Fronteiras abertas – crise migratória e multiculturalismo na Europa

A reportagem especial desta semana tratará sobre a atual crise migratória no continente europeu. Altos níveis de rápida migração são associados a uma significativa alteração do clima socio-político-econômico de uma região. Foi assim ao longo da história e permanece sendo nos dias de hoje. Serão analisadas as causas e os efeitos acerca da sequência de acontecimentos por trás da situação migratória europeia, com o atual cenário sendo proveniente primordialmente do acontecido no início da década passada, mas com seus efeitos ainda muito distantes de se tornarem irrelevantes.

Os motivos

No início da década passada, o Oriente Médio foi envolto pela violência e caos do que ficou conhecido como “Primavera Árabe”. Guerras e conflitos políticos devastaram países inteiros, que ainda hoje não completamente se recuperaram. Guerras civis derrubaram governos e abriram espaço para o fortalecimento do Estado Islâmico. As instabilidades políticas e econômicas da região criaram uma onda de imigrantes e refugiados que atingiu em cheio o continente europeu. A imigração e o acolhimento de refugiados na Europa são fenômenos de longa data, sendo um destino com elevada procura devido aos altos padrões de vida. O que ocorreu em 2015, no entanto, foi sem precedentes.

A Organização Internacional de Migração (IOM), o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR) e as forças europeias de controle fronteiriço estimam que mais de 1 milhão de imigrantes ilegais cruzaram o Mediterrâneo em 2015, com mais 35.000 entrando por terra no continente pela Bulgária e Grécia. A principal rota foi pelo mar, entre Turquia e Grécia, seguida do cruzamento pelo Mediterrâneo Central, da costa norte-africana à italiana. Os principais países de origem da maioria identificada foram Síria, Afeganistão, Paquistão, Kosovo, Albânia, Eritreia e Iraque. Os números de 2015 foram mais de quatro vezes os do ano anterior.

Mesmo diante do cenário desafiador, a chanceler alemã da época, Angela Merkel, e seu governo ignoraram as regras da União Europeia e sinalizaram de forma positiva a recepção de imigrantes no país. Utilizando frases como: “Nós podemos”, a cultura de boas-vindas foi justificada pela necessidade do país em cumprir com suas obrigações humanitárias. O governo sinalizou que poderia receber meio milhão de imigrantes por ano, por vários anos.

O que antes parecia ser uma situação difícil de controlar, com um já elevado fluxo migratório nas fronteiras do continente, com o anúncio alemão, tornou-se um problema de proporções ainda maiores. Impelidos pela promessa de acolhimento de países ricos, como Alemanha e Suécia, um gigantesco fluxo migratório tomou conta da Europa.

Viagens migratórias desse tipo apresentam grandes riscos, motivo pelo qual uma grande porcentagem era feita por homens jovens. Com suas famílias no país de origem, rumavam à Europa para adquirir melhores prospectos na vida, com o intuito de trazer suas famílias quando conseguissem se estabelecer.

Barcos superlotados (alguns infláveis) e mal mantidos realizam as travessias, ficando por vezes sem combustível durante as viagens; outros afundaram sob a força das ondas e o sobrepeso. As marinhas dos países do sul realizaram operações de resgate, mas não foi possível salvar todos. Não é sabido o total de mortos, mas estima-se que milhares tenha morrido com os naufrágios no Mediterrâneo. A icônica imagem do menino sírio morto trazido pelas ondas virou símbolo. Os países discordam sobre quem possui responsabilidade sobre as embarcações, pois não querem que atraquem em suas costas. Dúzias de corpos também foram encontrados em um caminhão que transportava imigrantes da Hungria para a Áustria. Contrabandistas tiram proveito dos imigrantes, com relatos de ameaças armadas e estupros de mulheres durante a jornada. Para os desesperados, memso o perigo vale a pena.

As reações

Países na fronteira sul, como a Grécia, se tornaram território de passagem, com os governos pouco fazendo para impedir o fluxo, negligenciando mesmo o registro dos que ali chegavam. A pressão migratória reestabeleceu controles nas fronteiras entre países que haviam dado maiores liberdades de trânsito para os membros da União Europeia.

Inicialmente receptivo, o continente gradativamente mudou seu posicionamento assim que percebeu o grande volume de pessoas em busca de ajuda e melhores condições de vida. Ginásios e contêineres foram utilizados para abrigar os recém-chegados, até serem realocados. Com a Alemanha recebendo 1 milhão de imigrantes, a população começou a pressionar por alterações em suas políticas. A situação havia se tornado insustentável. Enquanto a população encarava como positiva a chegada de um fluxo de jovens em idade ativa para frear o problema demográfico alemão, também expressavam preocupação com os custos de bem-estar social e conflitos sociais relacionados ao intenso fluxo migratório. Entre 2010 e 2016, a Alemanha aceitou mais de 1.3 milhão de imigrantes, dentre refugiados e não refugiados, 86% dos quais se identificando como muçulmanos. Esse número é ainda mais expressivo quando lembramos ser o estado de Minas Gerais 1,5 vezes maior que a Alemanha em quilômetros quadrados.

Países iniciaram a construção de muros e cercas, fecharam pontes, fronteiras e ferrovias na tentativa de interromper o fluxo sem fim de imigrantes. As autoridades e a infraestrutura estavam sobrecarregadas. Não havia acomodação para todos, nem mesmo a capacidade de manter a ordem pelas forças de segurança. As condições de acampamentos para refugiados foram criticadas por grupos humanitários, pelas precárias condições das instalações. Policiais macedônios utilizaram gás de pimenta para impedir a passagem pela fronteira com a Grécia.

Rotas migratórias sendo fechadas, no entanto, tornaram os imigrantes mais vulneráveis nas mãos de contrabandistas, também forçando-os à ilegalidade ao chegarem no país de destino.

Tensões surgiram entre os países do bloco sob a desproporcional responsabilidade adquirida, principalmente pelos que serviam de porta de entrada ao restante do continente. Um sistema de cotas foi estabelecido com o propósito de melhor disseminar os fluxos migratórios, mas sua aplicação foi controversa, com países do leste se recusando a seguir uma ordem imposta por Bruxelas e países do Mediterrâneo declarando não ser a medida suficiente.

Países do leste europeu foram menos receptivos. Polônia, Hungria e República Checa se recusaram a receber imigrantes muçulmanos, apenas os aceitado caso fossem cristãos. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, chamou-os de “invasores muçulmanos”, citando que, para chegar aos países ricos, eles devem percorrer outros países mais pobres, mas estáveis; mesmo assim se recusando a neles permanecer.

Tribunais europeus condenaram os países do leste por sua violação aos acordos continentais. Em 2017, foi decretado pelo tribunal superior do bloco que Hungria e Eslováquia estavam obrigadas a aceitar imigrantes sob um controverso sistema de cotas. O sistema de cotas foi estabelecido para melhor responder ao grande número de imigrantes adentrando a Europa, distribuindo o volume proporcionalmente à capacidade dos países. Ele falhou, contudo, e diante do descontentamento e dos entraves regulatórios, o sistema de cotas deverá ser abandonado em favor a uma maior independência dos países.

Com a Turquia, para frear a entrada no continente, foi estabelecido um acordo: a Turquia concordou em receber todos os refugiados e imigrantes ilegais que chegam às ilhas gregas. A União Europeia se comprometeu a fornecer 6 bilhões de euros em assistência para melhorar as condições dos refugiados no país. Como resultado da nova postura, os números começaram a cair, sendo posteriormente estabilizados.

Como consequência, a vida em Istambul também foi alterada. Com um grande volume de imigrantes, áreas de habitação e comércio se tornaram exclusivamente sírios. Muitos dos que lá chegaram pretendem ficar, pois se estabeleceram em um país com novas oportunidades de crescimento e uma vida mais segura e pacífica.

Uma consequência não prevista, contudo, é o uso de grandes volumes de imigrantes como uma forma de chantagem. Países como Turquia e Bielorrússia ameaçam liberar por suas fronteiras um grande número de imigrantes como forma de pressão ou como medida retaliatória às decisões do bloco europeu.

Uma nova onda

A Europa de 2023 é diferente da de dez anos atrás. Os países adotaram atitudes mais reservadas frente aos imigrantes e refugiados. Políticas receptivas de braços abertos deram espaço para regras mais restritivas. Os países nórdicos endureceram suas políticas de imigração. Governos implementaram ou planejam implementar novas regras de imigração e extradição, com movimentos nacionalistas ganhando força nos últimos anos.

Temendo uma nova onda migratória pelas instabilidades no Afeganistão, em 2021, a Grécia completou uma seção adicional de 40 km do muro em sua fronteira com a Turquia.

O fluxo migratório na Europa está novamente em alta, no entanto. O conflito militar na Ucrânia e os desastres climáticos potencializam os fluxos já existentes que, mesmo nos últimos anos não tendo sido tão volumosos quando os de 2015/16, ainda estão em alta na comparação com períodos anteriores. Estima-se que mais de 36.000 imigrantes tenha cruzado o Mediterrâneo entre janeiro e março deste ano, mais que o dobro do volume do ano passado para o mesmo período.

O governo alemão prometeu mais de €6 bilhões em recursos às divisões administrativas do país que se esforçam para acolher os imigrantes. O conflito militar na Ucrânia adicionou mais de 1 milhão de novos imigrantes ao montante recebido pelo país.

Imigrantes atravessando o Canal da Mancha a partir da França também pressionam o governo do Reino Unido. Sem espaço para atender o fluxo migratório, alguns foram temporariamente colocados em hotéis de alto padrão com as despesas pagas pelo governo, o que gerou revolta por parte da população do país, que se vê prejudicada pelo governo que, em teoria, deveria servi-la. Em resposta ao novo fluxo migratório, o gabinete do primeiro-ministro britânico propôs uma lei controversa que pretende enviar os imigrantes que chegarem de barco para Ruanda ou seus países de origem. No Reino Unido, o número de pessoas que aguardam uma decisão sobre seus pedidos de asilo dobrou desde 2020, com o número ultrapassando 166.000.

A Itália aprovou 24.700 pedidos apenas no ano passado. A França aprovou 56.179 pedidos de asilo em 2022. A Alemanha, 176.000. A Grécia aprovou 19.200. Os números não refletem a realidade, pois, mesmo quando oficialmente negados, os imigrantes podem entrar na economia informal e viver de forma clandestina nos países. Não se sabe o real volume anual de entrantes no continente.

Os impactos sociais

A Europa é um continente verdadeiramente multicultural; países como a Suíça com 30% de sua atual população sendo composta por não nativos. Deve-se lembrar que a crise migratória se refere aos fluxos de imigração ilegais provenientes da África, Oriente Médio e países desprivilegiados da Europa. A imigração total anual (ilegal ou não) para o continente é ainda maior, abrangendo países do leste da Ásia e Américas, por exemplo. Esse fluxo incessante de estrangeiros pressiona para cima os custos de vida, como os de imóveis e aluguéis. Comum são as esperas de meses para se conseguir um local para morar na Europa, principalmente nos grandes centros; custos sociais pagos por aqueles que lá já residiam.

A maioria dos imigrantes provenientes da África e Oriente Médio segue a religião islâmica. O número de muçulmanos residentes na Alemanha ultrapassou 5 milhões em 2016, cerca de 6% da população. Os muçulmanos atualmente também compõem 9% da francesa, 8% da sueca e belga, 7% da austríaca e 6% da britânica. Em comparação, países do leste europeu raramente ultrapassam 0.5%. A tendência é de aumento nas porcentagens nos países da Europa Ocidental, pois é sabido que os muçulmanos apresentam taxas de natalidade maiores que os nativos, e também pelos imigrantes serem, em média, mais jovens que a população nativa.

Um volume tão grande de imigrantes em pouco tempo, adentrando países relativamente pequenos, significou uma mudança substancial nos orçamentos governamentais. Verbas precisaram ser realocadas ou criadas. Ainda, a quantidade de residências não era suficiente para satisfatoriamente acomodar o novo volume, o que gerou aumento de custos de aluguéis, bem como a superlotação de imóveis. Em Hamburgo e Amsterdã, por exemplo, contêineres foram transformados em casas para receber os imigrantes.

Aqueles em busca de novas oportunidades também encontraram dificuldades não planejadas. Além das barreiras linguísticas, a invalidade de seus diplomas e certificações, o que atrasa sua integração na nova sociedade. A taxa de desemprego é um importante problema ainda a ser solucionado.

Mesmo que o efeito no orçamento estatal seja negativo no curto e médio prazos, com o tempo, à medida que vão se integrando à sociedade, o impacto fiscal dos imigrantes tende a estabilizar, principalmente quando se tratam de jovens em idade ativa. Os trabalhadores menos capacitados dos países anfitriões se sentem traídos por seu governo, no entanto, pois postos de trabalhos com menores exigências técnicas agora se tornam mais concorridos.

Representação política

Algumas cidades britânicas caminham para uma maioria de votantes muçulmanos, o que apresenta potencial de alterar o resultado de eleições regionais. Mesmo que lentamente, os muçulmanos estão ganhando representação política na Europa, um exemplo sendo o atual prefeito de Londres, Sadiq Khan. 18 muçulmanos possuem cadeiras no parlamento britânico, havendo opiniões favoráveis à elevação desse número para uma melhor representatividade.

Com mais de cinco milhões de muçulmanos, a França tem o desafio de integrá-los à sociedade, demandar respeito às leis locais e conter avanços no movimento político muçulmano, ao mesmo tempo em que tenta se esquivar de acusações de prática discriminatória.

Protestos com pautas muçulmanas de apoio ou retaliação já ocorreram pela Europa Ocidental, algumas das reivindicações sendo a imposição da sharia em determinadas localidades e pressão de políticos eleitos para representar os interesses do grupo, como leis que proíbam discursos contra sua religião.

O grande fluxo migratório foi visto por muitos como uma solução às constantes quedas de natalidade nos países desenvolvidos. Com uma população envelhecida e cada vez menos jovens, surgem dificuldades como a manutenção dos valores de aposentadoria pelo governo. Com menos pessoas trabalhando, fica inviável sustentar uma população inativa cada vez maior.

Por outro lado, é conhecido que os imigrantes tenham taxas de natalidade maiores que os nativos. Some a isso as diferenças culturais dos que chegam, muitos com religiões, práticas e costumes incompatíveis com os valores associados ao mundo ocidental, e logo poderá perceber a ansiedade e incerteza acerca do futuro da Europa.

Um uma pesquisa realizada em 2019 encontrou, de forma condizente com resultados anteriores, que metade dos alemães entrevistados encaram a expansão do islã como uma ameaça.

Criminalidade

Crimes cometidos por imigrantes viraram destaque na mídia, o que auxiliou nas repostas contrárias. Nos países, foi fortalecido o nacionalismo, refletindo o descontentamento com imposições centralizadas sobre suas soberanias. Essa reação se mostrou clara nas eleições de candidatos ditos de direita, que utilizaram o problema migratório como um dos focos de campanha, sendo o tema explorado em países como Alemanha, Itália, Suécia, Hungria e Áustria.

Na Suécia, como resposta a certos atos provocatórios, como a queima do Corão por opositores nacionalistas, ocorrem manifestações violentas, com carros e ônibus queimados, e policiais feridos. Protestos desse tipo não eram comuns no país, mas ocorrem como resultado dos imigrantes que lá chegaram. O número de habitantes do país que nasceram no exterior atingiu 2 milhões recentemente, dobrando nas últimas duas décadas. Para um país com 11 milhões de habitantes, esse número não pode ser ignorado. Tendo recebido mais imigrantes per capita do qualquer outro da UE, suas políticas foram alteradas, sendo hoje um dos países com as mais duras restrições.

Na Suécia, metade dos estupros cometidos no país o são por imigrantes, um quarto pelos provenientes de países africanos ou do Oriente Médio. Em assassinatos ou tentativas, 73% dos suspeitos são imigrantes; 70% para os roubos. A ex-primeira-ministra, Magdalena Andersson, apontou como o motivo do crescente problema de violência armada e atação de gangues no país a falha ou incapacidade de integrar os imigrantes de forma eficiente. A Suécia passou, em uma década, de um dos países com as menores taxas de violência armada do continente para um dos com as maiores.

Na Grã-Bretanha, 15% dos presidiários são muçulmanos, mesmo compondo pouco mais de 4% da população. 89% dos ataques terroristas na Europa são perpetrados por imigrantes de primeira, segunda ou terceira geração.

Um grupo autointitulado “Patrulha Muçulmana” percorreu as ruas de Londres entre 2013 e 2014 hostilizando pedestres e transeuntes por seus comportamentos, que deveriam se adequar aos costumes islâmicos. Utilizando palavras de ordem como “essa é uma área muçulmana”, seus alvos foram prostitutas, indivíduos consumindo bebidas alcoólicas, casais de mãos dadas, mulheres que se vestiam de forma “inapropriada”, além dos que eles percebiam como sendo homossexuais. Em dezembro de 2013, três dos envolvidos se declararam culpados e foram presos por causar tumulto.

De forma consistente, estatísticas mostram que a porcentagem de imigrantes que cometem crimes é maior que a dos nativos, sua participação em crimes e condenações sendo superior à sua parcela na população. Parte do problema é explicado pela demografia, por se tratarem de homens jovens, um grupo desproporcionalmente associado à criminalidade, independentemente da etnia. A informalidade derivada da imigração ilegal reforça a tendência. As dificuldades de integração a exacerbam. Isso não significa necessariamente, no entanto, que os países que recebem imigrantes se tornam mais violentos, sendo, em verdade, um fenômeno resultante de variados fatores.

Comentários Finais

Todas as sociedades iniciam primitivas, sua taxa evolutiva sendo influenciada pela região na qual estão inseridas, bem como pelas circunstâncias encontradas por seus habitantes. Mesmo que todas as sociedades iniciem de forma similar, a taxa de evolução entre elas muda ao longo do tempo. O que muda não é a capacidade humana, mas o contexto e as condições que incentivam os processos de evolução civilizacional. Não existem raças humanas inferiores, com menor capacidade cognitiva ou possibilidades de criação, entendimento e transformação do mundo, mas culturas em diferentes estágios de desenvolvimento.

A realização de trocas entre as diferentes regiões facilita não apenas o progresso econômico, mas e troca de experiências e de informações auxilia na evolução mútua, mesmo que desigual. À medida que as sociedades avançam, avançam também seus problemas, o que gera incentivos para novas mudanças, continuando o ciclo da dialética do progresso. O processo entra, assim, em retroalimentação positiva.

Grupos, em verdade, não podem ser de nada culpados, pois os verdadeiros realizadores das ações serão sempre os indivíduos. Grupos são conceitos abstratos para designar coletivos que se assemelham de alguma forma, ou compartilham alguma característica, mas o homogêneo do coletivo se fragmenta no heterogêneo das diferenças individuais. A punição de grupos pelo extrapolar de ações e características deve ser encarado como conduta antiética violadora de direitos, pois não pode ser punido o indivíduo inocente, independentemente de possuir alguma característica compartilhada, que o coloca como membro de um determinado grupo.

Problemas na magnitude exposta neste artigo apenas surgem pela natureza do estado. Os estados nascem, crescem e se mantém por meio da violência e da ilusão. Indivíduos com graves problemas mentais, que se achavam possuidores de direitos e qualidades que transcendem a humanidade, declararam que determinada extensão de terra os pertence. Todos os que nela habitavam, habitam ou no futuro habitarão, então, devem por seu decreto obedecer aquilo que determina.

As decisões tomadas pela classe estatal ocorrem independentemente da vontade dos que estão abaixo na hierarquia, apenas sendo suas opiniões levadas em consideração caso forem benéficas ao plano de poder, ou muito politicamente custosas de serem implementadas no formato atual. A ilusão de representatividade e governo do povo, pelo povo e para o povo mantém as massas em perpétua esperança de melhorias que, em verdade, nunca virão.

A ordem natural e a propriedade privada não abrem brechas para problemas de imigração, como os que ocorrem na Europa e nos Estados Unidos, simplesmente porque apenas seria permitida a entrada dos indivíduos que os donos das propriedades permitissem. Preocupações relacionadas à pressão orçamentária do estado de bem-estar social são também diretamente derivadas da estrutura atual de poder ilegítimo.

Para um estado, uma nova onda de jovens em idade ativa é benéfica. Os desentendimentos e conflitos que surjam por suas decisões podem ser posteriormente por ele também explorados. Para apaziguar os ânimos, podem ser trocadas as suas figuras públicas; o poder, no entanto, continua largamente nas mesmas mãos e com os mesmos propósitos. Os representantes do governo são apenas a face pública do poder oculto. Com a ilusão de representarem a oposição, a narrativa de soluções por meio do estado se mantém inabalada.

O estado se beneficia mesmo quando a população sofre. Contudo, a população, em contexto de imigração mediada pela propriedade privada, apenas é capaz de se beneficiar com novos fluxos de seres humanos. Em verdade, fluxos migratórios duplamente consentidos serão sempre benéficos. Por um lado, novas pessoas com novas habilidades e ideias adentram uma região. Por outro, retornam com novas experiências e conhecimentos, elevando o padrão de vida do seu local de origem. Aos indivíduos serão mostradas novas alternativas de crescimento. Sua estadia será benéfica para ambas as partes.

Compare com o cenário estatal. Os fluxos migratórios não são duplamente consentidos. Vizinhanças e pequenas vilas têm sua estrutura social alterada do dia para a noite. Os custos são compartilhados mesmo com os que se opõem. Criminosos ou aqueles que pretendem impor sua cultura ameaçarão a paz e coesão internas, com o estado sendo incapaz de garantir aos nativos o nível de segurança que estavam anteriormente habituados. A própria estabilidade sociocultural é fragilizada. Medo e desconfiança entre nativos e imigrantes geram um sentimento de revolta e exacerbam o preconceito. A violência não é uma resposta inesperada.

A imigração mediada pelo estado, claro, possui pontos benéficos, mas seus problemas associados seriam drasticamente reduzidos, mesmo totalmente eliminados, caso o princípio da propriedade privada e autonomia individual fossem o lastro das decisões e da vida em sociedade. Enquanto o estado existir, serão substituídos pelo interesse político e os esforços de perpetuação do poder ilegítimo.

Gabriel Camargo

Autor e tradutor austrolibertário. Escreve para a Gazeta com foco em notícias internacionais. Suas obras podem ser encontradas em https://uiclap.bio/GabrieldCamargo

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