As maiores vítimas da guerra – Análise do filme Incêndios

A guerra faz muitas vítimas. No entanto, dentre todas existem aquelas que são as mais afetadas — essas são as maiores vítimas da guerra. No filme Incêndios, o diretor do recém lançado Duna, Denis Villeneuve, nos mostra isso através de uma história terrivelmente trágica.

ATENÇÃO: ESTA ANÁLISE CONTÉM SPOILERS DO FILME

Amor, Infância, Identidade e Esperança: as maiores vítimas da guerra

O Amor, a Infância, a Identidade e a Esperança são as 4 maiores vítimas da guerra. De fato, ao longo da história, o filme nos mostra como esses tesouros da humanidade são destroçados na frente da personagem Nawal. Ainda assim, mesmo contra tudo e todos, a personagem dá o máximo de si para encontrar e proteger esses tesouros.

O amor e a guerra

o amor e a guerra

O início da guerra e a morte do amor são, em dois sentidos, sinônimos. Esse primeiro evento é o que dá início a uma das duas tramas paralelas do filme, e também serve como o motor do enredo dessa trama. Um dos dois sentidos dessa cena, na qual o amor é a primeira das maiores vítimas da guerra, é externo, e acaba por criar o pano de fundo da história; já o outro sentido é interno, e torna-se o principal motor de uma das protagonistas: Nawal.

O sentido externo

o sentido externo do amor

Logo no início, os irmãos da protagonista assassinam o parceiro dela, um refugiado muçulmano. Dessa forma, a obra deixa explícitos os primeiros indícios do surgimento do confronto bélico que assola aquela região: a guerra entre cristãos e muçulmanos.

O sentido interno

o sentido interno do amor

Do mesmo modo, a morte do amante também simboliza o estopim da “guerra” que se inicia no interior da personagem de Nawal: a guerra contra as tragédias da vida. No entanto, a morte do amor, que acontece nos primeiros 10% (20 minutos) do filme, é somente a primeira desgraça que ela terá de enfrentar.

A infância e a guerra

Também em dois sentidos, a infância é outra vítima na guerra. Porém, dessa vez Nawal não é a única a sofrer o prejuízo.

Onde as mães não têm vez

a mãe que perdeu a infância

Logo após ver assassinado de forma brutal do amor de sua vida, Nawal admite estar grávida. Entretanto, a própria família a impede de cuidar de seu filho. Como consequência, a avó retira a criança das mãos da mãe logo após o parto, impossibilitando a personagem de participar da criação de seu próprio filho.

Onde os filhos não têm vez

a criança que perdeu a infância

Além disso, o menino, por ter sido criado longe de Nawal, acaba por ser afetado de maneira drástica, tornando-se também, assim como sua mãe, numa vítima. Poucos anos após ter sido enviado ao orfanato, a guerra engole o destino do menino. Por conta disso, ele acaba vivendo toda a sua juventude como um soldado, ao invés de como uma criança.

A identidade e a guerra

a identidade e a guerra

Em um determinado momento, a personagem se depara com a impossibilidade de encontrar seu filho, devido as evidencias da morte do mesmo, e perde toda a esperança. Como resultado, ela escolhe uma maneira de descontar no mundo as frustrações que a vida lhe impôs: tornar-se parte da guerra.

De caça à caçadora: a transformação de Nawal

Nawal perde a identidade

Ao contatar um agente das forças muçulmanas, a protagonista muda totalmente o curso de seu destino. Dessa forma, ela abandona a busca por seu filho e aceita uma missão que mudará para sempre o curso de sua vida: matar Chamseddine, o líder dos nacionalistas cristãos. Porém, mais uma vez, ela não é a única a ser afetada.

Sequestrado da infância, adotado pela guerra: a transformação do filho

O filho perde a identidade

Após anos tentando encontrar sua mãe, o filho de Nawal se rende à derrota e escolhe abraçar a brutalidade da guerra como o sentido de sua vida. Assim, ao chegar a idade adulta, ele abdica de sua identidade e se torna um brutal torturador, chegando a cometer atos que terríveis. Mas, como ele mesmo aprenderá, esse foi o pior caminho que ele poderia ter escolhido.

A esperança e a guerra

A esperança e a guerra

Mas e a esperança? Será que nem mesmo ela conseguiu sobreviver aos males da guerra? Será essa a mensagem da obra? A de que nada, nem mesmo ela, a esperança, foi capaz de triunfar perante a guerra, a mais vergonhosa das atitudes humanas? É fácil pensar que sim, que a tragédia da guerra, como retratada no filme, é completa e absoluta. No entanto, é necessário lembrar ao leitor um importante fato:

A promessa e o fio.

A promessa da esperança

“Um dia hei de encontrar-te. Juro-te, meu amor”. Logo após o parto, essa é a primeira coisa que Nawal diz a seu filho: uma promessa. Contudo, essa não é, de forma alguma, uma promessa qualquer. De fato, como foi mostrado ao leitor, a protagonista passa por uma série de eventos que tornam improváveis o cumprimento dessa promessa. Dessa forma, não há qualquer indício a favor de que, diferente do amor, da infância e da identidade, a esperança sobreviverá. E é aí que a mensagem do filme se torna clara:

“o fio se rompeu.”

O fio de que Nawal fala é o “fio da cólera”, o ciclo do ódio; a espiral sob a qual ela e seu filho, assim como o amor, a infância e a identidade, se tornaram as maiores vítimas da guerra. No entanto, como ela mesma afirma: “o fio se rompeu”. Assim, a mensagem que a obra deixa é, também, a mensagem que Nawal deixa: a de que o cruel fio da guerra, por mais afiado e mortal que seja, não é imbatível. Mesmo que tarde, ele se rompe. No fim, quando, numa ironia do destino, a esperança desperta de seu sono profundo, tanto o amor quanto a infância e a identidade ressurgem também. Das palavras de Nawal, nasce o mais belo dos sentimentos humanos — aquele que marca, de fato, o fim da guerra: o perdão.

A consequência da guerra é a divisão, a fragmentação. E a do perdão, é claro, é o oposto: o perdão une aqueles a quem a guerra dividiu. E como a própria protagonista afirma:

“Nada é mais belo do que estar junto.”

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