Hegel, o pai do totalitarismo e coletivismo moderno — Por Guilherme Silva

Escrito por: Guilherme Silva
Revisado por: Laís Ribeiro Gomes (@laisribgomes)


Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Estugarda, 27 de agosto de 1770 — Berlim, 14 de novembro de 1831) foi um filósofo alemão do final do século XVIII, e começo do século XIX, que teve muita influência na sociedade que conhecemos hoje. É representado por muitos como o ápice do Idealismo Alemão e da dialética moderna. Também é muito conhecido por seu diálogo com Kant, que por muitos é considerado o pai do individualismo moderno, enquanto para Hegel atribuem a criação do coletivismo moderno. Grandes personalidades contemporâneas e modernas basearam suas teorias na filosofia hegeliana, como: Marx, Hitler, Mussolini, etc. O foco desse artigo é demonstrar como as grandes teorias totalitárias do século XX tiveram como base o coletivismo hegeliano. Porém, é importante ressaltar que o filósofo alemão também influenciou outros grandes autores, que não tiveram influências nefastas para a humanidade, como os citados anteriormente. Alguns deles são Hyppolite, Hans Küng, Fukuyama, Žižek.

Para uma compreensão completa da teoria hegeliana, é necessário entender primeiramente o conceito de “espírito” para o autor. Esta é a tentativa do filósofo alemão de unir duas das ideologias que guiaram todos os seus trabalhos, o idealismo e a dialética. O “espírito” seria aquilo que rege a vivência do mundo em que vivemos, o que molda os indivíduos e a sociedade. Porém, ele apenas consegue ser compreendido pela razão, já que representa a humanidade em sua Idea. É a representação da razão absoluta que rege a todos, no qual a razão individual deriva.

O “espírito” é manifestado de três formas: a objetiva, a subjetiva e a absoluta. A objetiva seria aquilo que presenciamos no mundo sensível, a subjetiva aquilo que é apenas compreendido pela razão sendo a tentativa da razão de compreender a si mesma, e a absoluta compreende o todo. A relação de Hegel com os pensamentos de Heráclito são visíveis: para o autor grego, considerado o “pai” da dialética, a natureza (physis), o todo, é formado por: uma tese (ser), uma antítese (não-ser) e uma síntese (ser e não-ser). Na teoria hegeliana, esses elementos também estão presentes, principalmente na concepção do “espírito”, já que esse também é divido em três: objetivo (tese), subjetivo (antítese) e o absoluto (síntese).

Com uma melhor compreensão do “espírito”, será possível entender suas minúcias e como elas se relacionam com o totalitarismo e o coletivismo moderno. O objetivo, parte do todo que forma o “espírito” para Hegel, é a representação do direito, da ética, da moral e da sociedade civil, e a união de todos esses conceitos culminaria no Estado. Assim como a natureza é para a ciência, a segunda tenta entender a razão de ser da primeira, o Estado é para a moral, ética, direito e sociedade civil, ou seja, esta unidade substancial é a origem de todas as instituições listadas acima. O Estado, por ser o ápice do objetivo, representa tudo aquilo presente no mundo sensível. Assim, esse também rege sobre: a cultura, a moda, a educação, etc.

Com isso em mente, conseguimos entender a relação entre o autor e o totalitarismo, um sistema político que, embora tenha muitos significados, em sua maioria afirmam que, nele, o Estado comanda todas as esferas da sociedade (cultural, econômica, social, etc). Ao longo da história, principalmente no século XX, conseguimos ver exemplos desse sistema político e as suas consequências nefastas para a humanidade, dentre os mais notórios o Terceiro Reich Alemão, o regime socialista na URSS e a Itália fascista.

Como um idealista, Hegel acreditava que os conceitos em suas formas puras e verdadeiras existiam apenas em outro plano, o das Ideias, apenas alcançado a partir de uma abstração racional daquilo que vivemos, o sensível. Por conta disso, o autor acreditava que o progresso da humanidade é definido pela capacidade que os humanos teriam em determinada época de se abstrair e aproximar do ideal. Ele via o progresso como um fim, ou seja, a história existiria enquanto os seres humanos não entendessem o ideal. Seguindo esse raciocínio, para o filósofo alemão, a história teria começado na Grécia antiga, com a criação de um Estado racionalizado, próximo daquele que Hegel afirmava ser o verdadeiro, e teria acabado no Estado prussiano, que teria alcançado o auge da racionalidade, afirmando a partir disso uma superioridade desse povo em relação ao resto da humanidade.

Partindo desse ponto, podemos afirmar que a racionalidade humana tem um caminho que culmina na razão absoluta. Assim todos chegariam a conclusão de que o Estado regulamentaria as interações sociais, uma vez que ele é a representação da ética, da moral, do direito e da sociedade civil. A inexistência de uma individualidade é nítida na teoria hegeliana, já que até mesmo a moral, que teoricamente deriva de uma vivência individual e da ética (conjunto de princípios que determinam o que é certo e errado para determinado grupo de indivíduos), que representa o cúmulo da individualidade, é determinado pelo Estado, representante máximo da coletividade.

O coletivismo, um movimento filosófico que enfatiza a interdependência dos seres humanos, representa princípios contrários do individualismo, que defendem uma soberania do indivíduo sobre sua própria vida, ou seja, entende que o indivíduo tem soberania sobre o coletivo. A relação entre o hegelianismo e o movimento citado é clara, como foi demonstrado anteriormente, já que a falta da individualidade é presente nos pensamentos do autor, uma vez que ele enxerga o Estado, representante do coletivo, como o regulador do certo e errado. Em uma sociedade hegeliana, aqueles que tiveram “alcançado” o plano ideal teriam soberania sobre outros indivíduos por entenderem a sociedade em sua forma pura e verdadeira.

O coletivismo moderno, idealizado por Hegel, serviu de base para diversas teorias políticas contemporâneas, que quando postas em prática, em sua maioria, trouxeram consequências devastadoras para a humanidade, como o comunismo, o nazismo, o fascismo, etc. Embora a maior parte da sociedade enxergue essas teorias como opostas, todas elas têm como base princípios coletivistas. Cada uma enxerga um determinado grupo como o detentor da verdade, que eventualmente chegará ao poder e trará o progresso consigo, enquanto algum outro grupo é considerado inferior por trazer miséria para o coletivo “especial”, excluindo qualquer tipo de individualidade. O proletariado, a raça ariana e o povo italiano são considerados os coletivos especiais para os comunistas, nazistas e os fascistas, respectivamente.

A ideia de inferioridade é presente também na teoria de Hegel, como dito antes; o autor acreditava em uma superioridade alemã, devido à maior racionalidade de seu Estado. Povos africanos e ameríndios eram considerados inferiores devido a sua ausência de Estado ou organização social. Esse discurso foi utilizado como explicação de sistemas políticos que oprimiram determinados grupos sociais, como os judeus, negros, ciganos, ameríndios e etc.

Em suma, é indiscutível que Hegel é um autor extremamente importante, com marcos positivos, principalmente para a filosofia e a história. Porém, seus escritos basearam diversos movimentos e teorias que tiveram influências negativas sobre a humanidade. É de extrema importância compreender as consequências históricas negativas do coletivismo moderno e do totalitarismo para que eles não sejam repetidos novamente. O movimento de oposição a essas ideologias tem que ser capaz de compreender as minúcias por trás da teoria hegeliana, para que consigam construir argumentos mais fortes e convincentes, promovendo assim um maior entendimento em relação esse autor que muitas vezes é cegamente seguido devido à sua contribuição para autores como Karl Marx.


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