O movimento “The Network State” é uma ideia concebida por Balaji Srinivasan, que visa criar um estado “descentralizado” em rede por meio da tecnologia. As ideias pelas quais Balaji Srinivasan tenta defender tal proposta estão presentes em seu livro de mesmo nome, que pode ser baixado gratuitamente aqui ou visualizado online clicando aqui.
A proposta de Balaji Srinivasan em um primeiro momento lembra a panarquia, do economista belga Paul Emile de Puydt, e também o “neofeudalismo” do autor pós-libertário Curtis Yarvin. No entanto, Srinivasan vai em direção a um nível de centralismo que nenhum destes autores jamais defendeu.
Estado em rede e “descentralizado”
Em seu livro, Srinivasan apresenta sua análise econômica, histórica e sociológica do que ele chama da dinâmica entre o estado e a rede, sendo o estado o arranjo daqueles que buscam o máximo de estabilidade e governo sobre os demais, e a rede sendo uma associação voluntária descentralizada e apátrida.
Apesar de Srinivasan simpatizar com a ideia de rede, ele a acha insuficiente e, no lugar da pura rede descentralizada, ela propõe um estado em rede descentralizado que visa à centralização. Parece confuso, não é mesmo?
E de fato é. Mas esse é o objetivo do The Network State. Segundo Srinivasan, o objetivo é começar na internet, em uma rede onde todos que almejam tal objetivo possam se conectar, se tornando primeiramente um estado virtual, e por último, após reconhecimento diplomático de outros países, assumir um espaço físico real.
Porque isso não faz nenhum sentido
Srinivasan em seu livro, faz importantes análises das sociedades ao nível sociológico, econômico, histórico, político e geopolítico. No entanto, faltou mais filosofia política em sua análise. Mais precisamente, uma que o fizesse entender do que realmente se trata o estado. A Ética da Liberdade, ou até mesmo a Anatomia do Estado, ambos de Murray Rothbard, viriam a calhar.
Mas Srinivasan nos contempla com O Príncipe, Nicolai Maquiavel, que é mais um manual sobre como um tirano deve governar do que um tratado de filosofia política propriamente dito. E talvez isso tenha contribuído de alguma forma com sua visão equivocada sobre o que de fato é o estado.
Em seu livro, Srinivasan tenta apresentar sua ideia de um estado em rede como uma nova forma de cidadania, já que a ideia de uma descentralização total parece incomodá-lo. Srinivasan simplesmente assume que todos os indivíduos desejam ter uma cidadania estatal, ao invés de enxergar isso como algo que foi incutido pelos estados como forma de controle social. O que sempre foi o caso.
E o erro de Srinivasan de desconsiderar os importantes insights do grande economista e filósofo libertário Murray Rothbard sobre o que de fato é o estado explica sua incapacidade de perceber a ideia sem sentido que ele está defendendo. Como dito, Srinivasan tenta resumir o estado a somente ser uma organização à qual as pessoas possam pertencer. Mas, além da já mencionada cidadania estatal, Srinivasan não é muito claro sobre qual a finalidade de tal estado.
Como autores como Franz Openhaimer, Albert Jay Nock e Murray Rothbard nunca cansaram de explicar, o estado é o monopólio da força e da lei, com direito exclusivo de tributação sobre um determinado território. Não importa quais floreios os intelectuais do estado utilizem para justificar sua existência, essa é a descrição do que é o estado de fato.
Embora os principais serviços que o estado monopoliza sejam os serviços de segurança e justiça, ele também tende a monopolizar outros serviços que ele sabe serem altamente demandados pela sociedade, como infraestrutura, saúde e edução. Já as ditaduras socialistas plenas monopolizam praticamente tudo.
E isso me leva ao meu próximo ponto: como os economistas austríacos já demonstraram, não há um único serviço que o estado forneça que a iniciativa privada não possa oferecer. Mais que isso! Todos os serviços que o estado monopoliza hoje podem e são melhor oferecidos pela iniciativa privada.
Então fica a pergunta: por que Srinivasan ainda insiste na ideia de um estado, mesmo que a princípio virtual? Será que ele segue a ideia estatista de que há certos serviços que somente o estado pode oferecer, o que economistas austríacos já provaram ser falsa? Não fica claro, mas dada essa sua menção ao financiamento de territórios pelo estado virtual que ele defende, é possível supor que Srinivasan realmente acredite que alguns serviços devam ser deixados por conta de tal estado.
De toda forma, Srinivasan não nos dá motivo para acreditar porque tem que ser assim.
E voltando à ideia de “reconhecimento diplomático” por parte de outros estados, Srinivasan também menciona o reconhecimento de tal estado também por parte das Nações Unidas. O que ele não explica é qual a necessidade de reconhecimento de uma organização internacional estatal e fortemente intervencionista nos assuntos de cada país.
Talvez Srinivasan seja do tipo que queira evitar “problemas”, então prefere levantar a bandeira branca e sinalizar que não é uma ameaça aos interesses de outros estados, e isso inclui submissão sempre que estes mesmos estados, incluindo a ONU, desejarem por parte dele.
Srinivasan talvez se iluda, achando que isso levaria a um caminho pacífico, mas isso seria apenas assumir derrota e submissão. É bom lembrar que nenhum estado reconhece liberdade de bom grado, algo que autores libertários nunca cansaram de lembrar. E isso inclui o tal almejado “reconhecimento diplomático” por parte dos outros estados que o Srinivasan tanto busca.
Basta olhar para como o reconhecimento diplomático entre os estados é realmente feito, onde os estados mais fracos, para serem aceitos, precisam fazer concessões. E, dado que estados buscam o máximo de benefício às custas dos demais, o novo estado proposto por Srinivasan deverá aceitar condições impostos pelos demais estados sobre seus cidadãos.
E dado que os estados buscam o máximo de centralismo político e evitam qualquer ameaça a tal intuito, seus estados parceiros também deverão segui-los por esse mesmo caminho. Não só isso. Dado que concederão tal reconhecimento diplomático aos estados que eles enxergarem como úteis, o novo estado proposto por Srinivasan deverá estar disposto a se sujeitar a medidas que nenhum defensor da liberdade deveria aceitar, como censura, sansões e até mesmo ajuda militar.
Para os que amam a liberdade da boca para fora ou têm uma noção distorcida do que é a liberdade, tais sujeições podem ser vistas como um preço a se pagar pelo “reconhecimento diplomático internacional”.
Para os defensores da liberdade, isso não é apenas um preço alto a se pagar. É a morte de tudo o que defendem.
O verdadeiro caminho é a descentralização
Como bem exposto por José Niño, a verdadeira alternativa ao estado não é um estado de rede, mas uma descentralização radical. De preferência, uma descentralização até o nível de cada indivíduo sobre sua propriedade. Como já dito mais de uma vez neste artigo, não há um único serviço que o estado ofereça que a livre iniciativa não possa oferecer. E como já dito, ela oferece melhor tais serviços.
Com a ideia de uma descentralização de todos os serviços em mente, a proposta de Srinivasan de um estado de rede faz menos sentido ainda. Já foi dito aqui que nenhum estado, seja local ou estrangeiro, irá tolerar a total liberdade de associação de bom grado. E os verdadeiros libertários estão cientes disso.
E para aqueles que buscam tal liberdade, não há outro caminho possível e consistente com tal liberdade que não seja a contraeconomia.