A Importância de Ludwig von Mises para a Ciência Econômica

Para começar este texto, antes considero necessária a leitura da seguinte frase:

“Eu li Mises pela primeira vez quando era sênior da CalTech, na graduação de engenharia elétrica. Essa foi uma das principais razões para eu subsequentemente migrar para economia. Lendo Mises depois de 50 anos, fico impressionado com o quão estimulante, relevante e nítido é a obra Ação Humana para o estudo da economia no final do segundo milênio.” (Vernon Smith, prêmio Nobel 2002).

É sensacional como em uma única frase dita pelo economista Vernon Smith (1927-) acerca de Ludwig von Mises (1881-1973) existem duas declarações extremamente fortes: (I) Ele (Vernon Smith) começou estudar Economia após ter lido a obra de Mises e; (II) Mises é relevante.

Digo que são declarações fortes por tratar-se de um prêmio Nobel afirmando que uma das principais razões para que ele adentrasse para o estudo da Economia tenha sido a leitura da obra de Mises.

O fato é que muitos economistas do mainstream ignoram Mises de tal maneira que, ver um economista mainstream vencedor de um Nobel elogiando Mises apenas demonstra que muitos ignoram Mises por questão de ego e birra. Quando Vernon Smith faz tal declaração, demonstra claramente a importância de Ludwig von Mises para a Ciência Econômica. Em seguida ele ainda faz questão de elogiar Mises, deixando claro que é preciso sim estudar as obras do autor austríaco.  

Pois bem, não é novidade que muitos economistas mainstream ainda torcem o nariz para Ludwig von Mises e suas obras. Mesmo com as mais diversas contribuições à Ciência Econômica, muitos continuam a acusar Mises – e suas contribuições – dos mais variados absurdos. Dentre tantas acusações, as mais conhecidas são: “praxiologia não é ciência”, “Mises defendia fascismo”, “Mises era intolerante com quem pensava o contrário”, etc. Apenas um amontoado de falácias pueris.

Mises era um autor muito completo

Os escritos e palestras do economista abarcavam mais do que teoria econômica. Assuntos como história, governo, epistemologia e filosofia política eram perenemente analisados pelo economista. Quanto à teoria econômica per se, suas contribuições incluem exposições importantes sobre a teoria monetária, ciclos econômicos e sua conhecida obra sobre impossibilidade de cálculo econômico, demonstrando como o socialismo é necessariamente insustentável em uma época onde as ideias socialistas estavam em ascensão. 

Uma das contribuições claras de von Mises é que ele foi o primeiro estudioso a expor uma obra sistemática sobre a estrutura formal da ação humana e seu entrelaçar aos fenômenos econômicos. Essa estrutura, conhecida como praxiologia, se solidificou como uma metodologia posteriormente estudada por muitos economistas, inclusive de linha “mainstream”.

A obra Ação Humana (1949) é reconhecidamente o primeiro livro a conter uma teoria abrangente e integrada da economia de livre mercado. Até então, nada remotamente parecido havia sido publicado. A teoria do valor subjetivo, individualismo metodológico e cataláxia são marcas registradas do pensamento misesiano. Isso já é o suficiente para entendermos a importância de Ludwig von Mises, seja para propagação das ideias da liberdade, seja para Ciência Econômica.

Ainda na obra Ação Humana, Mises trata de escrever de forma aprofundada sobre A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos. Esta teoria é considerada uma das principais contribuições de Mises e ajudou Friedrich A. Hayek (1899-1992) a ganhar o prêmio Nobel de economia em 1974.

Mises e o mainstream

Talvez por este motivo, muitos economistas mainstream ainda alimentam um certo sentimento de “raiva” por von Mises. Isso porque Keynesianos, Chicagoboys e outros economistas de mainstream defendem a intervenção estatal quando dizem, por exemplo, que bancos centrais são essenciais. Keynes sequer pode ser considerado liberal, porém, Milton Friedman – considerado por alguns o principal pensador liberal do século XX – defendeu uma política monetária intervencionista, enquanto a teoria de Mises nos mostra que o que eles – economistas mainstream – defendem, na verdade é indefensável. Explico.

A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos mostra o quão corrosivo as políticas de expansão monetária são para economia, taxa de juro manipulada, etc. O banco central é causador de crises, mas boa parte do mainstream não enxerga desta forma. Ainda que Friedman culpasse o FED pela crise de 1929, sua visão era basicamente que o banco central “errou a mão”, enquanto Mises vai ainda mais longe e prova que bancos centrais não deveriam sequer colocar as mãos na economia.

Outro fator determinante que talvez possa fazer com que os economistas mainstream tenham uma aversão a Mises, é o fato dele ter sido um dos raros homens que mantinham uma inflexível oposição a todas as formas de moeda estatal de curso forçado.

Isso fez com que ele ficasse com a fama de um Neandertal do século XIX em um mundo em que já era comum moedas estatais de curso forçado, o qual começou com a abolição do padrão-ouro clássico, em 1914. Ou seja, Mises era considerado um homem que se opunha às “novidades”, mas não porque era um birrento que odiava a evolução das ciências, mas sim porque seu pensamento crítico jamais abandoou a lógica.

Sua hostilidade ao socialismo também contribuiu para seu status de pária. Ele estava resistindo a tudo aquilo que os acadêmicos consideravam ser a onda do futuro. Enquanto acadêmicos no geral tendem a sempre seguir modismos, Mises não era assim. Isso se comprova em uma afirmação de Friedman a respeito de Mises: 

“A melhor história que me lembro aconteceu em uma reunião em Mont Pèlerin quando ele se levantou e disse: ‘vocês são um bando de socialistas!’ Estávamos discutindo a distribuição de renda, e se deveríamos ter imposto de renda progressivo. Algumas pessoas que lá estavam, expressaram a opinião de que o Imposto de renda deveria ser progressivo.”

Para que o leitor compreenda melhor, vamos imaginar o cenário: A Sociedade Mont Pèlerin foi uma organização fundada em 1947, era composta por alguns dos maiores filósofos e economistas de diversos países – como por exemplo, F.A. Hayek e Milton Friedman –, cujo objetivo era a promoção do liberalismo e de seus princípios e valores. Em teoria, os liberais deveriam lutar por liberdade econômica e individual. Quando estes começaram a discutir distribuição de renda e imposto de renda progressivo, não era de se esperar que um verdadeiro liberal se irritasse? Pois foi exatamente o que aconteceu. Ainda sobre o fato dos economistas mainstream não gostarem de Mises, Gary North vai nos dizer que:

“Mises sempre foi um obstinado em sua dedicação aos princípios do livre mercado. Provavelmente mais do que qualquer outro grande intelectual do século XX, ele era conhecido entre seus pares como alguém inflexível, que não fazia concessões àquilo em que acreditava. Pelos economistas da Escola de Chicago ele foi chamado de ideólogo. E eles estavam certos. Por causa de sua consistência na aplicação do princípio do não-intervencionismo em cada setor da economia e, acima de tudo, por causa de sua oposição a bancos centrais e à manipulação estatal da moeda, os economistas o consideravam excêntrico. ‘Excêntrico’, para eles, era sinônimo de ‘rigorosamente consistente’.”

Vernon Smith, economista citado no início do texto, complementa:

“[…]E a obra (Ação Humana) suportou bem, porque muitos de seus principais temas – direitos de propriedade, regras de responsabilidade, a eficácia dos mercados, a futilidade do intervencionismo, a primazia do indivíduo – se tornaram importantes elementos na teoria e gestão microeconômica. Além do mais, esses temas se tornaram importantes graças Mises, Hayek e outros pensadores secundários (Coase, Alchian, North, Buchanan, Tullock, Stigler e Vickrey só para citar alguns) e não por causa do mainstream econômico. Há muitos pontos em Mises para atualizar por conta das coisas que sabemos agora e não sabíamos há 50 anos. Mas a mensagem básica de Mises sobre como a economia funciona permanece tão boa atualmente quanto era no passado”. (SMITH, 1999, p. 196)

Ludwig von Mises influenciou muitos economistas

É  indiscutível o fato de que as teorias econômicas de Mises são de grande contribuição para a Ciência Econômica, além do mais, também é importante atentar para os inúmeros autores influenciados por Mises: F. A. Hayek, Israel Kirzner (1930-), Hans Sennholz (1922-2007), Ralph Raico (1936-2016), Thomas Sowell (1930-), Leonard Liggio (1933-2014), George Reisman (1937-), Henry Hazlitt (1894-1993), Ron Paul (1935-), Jesus Huerta De Soto (1956-), Hans-Hermann Hoppe (1949-) e Murray Rothbard (1926-1995) são apenas alguns desses autores. O trabalho de von Mises também é creditado por influenciar personalidades como Leonard Read (1898-1983) (fundador da ONG “Foundation for Economic Education”), o poeta Max Eastman (1883-1969) e a dramaturga e filósofa Ayn Rand (1905-1982).

O atual ministro da economia do Brasil, Paulo Guedes, que é típico economista mainstream de carreira e possui doutorado na Escola de Chicago, se rendeu ao livro Ação Humana chegando a dizer o seguinte:

“O Henry Maksoud estava ali e me entregou, quando eu tinha trinta e poucos anos, um livro de mil e poucas páginas, que era o Human Action (Ação Humana). E eu já tinha feito doutorado em economia (Universidade de Chicago), já achava que sabia tudo e não sabia quase nada ainda”. – Paulo Guedes em palestra no XXI Fórum da Liberdade, 2008.

As mentiras mais comuns contadas contra Mises

Infelizmente ainda é muito comum nos depararmos com declarações absurdas acerca de Ludwig von Mises, suas obras e até mesmo à Escola Austríaca em geral. Geralmente são críticas infundadas que carecem de argumentação séria, já cheguei a ler, por exemplo, a seguinte afirmação em um texto publicado na internet:

“Mises praticamente não contribuiu para a ascensão liberal no campo da economia. A bem da verdade, acho até que ele mais atrapalhou do que ajudou. Sua contribuição ao liberalismo na economia é limitada à sua posição em rechaçar o socialismo em bases econômicos, elucidando como o mercado é importante para a alocação racional de recursos (sua principal contribuição nessa seara foi seu artigo de 1920, “Economic Calculation in the Socialist Commonwealth”, que deu início ao assim chamado “debate do cálculo econômico no socialismo”). Pouco ele fez pelo liberalismo econômico além disso”.

Tal afirmação revela pouquíssimo conhecimento do autor acerca de Mises, pois, como já citado aqui, Mises influenciou os mais diversos economistas e contribuiu diretamente à Ciência Econômica com suas teorias. Von Mises foi um dos únicos a defender o livre mercado em um tempo em que o modismo do mundo acadêmico se rendia ao socialismo. Uma das provas disso é que, F.A. Hayek, aclamado defensor da liberdade, só deixou de ser socialista por causa da influência de Mises.

A mentira mais impressionante que contam contra Mises é a de que ele defendia o fascismo. Quem conhece o mínimo sobre a sua vida e sobre as ideias que sempre defendeu sabe que esse argumento é o maior disparate.

Mises e o Nazismo

Claro que defender a liberdade com tanta veemência custa um preço alto. Preço que somente homens com a coragem de Ludwig von Mises estariam dispostos a pagar. Com a Segunda Guerra Mundial em crescimento, a carreira de Mises foi diretamente prejudicada.

Ainda na primeira metade da década de 1930, a influência do nazismo na Áustria crescia muito, Mises então percebeu que seus dias estavam contados, já que além de ser considerado um liberal da “velha guarda”, também era judeu.

Von Mises passou a temer que os nazistas tomassem o controle da Áustria (e ele acertou). Sendo ele um economista defensor do livre mercado — conhecido na época como o mais implacável oponente do intervencionismo econômico — e judeu, ele não teria sobrevivido na Áustria. Se mudou então para Genebra em 1934 após ter aceitado um cargo e um corte salarial.

Quando os nazistas finalmente conseguiram anexar a Áustria em 1938, eles saquearam o apartamento de Mises em Viena e roubaram todos os seus livros e monografias com medo que seus escritos pudessem influenciar uma resistência contra o Reich. Isso fez com que Mises passasse a viver nas sombras. Ele não tinha a mínima ideia de qual seria seu próximo emprego, suas obras agora estavam nas mãos dos nazistas e ele estava embarcando para uma “aventura”, literalmente tentando recomeçar a vida.

E infelizmente foi assim que ele viveu o auge de sua vida: já estava com 57 anos e era praticamente um sem-teto. Mas de certa forma o mau tornou-se bom, pois foi durante os seis anos em que passou em Genebra que Mises escreveu sua obra magna, Ação Humana, sendo publicada por uma pequena editora e com edição extremamente limitada.

Mesmo sabendo que a demanda por um livro sobre liberdade econômica escrito em alemão seria baixíssima, Mises ainda assim escreveu. Obviamente não foi nenhum best-seller, embora mostrasse o firme compromisso do pensador austríaco com as liberdades individuais e econômicas.

Sua vida nos Estados Unidos

Mais tarde, fugindo novamente, Mises foi para os EUA onde ficou até o final de sua vida. Lá lecionou sem salário, recebendo ajuda, doações, e escrevendo alguns artigos que eram ocasionalmente encomendados por algumas revistas especializadas. Foi fortemente boicotado por alguns ditos “liberais” (muito semelhante aos falsos liberais dos dias atuais) e por causa do domínio do keynesianismo na época.

Durante as décadas seguintes, Mises lutou praticamente sozinho e sem recursos em defesa do livre mercado. Nadando contra a maré keynesiana, resolveu criar um seminário na New York University (NYU) para estudantes universitários, e assim perdurou por aproximadamente vinte e cinco anos. Os frutos começariam a vingar aos poucos. O economista Murray Rothbard era um dos frequentadores.

Mises nunca recebeu salário da universidade, a qual o relegou ao status de professor visitante. O mais irônico é que nenhum outro professor deixou uma influência tão forte por lá do que ele.

Após publicação em inglês do seu livro Ação Humana, pela Yale University Press em 1949, Mises começou a estabelecer sua reputação nos Estados Unidos. O livro vendeu muito mais do que o previsto.

Mises continuou escrevendo após 1949. Seus livros foram vendidos pela Foundation for Economic Education (FEE), a qual fez com que ele ganhasse a atenção de leitores que defendiam o livre mercado. Seus artigos começaram a aparecer na revista publicada pela FEE, The Freeman. A revista não era de ampla circulação nos meios acadêmicos, mas era bastante lida pela direita. E foi a partir daí que Mises começara a ganhar espaço.

Portanto, tal afirmação de que ele “não ajudou na ascensão do liberalismo” é uma completa falácia e, a despeito dos desafetos, a Escola Austríaca de Economia e Ludwig Von Mises seguem sendo pesquisados de forma cada vez mais crescente. Que bom. Além disso, livros como: “Liberalismo” e “Socialismo – Uma Análise Econômica e Sociológica” foram e são de suma importância até hoje, bem como o livro “As Seis Lições”, que serve para introduzir o leigo à economia e ao liberalismo.

Tratando-se de política, fica um pouco mais fácil ter uma noção da razão de Mises não ser bem aceito. Ludwig Von Mises, bem como os mais diversos autores da Escola Austríaca de Economia, tiram o protagonismo do político.

Ou seja, aquela figura messiânica deixa de existir porque a economia não depende de um planejador central que sabe de todas as coisas, bem como não congelamento de preços, com programas sociais, “fomento” da economia através de expansão monetária, etc que vão resolver os mais diversos problemas econômicos.

O que a economia austríaca prega, bem como o liberalismo econômico sério, é que o estado não deve ser interventor. Sabe-se lá por qual razão os monetaristas resolveram que o estado não pode ser interventor, EXCETO, no que diz respeito a política monetária. Contraditoriamente, nesse caso tão ímpar, acreditam eles, o estado pode se meter. A Escola Austríaca vai nos mostrar como o Banco Central, por exemplo, prejudica a economia e não deveria existir. Qual político se agradaria com isso?

O legado desse grande economista dura até hoje. Murray Rothbard, continuando o legado de Mises, conseguiu mostrar como a crise de 1929 foi causada por não respeitarem a economia (leia a obra: A Grande Depressão Americana), por exemplo; ele demonstrou por A+B como o FED foi o principal causador da maior crise da história e provou através da empiria que a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos está correta. Mais uma vez mostrando a importância de Mises para a economia.

Por fim, deixo aqui mais uma frase sobre esse grande autor:

“Ludwig Von Mises foi a salvaguarda dos fundamentos de uma ciência econômica racional. Com seus ensanimentos, lançou sementes de uma regeneração que frutificará assim que os homens voltarem a preferir as teorias verdadeiras às agradáveis. Quando esse dia chegar, todos os economistas reconhecerão que Ludwig Von Mises merece sua admiração e gratidão.” – Jacques Rueff

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