“Injustiça” salarial: falha de mercado ou falha moral?

Todos nós já nos deparamos com aquela velha pergunta: “Você acha justo que um professor ganhe 2 mil reais por mês enquanto um jogador de futebol ganhe 1 milhão por mês?” ou “É justo que um cantor clássico o qual tenha estudado a vida inteira técnicas de canto ganhe um valor menor comparado à um cantor de funk que nem cantar sabe?”. Essas perguntas são usadas como argumento para mostrar como o capitalismo é injusto, porém, a falha grotesca nesse argumentum ad passiones (falácia de apelo à emoção) é não levar em conta o significado de justiça.

Significado de justiça: “Modo de entender/ou julgar aquilo que é correto; O ato de reconhecer o mérito de algo ou de alguém; Ato de dar ou atribuir a cada qual o que por direito lhe pertence.

Isto posto, podemos dizer que ser justo é uma forma de discernir o que é certo e o que é errado, e assim julgar algo ou alguém. Mas a condição sine qua non para se fazer um julgamento é o estado de consciência, a capacidade de seguir uma estrutura lógica racional, tendo em vista que a justiça é um conhecimento a priori, portanto, dizer que o capitalismo é injusto é sem sentido, já que o único ser que possui a capacidade de ser justo é o ser humano.

A única forma de entender como há tamanha diferença salarial de uma profissão para outra é fazendo uma análise coerente e honesta do mecanismo que direciona o dinheiro em grandes quantidades para as pessoas: o sistema democrático de mercado. Mas para entendê-lo precisamos analisar a lei de utilidade marginal, descrita por Carl Menger e a lei de Say, descrita por Jean-Baptiste Say.

Menger observou que o valor não era intrínseco à um produto e à quantidade de trabalho para produzí-lo, como a teoria de valor-trabalho adotada por Karl Marx afirmava, mas que o valor de um bem parte da valoração subjetiva do quão hábil é tal bem para satisfazer uma aspiração pessoal. Ora, se um lenhador “x” demora 2 horas para cortar uma árvore e cobra 10 reais pelo serviço, por que alguém que não possui nenhum vínculo pessoal com o lenhador “y” pagaria 100 reais por um corte de árvore que levaria 20 horas, já que o lenhador “y” usou 10x mais força de trabalho que o lenhador “x”? Talvez por algum motivo alguém contrate o lenhador “y”, mas com certeza em algum momento ele irá à falência, levando em conta que se um serviço do lenhador “x” é mais eficiente e mais barato comparado ao serviço do lenhador “y”, obviamente contrairá para si quase todo o market share.

Jean-Baptiste Say, por outro lado, observou que a capacidade de demandar é posterior à capacidade de ofertar, sendo imprescindível que essa oferta de trabalho ou produto possua um valor subjetivo para alguma parcela de pessoas. Mas o que isso tem a ver com o sistema democrático de mercado e por que esse sistema direciona tanto dinheiro para uns e pouco dinheiro para outros? Simples, o poder dos ricos de demandar advém da sua capacidade de ofertar algo que uma grande parcela de pessoas subjetivamente valorizam. Quando um indivíduo se dispõe a comprar qualquer bem, ele necessariamente está valorizando mais o bem que ele quer comprar do que o dinheiro que ele possui no momento, caso contrário, a troca não aconteceria. Então o empresário que oferece um produto, ou um funcionário que oferece um serviço o qual é demandado por uma grande parcela de pessoas, está sendo recompensado com o dinheiro por oferecer esse produto/serviço que trará (por um juízo de valor pessoal) um fim mais útil que manter consigo esse próprio dinheiro.

Na democracia de mercado, alocação e realocação de recursos sempre é regulada de acordo com a demanda coletiva que está em constante mudança, sendo o dinheiro o voto que dá poder e riqueza àqueles que suprirem tais demandas. Mas nem sempre essas demandas podem ser consideradas justas. Quando uma pessoa passa seu tempo escutando funk ao invés de uma música culturalmente mais rica, ela está votando para que esse cantor possua o dinheiro/views ao invés do cantor clássico, e, da mesma forma que ao ceder sua audiência para um jogo de futebol ao invés de uma vídeo aula, a pessoa vota para que o jogo de futebol possua mais audiência que um professor. Com qual frequência por exemplo, você vê alguém que economiza dinheiro para ver alguma palestra de professores renomados, ou reserva quase 2 horas no domingo para assistir alguma vídeo aula? Com qual frequência você escuta um amigo cantando uma música de um autor desconhecido que possua um incrível talento de canto? Quantas pessoas que você conhece possuem uma playlist no Spotify de músicas clássicas?

Como escreveu Ludwig von Mises na página 18 de seu livro “A Mentalidade Anticapitalista”:

“O que torna um homem mais ou menos próspero não é a avaliação de sua contribuição a partir de um princípio absoluto de justiça, mas a avaliação por parte dos seus semelhantes, que aplicarão somente o critério de suas necessidades, desejos e objetivos pessoais”.

Podemos afirmar portanto, que o capitalismo não é injusto e que não existem falhas de mercado, mas existem falhas morais que culminam nessa discrepância salarial.


Revisado por: Paulo Costa (@paulodroopy)


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