Immanuel Kant, o politicamente correto e a liberdade de prezar pelo bem

Escrito por: Kai (@_ckantz)
Revisado por: Pedro Micheletto Palhares (@DevilSSSlayer)


Immanuel Kant foi um filósofo prussiano nascido em Königsberg (atual Kaliningrado, Rússia) no dia 22 de abril de 1724, e é considerado por grande parte da comunidade filosófica e política como o principal filósofo da era moderna. Dentre suas muitas contribuições para a ciência do amor à sabedoria e às ciências políticas, Immanuel Kant traz a máxima do seu pensamento em relação aos deveres morais e éticos: O Imperativo Categórico.

Esta concepção filosófica do Criticismo Kantiano é retratada na seguinte passagem de seu livroFundamentação da Metafísica dos Costumes“: “Age como se a máxima da tua ação fosse para ser transformada, através da tua vontade, em uma lei universal da natureza”. Logo, o Imperativo Categórico seria o dever que todo indivíduo possui de agir conforme princípios que o mesmo consideraria frutífero caso fossem conduzidos por todos os seres humanos.

Hodiernamente, com foco principal na análise política, deparamo-nos com uma concepção de análise de conhecimentos que denominamos de Politicamente Correto. Este termo é utilizado para descrever linguagens ou atos que devem ser evadidos por serem enxergados como excludentes ou ofensivos. Em tese, este termo se refere à censura de ideias e ações que marginalizam ou insultam grupos desfavorecidos, sobretudo aqueles definidos por gênero, raça ou preferências sexuais.

No entanto, o que realmente acontece ao propagar-se o politicamente correto é limitar a condição racional do ser humano de expressar-se livremente, sendo esta liberdade a positiva, que preze pelo incentivo à participação política da sociedade, visando o bem coletivo e os direitos políticos de cada indivíduo.

Kant observava que o que difere os homens dos outros seres vivos é a razão, e com esta, o autor busca alterar o conceito de moralidade, considerando as leis morais apenas as leis universais, como definidas no Imperativo Categórico. As leis morais são caracterizadas por condutas esperadas, mas não necessariamente mandatórias, que comportam, portanto, o descumprimento das mesmas ou não. A filosofia moral, sendo assim, consiste no estudo da vontade do homem.

Como Kant, em seu pensamento inovador, adere tanto às características do empirismo inglês como ao racionalismo francês, o prussiano separa os conhecimentos humanos em dois: a priori (que vem antes da experiência, logo, racionalista) e a posteriori (aquilo que vem após a experiência, logo, empirista ). A moral, segundo o filósofo, é apriorística, e serve para investigarmos a gênese dos princípios práticos que residem na razão. A metafísica dos costumes seria então o estudo de leis que regulam o comportamento e a conduta sob uma visão particularmente racional, sem contaminação empírica.

Então qual é a ligação entre a filosofia moral kantiana e a prática do politicamente correto pela sociedade? Claramente, de divergência. As leis éticas orientam a ação humana, sendo o começo do argumento baseado na boa vontade, que pode ser considerada como boa em si mesma, absoluta e incondicional, sendo esta o mais alto bem. Em uma sociedade onde temos de poupar-nos de falar o que é verdadeiramente correto para não ofender ou abrir os olhos de alguém para a veracidade, a moral não se aplica. As pessoas devem encarar o mundo com seriedade e não devem privar-se de falar aquilo que é correto e justo, por mais ofensivo que isto possa ser.

O politicamente correto limita a influência da boa vontade humana. Kant propõe a diferença entre cumprir determinada lei por dever e cumprir conforme ao dever (N.R: uma como um fim em si mesma e outra apenas seguindo seu código visando outro fim). Podemos citar situações exemplo, como:

Conservar a vida é um dever e uma inclinação cultural e natural, por isso os homens dedicam-lhe um cuidado exagerado. Agem, então, conforme ao dever, mas não por dever. Se, porém, a sua vida é infeliz e, mesmo desejando a morte, conserva a vida sem amor, não por inclinação ou medo, mas por dever, então a sua máxima tem um conteúdo moral.

Perceba que no parágrafo anterior, Kant desmistifica e vai contra a concepção contemporânea de suicídio justificado e assistido, comumente defendido pelo politicamente correto, na eutanásia, por exemplo.

Em uma outra situação, podemos supor o seguinte: Suponha que um homem está morrendo de fome, porém não possui capital monetário para comprar comida. Nesta situação, ao andar pela cidade, vê um homem que detém alta quantidade em dinheiro, e o primeiro assalta o segundo.

Na lógica moral kantiana, o fato do primeiro homem citado estar faminto não justifica o assalto àquele que estava em melhores condições financeiras, devido ao Imperativo Categórico. A ação do assaltante de forma alguma deveria ser vista como uma lei universal da natureza, logo essa é ilegítima moralmente.

A grande verdade é que o politicamente correto limita o debate e as ações no meio público, por não visar a transmissão da famigerada verdade nua e crua. O fato de que devemos falar apenas o que é conveniente aos ouvintes é moralmente equivocado. O Imperativo Categórico não deriva seu poder de nenhuma autoridade ou pessoa, apenas da Razão Pura.

Ao final, o que temos hoje, para os praticantes do politicamente correto seria apenas uma defesa tendenciosa e assimétrica do conceito de liberdade de expressão: só é verdade e moralmente correto aquilo que me agrada, e aquilo que me ofende pessoalmente deve ser evitado e proibido. Se o indivíduo não possuir mais a liberdade de falar a verdade doa a quem doer, ele não será mais capaz de raciocinar, algo que ofende profundamente e veementemente o criticismo kantiano.

Logo, podemos observar os equívocos do politicamente correto no seguinte: a livre propagação de informações e a defesa do que é moralmente correto é fundamental para o progresso de uma sociedade positivamente livre. A partir do momento que se quer problematizar qualquer ação que vá contra sua individualidade, seja pela sua vontade de tirar a própria vida, de justificar um roubo ou assassinato, onde o cidadão se desculpa por achar que o assaltante ou assassino é uma suposta vítima da sociedade, neutralizar um conceito como o de gênero (masculino e feminino), ou acreditar na dívida histórica do racismo, estimulando ainda mais o preconceito racial, além de outros escrúpulos ideológicos e ações que são assim como os citados encarados como normais, caem na principal crítica kantiana: o Imperativo Hipotético, também conhecido como Utilitarismo. Este consiste na busca pelo prazer sem encarar a realidade (se quero X, devo fazer Y). A crítica de Kant ao utilitarismo está então na falta de máximas morais que não são seguidas, independente das preferências pessoais.

Concluindo finalmente, não existe concepção relativa de certo e errado, e nisto Kant é preciso assim como os gregos quanto à relativização da beleza. Não deveriam existir práticas de sanções morais à discursos contrários ao seu, pois a moral, segundo Kant, é uma, advinda da Razão Pura, e pela qual nós todos devemos guiar nossas ações, prezando sempre pelo bem coletivo, universal e civil e crendo na máxima da universalização da moral e das liberdades positivas em geral.

Leia também: A anatomia do politicamente correto


Kai

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