Resposta à Russomanno sobre BTC ser “golpe” e o Real possuir “lastro”

Resposta à Russomanno sobre BTC ser "golpe" e real possuir "lastro"

Recentemente, durante a apresentação do programa Cidade Alerta da rede Record, o apresentador e deputado federal, Celso Russomanno, afirmou que o Bitcoin e as demais criptomoedas não possuem lastro e que são golpes. Russomanno ainda disse que diferentemente do Bitcoin, o real possui lastro em ouro, já que pode ser convertido para dólar que por sua vez pode ser convertido em ouro.

O contexto

Durante a apresentação do programa “Patrulha do Consumidor”, onde ele é conhecido por defender os “direitos” dos consumidores, o mesmo alertou corretamente sobre os perigos dos golpes que existem usando o nome do Bitcoin. O problema veio a seguir, quando Russomanno afirmou que o próprio Bitcoin em si é um golpe simplesmente por ser ”virtual”.

Segundo ele:

Criptomoeda ou qualquer investimento que te prometam Vantajosos lucros é golpe. É golpe. Não é que eu sou radical, é que a criptomoeda não tem lastro.

O dinheiro que você circula de qualquer país tem lastro em dólar, em dólar não, em ouro. Então tem lastro, o pais garante aquele dinheiro, que você troque aquele dinheiro e receba. A criptomoeda, como o Bitcoin, por exemplo, não tem lastro, é virtual.

A ignorância de Celso Russomanno sobre criptomoedas e lastro monetário

Celso Russomanno fez bem em ter alertado seus telespectadores sobre os perigos dos investimentos que fazem uso de criptomoedas como fachada. O erro dele foi não ter distinguido golpes que fazem o uso de criptomoedas como fachada e das criptomoedas em si, que ao contrário do que Russomanno afirma, são um método de pagamento mais confiável até que o sistema monetário vigente, como será explicado mais adiante. Mas antes, será abordada a questão do lastro e se o Bitcoin assim como as demais criptomoedas possui lastro e se as moedas fiduciárias, como o dólar e o real possuem e se é baseado no ouro.

O quê é uma moeda e o quê é lastro?

Moeda é basicamente qualquer meio de troca comumente aceito em uma determinada sociedade. Segundo a ciência econômica, desde a Escola Clássica Inglesa, é sabido que as pessoas ao perceberem a vantagem da divisão do trabalho, onde cada um se concentra naquilo que melhor sabe fazer, preferem se concentrar em produzir algo onde se saem melhor e trocar seu excedente por outros bens produzidos por outros indivíduos. Esse processo permite um enriquecimento mútuo em uma economia de mercado.

Segundo teóricos da economia, com especial destaque para o pai da Escola Austríaca, Carl Menger, um problema com que as primeiras sociedades baseadas na troca se depararam foi o problema de que nem sempre o indivíduo que detinha o bem desejado estava disposto a trocar pelo bem do interessado.

Uma forma de resolver esse problema é a adesão a uma mercadoria que seja aceita comumente como meio de troca devido não só a sua demanda primordial como bem de consumo, mas por outras características que facilitam a troca, como maior divisibilidade, portabilidade, durabilidade, etc. Um bem que possa ser trocado na forma diversa de unidades divisíveis, em qualquer momento.

Ao longo da história, vários bens foram usados como moedas: grãos, sal, e mais recentemente, metais preciosos. Durante os séculos mais recentes da história, os bens que mais foram utilizados como moedas foram o ouro e a prata, com maior destaque para o ouro.

Como nem sempre era muito prático transportar ouro de um lugar para o outro para fazer transações, surgiram instituições especializadas em guardar o ouro de um determinado proprietário e emitir um recibo comprovando a propriedade sobre o ouro depositado, e muitos vezes este recibo, chamado de papel-moeda, era usado como meio de pagamento por questões de praticidade e poderia ser usado pelo novo proprietário para resgatar o ouro no banco.

Dado o fato de que a moeda em questão era o ouro guardado, o papel-moeda era um recibo com lastro em ouro. Lastro nada mais é do que a garantia de que uma moeda tem poder de ser trocada por um bem de valor, que na teoria monetária austríaca é a verdadeira moeda.

A obrigatoriedade de devolver o ouro depositado sempre limitou tanto as ações dos bancos quanto dos estados. No caso dos bancos, por esse ser além de um repositório de ouro, por também vender empréstimos, e a emissão de mais papel-moeda que o correspondente em ouro onde banqueiros poderiam obter maiores ganhos futuros com juros e disponibilizar e maior oferta monetária para emprestar, e a obrigatoriedade de devolução do ouro por cédula é um empecilho à está prática, já que se cada pessoa tentasse resgatar o ouro correspondente à cédulas de papel-moeda em mãos, o banco poderia ter sérios prejuízos.

Já no caso dos estados, que desde o advento do papel-moeda na modernidade já vinham aumentando seus gastos, a limitação da oferta monetária limitaria os fundos disponíveis para seu custeio, mesmo com a tributação. Com a instituição do banco central, responsável por controlar a oferta de moeda de um determinado país, os estados passaram por vários meios para controlar a quantidade de ouro existente nos cofres e a emissão de papel-moeda.

Com a não-obrigatoriedade dos bancos restituírem o ouro em troca do papel-moeda, tanto os bancos quanto os estados poderiam largar seus gastos e investimentos sem se preocuparem com uma “corrida pelo ouro”, onde um grande número de pessoas pudesse sacar todo o ouro ao mesmo tempo.

Fim do padrão-ouro e a origem da moeda fiduciária

Durante décadas o modelo chamado de padrão-ouro – onde é possível trocar papel-moeda por ouro – persistiu, mesmo com as restrições sobre a quantidade de ouro que poderia ser resgatado, até chegar a um passo que seria o próximo para o fim deste padrão monetário.

Com o advento dos acordos de Betton Woods, onde os EUA junto com mais 44 nações definiam as políticas monetárias internacionais, com os EUA saindo em vantagem estabelecendo a paridade de U$ 35,00 por 31 gramas de ouro. Os governos dos demais países aceitaram tais condições em troca de empréstimos para seus gastos, principalmente os países arrasados pela Segunda Guerra Mundial.

Nascia assim o padrão dólar-ouro, onde as moedas dos países aliados aos EUA deveriam lastrear suas moedas locais no dólar que por sua vez deveria ser lastreado em ouro. Tal medida visava controlar a oferta de ouro disponível em cada país e evitar uma inflação descontrolada. No entanto, tal política não durou muito tempo, uma vez que limitava os gastos crescentes dos governos, em especial dos EUA, que se viam na necessidade de expandir a oferta monetária sem restrições.

Com o presidente americano Richard Nixon finalmente abolindo o padrão dólar-ouro, a moeda fiduciária se tornava o padrão monetário predominante nos governos dos demais países. A moeda fiduciária, diferente do papel-moeda lastreado em ouro, não possui sua garantia na possibilidade de ser trocada por algum item de valor, mas sim, no fato de ter sua circulação imposta por lei, daí porque também é chamada de moeda de curso forçado.

A partir da abolição do padrão dólar-ouro, cada país passou a emitir sua própria moeda fiduciária, que deve ter sua circulação imposta por lei. Assim como apenas o governo de cada país pode emitir a moeda dá maior controle do estado sobre a moeda, onde ele pode controlar a oferta monetária, inclusive expandindo essa oferta para custear seus gastos.

Todas as moedas emitidas pelos governos hoje são todas moedas fiduciárias, sem lastro, a não ser no dólar, mas que na verdade não implica em um lastro legítimo, uma vez que essa paridade é imposta por lei. Já respondendo a afirmação de Russomanno sobre o real ter lastro: não possui

A paridade real-dólar é imposta coercitivamente e mesmo que haja de fato reservas de ouro em bancos centrais de cada país, eles já não trocam mais papel-moeda por ouro, sendo mais usado como um ativo seguro para eventualidades.

Mas e as criptomoedas? São moedas de fato?

Criptomoedas são um conjunto de dados criptografados (o que implica que são impossíveis de serem copiados) e que só podem ser criados por meio de um processo chamado mineração, onde um usuário descobre um bloco de dados necessário para a transferência de uma criptomoeda de um endereço para o outro.

Todo esse processo ocorre e é registrado em um sistema chamado blockchain, onde é possível verificar os blocos e suas respectivas transações efetuadas, o que mostra que a blockchain é uma ferramenta que atesta a efetividade e segurança do Bitcoin e de outras criptomoedas como um sistema de pagamentos.

Essas moedas ficam armazenadas num determinado endereço eletrônico representado por um código aleatório de letras e números. Esse código pode ser chamado de chave publica do endereço, que é usado para que uma determinada quantidade de criptomoedas seja enviada ao usuário. Há outra chave, chamada chave privada, mas que apenas o proprietário possui e que lhe dá acesso às suas criptomoedas.

Ambas as chaves ficam armazenadas numa carteira virtual chamada wallet, que é um software ou aplicativo que se conecta à blockchain de qualquer criptomoeda. Essas são chamadas de light wallets. Há também as chamadas hard-wallets, que são dispositivos semelhantes à pen-drives e exercem a mesma função, mas com maior segurança contra ataques hackers.

As criptomoedas cumprem muito bem a função de moeda, uma vez que é um meio escasso comumente aceito como meio de troca (mesmo que por um número pequeno de pessoas, mas em ascensão). Além disso, possuem as características de uma boa moeda, como a divisibilidade, durabilidade e escassez. Fora que o sistema em que o Bitcoin e outras criptomoedas funcionam vem se mostrando eficaz desde sua criação em 2009 pelo pseudônimo Satoshi Nakamoto.

Por ser descentralizada, a blockchain não pode ser manipulada facilmente por um único servidor ou poucos servidores, já que são vários computadores necessários para manter o sistema funcionando em larga escala. Outro detalhe já mencionado, é o registro das transações de cada endereço de criptomoeda onde é possível atestar que as transações foram devidamente realizadas.

Criptomoedas possuem lastro?

Alguém pode se opor a ideia de que o Bitcoin e outras criptomoedas sejam bens de valor. No entanto, isso não passa de um desconhecimento de uma teoria monetária sólida, como a teoria monetária austríaca.

Abaixo, um trecho do livro do economista Fernando Ulrich em seu livro Bitcoin – A Moeda na Era Digital, onde ele diz:

A mais frequente objeção, no entanto, é outra. E, segundo aqueles que a ela recorrem, é a questão básica e fundamental: Bitcoin não tem valor intrínseco, ele não é uma “coisa”. É uma unidade de uma moeda virtual não material. Não tem nenhuma condição ou formato físico, e, portanto, é descabida a noção de que possa algum dia substituir a moeda fiduciária.
Esse é o núcleo do argumento de tais céticos.


O que lhes parece escapar, contudo, é que não existe valor intrínseco, existem propriedades intrínsecas (químicas e físicas). Valor é subjetivo e está na mente de cada indivíduo. “Bitcoin é o ouro digital”106, defende Jon Matonis, conselheiro da Fundação Bitcoin, “mas em vez de depender de propriedades químicas, ele depende de propriedades matemáticas”. Isso quer dizer que as propriedades do Bitcoin resultam do design do sistema, permitindo que sejam valoradas subjetivamente pelos usuários.
Essa valoração é demonstrada quando indivíduos transacionam livremente com bitcoins.

Admitindo a fragilidade de seu argumento, os céticos partem para ou-tra crítica, a de que o Bitcoin, além do seu valor de troca (ou seu valor monetário), não apresenta nenhum valor de uso amplamente reconhecido, ou uso não-monetário. Por esse motivo, raciocinam eles, a moeda digital não poderia jamais adquirir o status de meio de troca universalmente aceito no comércio. Isso me faz perguntar: como o ouro conseguiu emergir como dinheiro, sendo que seu principal valor de uso séculos atrás era basicamente adorno e enfeite? Sim, é claro que hoje em dia o ouro tem aplicação nos mais diversos campos (indústria, medicina, computação, etc.), mas essa demanda surgiu com relevância somente nos últimos 20 ou 30 anos. E mesmo considerando seu uso industrial, estima-se que mais de 90% da demanda por ouro derivem de seu uso monetário.

E ele conclui:

Qual o lastro do ouro? A escassez inerente a suas propriedades físico–químicas. Qual o lastro do papel-moeda fiduciário? A confiança de que governos não inflacionarão a moeda, apoiada em leis de curso forçado que obrigam os cidadãos a aceitar a moeda como pagamento. Qual o lastro do Bitcoin? Propriedades matemáticas que garantem uma oferta monetária, cujo aumento ocorre a um ritmo decrescente a um limite máximo e pré–sabido por todos os usuários da moeda. Após um bem ser empregado e reconhecido como moeda, seu lastro jaz na sua escassez relativa.

Resumindo: o Bitcoin e demais criptomoedas possuem seu valor de troca por possuírem características de uma boa moeda (um bom meio de troca).

Bitcoin e demais criptomoedas são golpes?

Dada a impossibilidade de um único servidor controlar a blockchain do Bitcoin ou de qualquer criptomoeda, é praticamente impossível manipular sua oferta e cancelar suas transações. A blockchain como já dito é um sistema descentralizado mantido por milhares de usuários no mundo todo. É impossível ele ser manipulado centralmente. Mesmo seu desenvolvedor, Satoshi Nakamoto, não pode fazer isso.

É verdade que ocorrem ataques hackers, mas não são tão comuns quanto se pensa. Sendo mais comuns em plataformas centralizadas, como as Exchanges – que funcionam como casas de câmbio virtuais – onde as criptomoedas ficam sob custódia.

Mas isto é um problema a qual qualquer sistema virtual está sujeito. No entanto, é algo que pode ser evitado fazendo o uso de métodos mais seguros de guardar chaves criptografadas, como nas já mencionadas hard-wallets.

Existem os casos de golpes chamados pirâmides financeiras, onde empresas prometem lucros exorbitantes, no qual ocorre uma transferência de dinheiro dos entrantes para os que estão no topo da pirâmide, os que começaram o esquema.

A transferência de dinheiro da base para o topo passando pelas camadas intermediárias dura até que os últimas entrantes não consigam mais captar ninguém, o que faz a pirâmide eclodir. Geralmente os responsáveis pelo esquema somem antes que possam ser investigados ou que as vítimas do golpe tentem acertar as contas.

No entanto, isso não é o funcionamento padrão de como se ganha dinheiro com Bitcoins. Com dinheiro aqui querendo dizer moeda fiduciária. Mesmo o Bitcoin tendo um potencial para substituir as moedas fiduciárias e já sendo aceito como pagamento por muitos profissionais e empresas, ainda não é algo predominante, e muitas pessoas aproveitam a alta do preço do Bitcoin para vender e trocar por uma quantidade maior de moeda fiduciária, no caso o real.

Em resumo: Bitcoin e demais criptomoedas não são golpes nem pirâmide.

Pirâmides são esquemas fraudulentos que podem usar alguns bens como fachada, como perfumes, jóias e até mesmo vacinas! Em um grupo do Telegram alguns usuários testemunharam um golpista se fazendo passar por responsável por um fundo de investimento para produção de vacinas. Óbvio que foi devidamente expulso pelos administradores do grupo.

Se duvida do caso, veja esse print:

Vacinas não são esquemas de pirâmide, nem esmeraldas e perfumes. E criptomoedas também não.

Russomanno quando alertou sobre o perigo de golpes usando criptomoedas agiu corretamente. Seu erro foi fazer afirmações descabidas sobre algo que ele não sabia, afirmando que o Bitcoin em si é golpe e defendendo o Real, que além de não possuir lastro algum, se desvaloriza, levando ao empobrecimento da população, principalmente dos mais pobres.

  • Se quiser aprender mais sobre criptomoedas, segue o guia completo tanto para iniciantes quanto para aqueles que querem entender melhor o assunto.

  • Quer saber como proteger seu dinheiro do governo? Veja essas 10 dicas.

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