news.
Se Hudson se deu ao trabalho de ler o texto da PL para verificar se as fake news em torno dela condiziam com a realidade, deveria ter feito o mesmo em relação ao seu preconceito e verificado se ele tinha fundamento. Essa pessoa que vos escreve leu o texto da PL da Censura, e é por esse motivo que sou contra. Inclusive as próprias menções de trechos da PL feitas pelo Hudson que serão expostas mais adiante, mostrarão para qualquer um o quanto ela é uma medida draconiana. E todos que repudiam qualquer censura e leram o texto pensam dessa forma.
Abaixo uma publicação do perfil do PL (o partido) mostrando como leram e entenderam bem as implicações da PL da Censura:
Ah, claro. Posso presumir que o Hudson desconsidere o exemplo do PL devido às motivações políticas do partido. Mas essa não é a questão. Independente das motivações do PL, seus apontamentos estão corretos. São essas as implicações da PL da Censura.
Também devo esclarecer que não apoio nenhum partido político e vejo PL como mais uma gangue querendo sugar os contribuintes. Assim como todos os partidos políticos.
No entanto, se mesmo meu inimigo faz um apontamento correto, sou obrigado a concordar. E oposição à PL da Censura você encontrará em vários representantes de grupos políticos completamente distintos entre si. Justamente porque possuem repúdio à qualquer censura.
Glenn Greenwald (uma pessoa da qual não concordo em tudo) também expôs a verdade sobre a PL da Censura. E duvido muito que ele na sua condição de jornalista investigativo não tenha lido o texto.
Já fiz reportagem sobre política em muitos países. Isso é autoritarismo tão explícito quanto eu já vi. Banir críticas às leis que a Globo e o governo apóiam, e ameaçar os críticos com interrogatórios na PF, é o mais extremo possível. Mas está tudo de acordo com a própria lei.
— Glenn Greenwald (@ggreenwald) May 2, 2023
E basta visitar o perfil do progressista Glenn para perceber que possui vários tweets criticando o projeto.
E como não poderia ser diferente, o partido comunista PCO, que sempre se opôs a qualquer censura, também se opôs a esse projeto:
"Este projeto fará com que a imprensa tradicional, tradicionalmente mentirosa, ganhe milhões e cortará o oxigênio necessário para centenas, quiçá milhares de órgãos de imprensa independentes de funcionarem na internet."
— PCO – Partido da Causa Operária (@PCO29) May 3, 2023
Assine contra o PL da Censura: https://t.co/vQD8APizCp pic.twitter.com/5fcJqWxWA0
E não faltam outros exemplos.
“Precisamos proteger as crianças”
Continuando o seu texto, Hudson mostra preocupação com a segurança das crianças nas escolas. Ele até comenta que possui uma filha e que se preocupa com o mundo que quer deixar pra ela.
Tal preocupação é totalmente legítima e ele está sendo um bom pai por pensar assim. No entanto, a PL da Censura não será nenhuma garantia de segurança para as crianças. Ao contrário do que dizem aqueles que defendem a medida como uma forma de combater o planejamento dos ataques às escolas, bem como dos falsos alertas de ataques, nenhum controle repressivo das redes sociais evitará qualquer ataque.
Os ataques se devem à incapacidade do estado de manter a segurança das crianças nas escolas. Além da impunidade jurídica. Basta ver o caso do autor do massacre na creche em Blumenau (SC), que já havia cometido crimes antes.
Obviamente que o estado mata dois coelhos com uma cajadada só, escondendo sua ineficiência e mantendo seu controle sobre a sociedade.
No entanto, Hudson aponta outro motivo para se defender uma maior regulação da internet, apontando para os casos de pedofilia na internet (que de fato são algo a se preocupar). Mas curiosamente, ele usa como exemplo uma medida completamente privada e que não possui paralelo algum com que a PL da Censura propõe.
Ele cita uma página existente no Telegram chamada “Stop Children Abuse”, onde denúncias de conteúdo com pedofilia são denunciados. Ele inclusive cita o impressionante número de 40.545 contas bloqueadas devido à esse tipo de conteúdo só em Abril deste ano.
E qual o ponto interessante nisso? É que Hudson está tentando comparar uma medida de censura realizada por uma empresa privada na qual os usuários concordaram com todos os termos antes de criarem uma conta, com uma medida impositiva estatal sobre as próprias empresas.
Particularmente nós libertários não nos opomos a alguém impor censura e restrições em sua propriedade. Nossa crítica é a imposição de censura sobre indivíduos e empresas por parte de terceiros.
Apenas o indivíduo possui soberania sobre sua propriedade e qualquer violação deste direito configura uma agressão contra este. E isso também se aplica à agressão institucionalizada chamada de estado.
E voltando à questão do Telegram: vejam só! Ele mesmo admite que uma empresa privada vem resolvendo o problema dos conteúdos de pedofilia por sua própria conta sem imposição estatal. Ora, Pavel Durov (espero eu) deve repudiar este tipo de conteúdo e está ciente de que a maioria das pessoas repudia. Ciente disto, ele não permitirá que sua plataforma se torne um covil de pedófilos que poderá afastar a maior parte do seu público.
Tentando justificar o injustificável
Então Hudson prossegue com seu texto, tentando justificar uma série de proibições porque estão “previstas na Constituição”. Já foi falado aqui o estado não possui legitimidade alguma. Consequentemente nenhuma constituição estatal também não tem. Mas será importante analisar cada uma das afirmações de Hudson.
Ele cita por exemplo para o artigo 14 da PL da Censura, onde é exigido que as plataformas de redes sociais informem quem está patrocinando determinada publicação. Concordo que é interessante saber quem está por trás do patrocínio de determinada publicação.
Mas se alguém pretende ocultar essa informação e a rede social permite isso, interferir nisto seria uma violação do direito de propriedade e soberania dos donos da empresa sobre a mesma. E também da pessoa que quiser ocultar tal informação.
Quem não gostar de estar em uma rede social que insiste permitir isso, a solução é muito simples: só procurar uma que não tenha. Ninguém te obriga a usar nenhuma rede social específica ou rede social alguma.
Mas Hudson, é claro, possui uma justificativa para isso. Ele afirma que a internet não é neutra (jura?) e os conteúdos de maior alcance são de quem paga mais (alguma surpresa nisso?). E ele então cita o Marco Civil da Internet, onde no artigo art. 3º, IV, da Lei n. 12.965/2014, está previsto a “neutralidade de rede”. Ou seja, onde deveria haver um fluxo de dados igual para todos.
Ele reconhece que tal medida é uma das maiores piadas jurídicas (e de fato é) e afirma que só existe no papel. E ainda bem. Imagina achar que alguém que paga muito mais tenha seu fluxo de dados limitado para dar espaço a quem paga menos. Literalmente os primeiros estariam subsidiando de forma coercitiva os últimos.
Hudson em seguida comenta o fato de mesmo quando não pagamos por um serviço na internet, o serviço somos nós. Que servimos para fornecer dados para os anunciantes terem uma referência para seus anúncios (novamente, não sei qual a surpresa com isso). Mas aí vem a justificativa: ao menos saberíamos o porque de estarem utilizando nossos dados de navegação e para quê.
Novamente, o mesmo que se aplica ao caso dos conteúdos patrocinados: se não gosta que uma rede social utilize seus dados ou que não informe o motivo de utilizá-los, migre de rede social. Simples assim. Se houver uma demanda considerável por redes sociais que não façam uso dos dados do usuário, haverão redes sociais que atenderão tal demanda.
E aliás, já existem. Mas não me parece que Hudson e muitos defensores da PL da Censura estejam interessados em migrar para elas.
Ao fim do artigo, Hudson reconhece que a PL possui erros grosseiros e que não concorda com ela em sua totalidade. Eu vou além e digo que ela toda é um erro grosseiro.
Apesar desse pequeno acerto, Hudson insiste no erro de atribuir ao estado a função de manter a ordem social. Ele até mesmo acerta ao reconhecer que liberdade não pode existir sem responsabilidade e que a ordem social é importante.
Mas erra ao acreditar que cabe ao estado a função de garantir essa ordem. Ele até comenta sobre o dilema da segurança vs a liberdade. Uma falsa dicotomia que Hoppe e outros autores libertários já relataram em ‘O Mito da Defesa Nacional‘.
O próprio estado não pode ser o garantidor da ordem e segurança porque ele mesmo é um violador disto. Ele apenas monopoliza a função de segurança de forma que o favoreça.
O que realmente irá garantir a ordem será o respeito de cada um pela pessoa e propriedade do outro. E tal garantia não pode vir de uma instituição criminosa como o estado.
Conclusão: não há justificativa para a PL da Censura
Apesar de reconhecer erros na PL da Censura, Hudson Cambraia insiste na crença ilusória de que o estado deve impor regulações na internet, acreditando que com isso irá garantir a segurança das crianças (e como já foi mostrado, isso não é verdade).
Mas ao mesmo tempo de forma previsível, nenhum dos argumentos de Hudson em defesa do estado é da PL da Censura resistem a uma análise criteriosa.
Uma resposta para “Resposta ao site Estado de Minas sobre a PL da Censura”
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Sou o autor do texto citado no artigo e, particularmente, gostei muito do artigo-resposta! Primeiramente pela educação do contraponto. Discordar é um direito, mas discordar com fineza e respeito é um privilégio. Em segundo lugar, porque levanta questões que levam as pessoas à pensar. Respeitosamente, a fonte da crítica foi citada para que as pessoas leiam os dois textos e tirem, livremente, as próprias conclusões. Por último, de fato seria impossível que concordássemos, dado que nossas premissas políticas são muito diferentes (e todos a temos, dado que mesmo o libertarianismo é uma posição política). Sou um liberal, mas muito longe de ser um libertário. Nasci na periferia de Belo Horizonte, com falta de absolutamente tudo, família analfabeta e subempregada. Fiz o ensino fundamental e médio porque o Estado forneceu escola e materiais. Tive a minha formação superior de qualidade porque o Estado pagou a bolsa (o valor da mensalidade era o dobro que eu tinha para sobreviver). A minha formação histórica como ser humano não me permite acreditar que eu estaria hoje onde estou sem a interferência estatal. Nasci em um ambiente de prevalência da brutalidade e da força de gente “sem lei” sobre os fracos e saí dele por causa da intervenção do Estado na minha vida. Neste contexto, fica difícil acreditar que um lugar “sem Estado” (como o que eu nasci) funcione melhor do que um lugar “com Estado”. Meu lugar de fala, então, é altamente enviesado e isso, obviamente, afeta de forma direta meu modo de ver e ler o mundo. Parabenizo pelo texto e pela crítica! Continuemos a debater e a pensar, pois só assim construiremos uma sociedade melhor!
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