Deflação em Julho: causas e efeitos

Por Marcel Pereira Bernardo

Entendendo a deflação

A deflação, efeito pouco conhecido dos brasileiros, decidiu dar as caras no mês de julho. A última vez que ocorreu foi em maio de 2020, quando passamos pelas medidas de lockdown. A queda registrada em julho foi de -0,68%, sendo a maior desde o início da série histórica iniciada em 1980.  Mas o que ela significa? E quais suas causas e efeitos?

De imediato, para descrever a deflação, pensamos em seu oposto: a inflação. O problema é que a falta de compreensão sobre o que é inflação conduz a um falso raciocínio sobre a deflação. Costumeiramente, ouvimos dizer que inflação é alta de preços. Logo, deflação seria queda de preços.

Mas essa definição não é apenas incompleta; ela está objetivamente errada uma vez que confunde causa e consequência. Inflação, como ensina Milton Friedman, é um fenômeno monetário. Basicamente, quando o volume de dinheiro criado e injetado na economia excede a produtividade, temos inflação.

Dessa forma, devemos nos atentar para a condução da política monetária, conforme promovida pelos Bancos Centrais, e não para os preços somente. Portanto, a causa da inflação é expansão da moeda. Já o aumento de preços é o efeito dessa expansão. Mas por que isso é importante?

Como lembra Roberto Campos, saber essa diferença não é algo trivial. Afinal, se inflação é fenômeno monetário, a culpa é do governo que expande a oferta de moeda; se inflação é aumento de preços, a culpa é do empresário que deseja lucros nominais maiores. Com isso, os verdadeiros responsáveis são encontrados. O maior responsável pela inflação é o governo.

Sempre bom lembrar que a inflação traz consigo algo extremamente nocivo: a perda do poder de compra por causa da depreciação da moeda. Nessa linha de raciocínio, percebemos que a deflação, em sentido contrário, se caracteriza pela apreciação da moeda, aumentando o poder de compra da população.

Argumentos contrários e contraditórios

Há quem defenda que a deflação é nociva para a economia. Aliás, há o argumento que no longo prazo ela seria até pior que a inflação. Parece estranho, não? Novamente voltamos para a questão das definições. Aqueles que não compreendem bem a definição do fenômeno, acham que deflação é meramente queda dos preços.

Sendo assim, haveria desincentivo para diversas atividades produtivas. Afinal de contas, se os preços são menores, os lucros, ao menos em termos nominais, também serão menores. Uma queda contínua nos preços, pelo lado da oferta, acarreta em desistência por parte dos empresários na continuidade da produção de bens.

Já pelo lado da demanda, se a perspectiva dos consumidores é que os preços continuem diminuindo, eles tenderiam a guardar o dinheiro para consumo futuro. Com investimentos e consumo em queda, a atividade econômica como um todo iria desacelerar, causando falências e desemprego.

O que os críticos da deflação ignoram é que preços finais menores não necessariamente conduzirão a lucros menores. Se o efeito é generalizado, podemos supor que os custos também serão reduzidos. Sendo assim, não interessa se em termos nominais os lucros são menores, pois a questão que realmente importa reside na margem entre receita e despesa. 

Se a margem é mantida de modo a gerar lucros, os negócios continuarão sustentáveis e atraentes. Portanto, não há desincentivos só por uma queda nominal dos preços. Já pela questão da retração do consumo pela perspectiva de diminuição de preços, temos duas respostas.

A primeira é que o consumo de muitos bens simplesmente não pode ser postergado. Exemplo disso é alimento. Mesmo que os preços continuem caindo, ninguém deixará de comer hoje para obter maiores quantias de alimento amanhã. Remédios, energia, comunicação. Há muitos setores com demanda inelástica.

A segunda razão está relacionada à formação de poupança. Ora, o que é a poupança senão a abstinência do consumo imediato para consumo futuro? Uma sociedade com poder de compra e capacidade de poupança seria algo negativo? Percebe-se que mesmo limitando a questão ao nível de preços o argumento contra a deflação não se sustenta.

Em tempo, um exemplo de economia ligeiramente deflacionária ou pouco inflacionária é a Suíça. Nos últimos 15 anos, o país europeu presenciou deflação em períodos: 2009, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2020. Tudo bem que 2020 houve um motivo atípico, mas em todo caso, conforme a tabela abaixo, vemos que a inflação na Suíça é historicamente baixa.

Fonte: Statista.com

Política Fiscal

Mas nem só de política monetária vive – ou sobrevive? – a economia. Temos também a política fiscal, que nada mais é que a condução das contas públicas através do controle de gastos e receitas. Por meio da taxação, o governo arrecada dinheiro para, em tese, alocar recursos equitativamente e equilibrar a macroeconomia.

E aqui chegamos ao ponto principal do nosso argumento: o estado é o maior causador da perda do poder de compra da população. Seja depreciando a moeda, seja por confisco via tributos, o estado tolhe a capacidade dos indivíduos em produzir, distribuir e consumir bens com preços justos, isto é, com preços exclusivos de mercado.

O exemplo mais patente é o da redução do ICMS. Bastou uma redução na alíquota do referido imposto e imediatamente tivemos deflação. Por acaso algum consumidor está reclamando pelo alívio no preço dos combustíveis? Vale ressaltar que a previsão para agosto é de nova deflação. Sendo assim, podemos aguardar mais queda de preço.

Essa queda, promovida pelo corte de impostos, é infinitamente mais benéfica que o aumento das taxas de juros para enxugar liquidez na economia e conter a inflação. A contração monetária serviu para conter o avanço dos preços, é verdade. Mas o corte nos impostos serviu para derrubá-los quase que instantaneamente.

Não é preciso explicações técnicas, equações, gráficos muito elaborados e economês para explicar o óbvio. O povo sente o peso estatal direto no bolso e um leve respiro através da redução de impostos já fornece um alívio enorme ao cidadão comum. Exemplos assim servem para termos uma dimensão de quanta riqueza privada nos é tirada via impostos.

Volto ao pensamento de Roberto Campos sobre a importância em discernir causa e efeito para achar os verdadeiros culpados. Se o Banco Central causa a doença, seria ingênuo pensar que ele nos trará a cura. O remédio definitivo é removermos o estado ou atenuarmos o máximo possível sua atuação na vida dos indivíduos. Que essa lição não seja esquecida…

O que fazer na prática

Por fim, para efeitos práticos, falemos um pouco de investimentos.

Para quem investe em títulos atrelados à inflação, como NTN-Bs ou CDBs com índice, não há razões para afobação. A deflação observada é temporária e a inflação acumulada dos últimos 12 meses ainda se encontra acima dos dois dígitos. Para os anos seguintes, a previsão é inflação ainda acima da meta estipulada pelo Banco Central.

Além disso, os títulos mencionados acima apresentam uma taxa pré-fixada somada ao índice de inflação (pós-fixado), que no caso é o IPCA. Como as taxas de juros estão bem altas, mesmo que a inflação diminua nos próximos períodos, é possível obter ganhos interessantes e com a vantagem de saber que serão em termos reais.

Além de oportunidades em renda fixa, há também boas alternativas em renda variável. Com perspectiva de inflação em queda, a população volta a ter maior poder de compra. Isso é saudável para a economia como um todo, incluindo as empresas. Nesse sentido, é possível encontrar ações a preços descontados.

Logicamente, quando digo “preços descontados” não falo apenas em termos nominais das ações, mas sobretudo em relação aos fundamentos, como avaliar o preço da ação em relação ao valor patrimonial da empresa, entre outros. Ah, não podemos esquecer das criptomoedas. Elas são um ótimo exemplo de ativos deflacionários.

Em suma, quando olhamos para além da teoria mainstream e passamos a vivenciar os fatos, percebemos que uma ligeira deflação nos traz inúmeras vantagens. Afinal, não vemos ninguém protestando contra a economia suíça ou por causa da queda nos preços de bens e serviços via diminuição de impostos.  

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