Introdução

Novos tempos trazem novas perspectivas. Um mundo mais capaz e informacionalmente interconectado demanda novas formas de governo. Deve-se prezar a liberdade individual para a criação e potencialização das capacidades humanas de ação no mundo. Vá-se a era dos reis e imperadores. Chega a era das decisões políticas pelo povo. O povo deve comandar a nação. Deve se autogovernar. Surge, assim, o sistema democrático ocidental da era Contemporânea, baseado na liberdade e autodeterminação dos povos.

Ou melhor: novos tempos trazem novas perspectivas. Um mundo mais capaz e informacionalmente interconectado demanda novas formas de governo. Deve-se prezar a sensação de liberdade, controle e pertencimento da população. Deve-se canalizar as esperanças para dentro do sistema, caso contrário, será criada uma ameaça ao poder estabelecido. Vá-se a era dos reis e imperadores. Sob outra forma, mascarada pelos clamores por mudança e progresso, a concentração de poder em uma única figura se reduz, os poderes se dividem, mas se mantém as decisões políticas pela oligarquia. Presidentes e primeiros-ministros são efêmeros; a estrutura oligárquica permanece comandando a nação. Um indivíduo pode ter o título supremo, mas isso não o faz detentor do supremo poder. Assassinatos de líderes são substituídos pela rotação periódica dos ocupantes das cadeiras. O sistema político contemporâneo é a continuação, sob um novo rótulo, da mesma dinâmica de poder. Sua mais avançada forma é a criação de impérios oligárquicos com atuação em escala global.

A era imperial não está limitada aos livros de história. A reportagem especial desta semana tratará do Império Oligárquico Americano e sua atuação no cenário global. Artigo posterior tratará do caso chinês. Iniciaremos pelo maior.

Origem e crescimento

Os Estados Unidos surgiram pela revolta de aristocratas às imposições do Império Britânico. Suas origens são vistas como liberais e favoráveis à liberdade individual, com um governo de atuação reduzida e que deve trabalhar para garantir os direitos de seus cidadãos. Nada disso, de fato, impediu que esse estado se tornasse o mais forte da Era Contemporânea, superando o escopo de influência do império que nasceu por combater.

Desde cedo, pretendeu ser um poder relevante no cenário global. Inicialmente, o país era formado por território da costa leste do continente, fracamente se estendendo à região central. Com a compra de território da bacia do Mississippi do Império Francês, se seguiram conflitos e a expulsão dos povos nativos de suas terras para gradualmente aumentar o território controlado.

Na primeira metade do século XIX, entrou em guerra contra o México, que se estendia para o que hoje é a costa oeste americana. Derrotado no conflito, o México perdeu um terço de seu território. Em guerra posterior contra a Espanha, obteve muitos de seus territórios ultramarinos. Ao fim do século XIX, os Estados Unidos haviam se tornado, por meio da guerra e da conquista, um verdadeiro império centrado no Novo Continente.

Diante das grandes potências europeias, contudo, era um poder de segunda categoria. O poder econômico americano atual advém principalmente dos eventos que se desenrolaram ao longo do século XX. No século XIX, os Estados Unidos não se encontravam na posição de hegemônico global, não sendo capaz de projetar seu poder de forma significativa como as grandes potências europeias. Queria adotar uma postura imperialista, e adquiriu territórios nas ilhas do pacífico, mas, contrariamente ao Reino Unido, suas colônias sempre apresentaram uma fração do território continental próprio. Tudo mudou com as duas Grandes Guerras e o conflito político/ideológico com a URSS.

As duas guerras mundiais devastaram a Europa e Japão, o comunismo fazendo o mesmo com China e Coreia. Não tendo sido invadido, bem como por não ter ocorrido conflitos em seu solo continental, os Estados Unidos emergiram não apenas com suas infraestruturas e instituições intactas, foram fortalecidas pelas gigantescas necessidades de suprimentos aos demais países em batalha. Sua indústria havia crescido. Sua tecnologia havia evoluído. Reformas foram feitas para abrir o país ao mundo. Com vastas costas em dois oceanos, ausência de inimigos poderosos nas fronteiras (os oceanos sendo, inclusive, formas de proteção), além de abundante em matérias-primas e população crescente, viu-se sem reais opositores até o fortalecimento soviético; e ainda assim, não um inimigo verdadeiramente à altura em muitos aspectos.

O dólar, antes desprezível no cenário global, ultrapassou a libra esterlina, fortemente impactada pelos esforços de guerra britânicos, e se tornou a moeda de transação global no Sistema Bretton Woods, no qual foi pareada ao ouro. Certamente que, parear uma moeda estratal ao ouro não seria algo sustentável. A impressão de moeda e os gastos crescentes, agora utilizados para solidificar sua posição como potência mundial, fizeram o valor da moeda se desviar do metal no qual era convertível. Na década de 70, o sistema foi abandonado. Mesmo assim, sua moeda permaneceu como reserva.

Os Estados Unidos, também com a importação de cientistas dos países derrotados na Segunda Guerra, se tornaram a vanguarda da tecnologia, principalmente militar. Muitos dos avanços hoje utilizados pelos civis tiveram sua origem em programas do governo americano, em sua constante e interminável busca por manter sua posição frente aos outros estados. Isso não é exclusividade dos Estados Unidos, claro, todo o estado sendo forçado a se proteger de ameaças ao seu poder. A expansão e consolidação fazem parte do ciclo de dominação cada vez crescente, devendo ser mantido, ou adversários o farão em seu lugar. Chegar no poder é diferente de permanecer nele, os gastos contínuo e crescentes são necessários para manter vivas as engrenagens de todo império.

Sua influência política advém de sua força econômica e militar. Por meio da assimetria, pode forçar a assinatura de tratados ou acordos que desproporcionalmente o beneficie, além de adquirir nível de interferência extraterritorial nos assuntos de estados “parceiros”.

O império oculto – relatório das capacidades atuais

Presença militar no continente africano

Desde o 11 de setembro, as forças americanas construíram uma ampla rede de postos avançados em mais de uma dúzia de países africanos. O Comando da África do Pentágono mantém 27 postos avançados que se estendem por todo o continente, sendo 15 considerados “locais duradouros” e 12 “locais de contingência”. O Comando da África busca ativamente aumentar sua presença e prepara expansões futuras.

Certamente, as justificativas para a crescente presença americana na África não são suas ambições imperialistas por controle ou os recursos que o continente fornece, mas uma luta pelos direitos humanos ao se combater o terrorismo e governos totalitários… ou assim dizem. Ignora-se o crescimento do extremismo violento e a insegurança no continente exatamente como resposta contrária a cada vez maior presença americana e interferência na região. Com dezenas de grupos terroristas islâmicos, a África está se tornando a nova fronteira na guerra contra o terror. O Império cria ou fortalece problemas para depois se justificar como solução.

Os EUA contam com cerca de 6.000 militares espalhados pelo continente para apoiar os parceiros africanos em seus objetivos de aumentar as capacidades de segurança das nações e estabilizar a região. O governo americano possui alguma presença militar em praticamente todas as nações africanas, com as forças armadas sendo utilizadas para promover os valores e interesses dos EUA.

Presença militar no Pacífico

Os números na África não se comparam aos do leste asiático e Pacífico. Devido à ameaça chinesa, bem como os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial e Guerra da Coreia, os Estados Unidos mantêm algumas de suas maiores presenças no Japão e Coreia do Sul. Enquanto 6.000 militares estão destacados na África, apenas no Japão, o contingente ronda os 54.000. Na Coreia do Sul, são 26.000. Ambos se beneficiam das capacidades nucleares americanas diante de vizinhos também capazes: Rússia, China e Coreia do Norte.

Com a expansão de influência chinesa no Mar do Sul, bem como suas intenções de tomar Taiwan, a presença americana no Pacífico se intensifica, com novos acordos militares e vendas de equipamentos de guerra para nações parceiras. Recentemente, um acordo militar foi realizado com as Filipinas, antiga colônia americana, sob o qual as forças armadas dos EUA utilizarão quatro novas bases, elevando o número total de bases em uso para nove, proporcionando aos Estados Unidos construir infraestrutura militar nas Filipinas, bem como o posicionamento de suprimentos e equipamentos. A justificativa apresentada é a defesa das Filipinas e uma aliança para garantir um Indo-Pacífico livre e aberto, além de auxiliar nos esforços humanitários da região.

Presença militar no Oriente Médio

Como resposta à ajuda americana aos israelenses durante a Guerra do Yom Kippur, um embargo das nações árabes produtoras de petróleo causou o que ficou conhecido como a “crise do petróleo”. A economia mundial estava em estado crítico, o evento gerando a maior contração econômica após a Grande Depressão. Era necessário encontrar uma alternativa.

Surgia o esquema “petrodólar”. O momento era oportuno. Os EUA comprariam petróleo dos países produtores e forneceriam ajuda e equipamentos militares. De sua parte, os países produtores investiriam os bilhões de suas receitas em títulos do Tesouro para financiar os gastos americanos. Com a queda de Bretton Woods, em um mundo dependente de petróleo, o dólar foi garantido como a moeda de reserva global.

Mas havia um problema. Agora financiando os inimigos de Israel, foi preciso expandir a ajuda militar para Tel Aviv. A exportação, como parte dos acordos, de armas ao continente acelerou a corrida armamentista entre os países islâmicos. O novo esquema também torna a dominação americana global mais vulnerável às flutuações políticas do Oriente Médio. Foi necessário elevar o nível de intervenção na região para garantir a manutenção de seus interesses. O petróleo se transformou em arma política.

Com uma grande quantidade de dívida pública, os países islâmicos produtores de petróleo ameaçam o governo americano com a venda em massa de títulos caso seja aprovada alguma lei ou resolução no Congresso Americano que os desagrade. Isso ocorreu, por exemplo, quando as investigações sobre o atentado de 11 de setembro apontaram ligações com a Arábia Saudita.

A CIA também recruta muçulmanos radicais de todo o mundo para lutar no Oriente Médio, provendo armas e treinamento militar. Armam grupos opositores extremistas. Como consequência, apoiam a armam seus futuros inimigos, como no caso dos comandantes Haqqani e Hekmatyar, importantes aliados e apoiadores de Bin Laden durante anos.

As intervenções americana, como as invasões que delas resultaram, criaram vácuos de poder e desestabilizações que desencadearam insurgências, guerras civis e o crescimento de milícias extremistas. O apoio de Barack Obama aos rebeldes na Síria, por meio do desvio não informado de armas e munições compradas pelos americanos, mas enviadas à Síria, em grandes quantidades provenientes do Leste Europeu, proporcionou grande estoque de armamentos aos extremistas do Estado Islâmico, que as utilizaram, então, para expandir seu califado. O próprio Estado Islâmico nasceu das cinzas da ocupação militar iraquiana na guerra contra Saddam, e foi muito fortalecido pela incompetência americana durante o governo de transição. Por diferentes motivos, o EI não teria sido o que foi sem os Estados Unidos.

Não que isso seja de todo ruim para a oligarquia americana. Somente nos últimos 20 anos, os EUA gastaram US$ 8 trilhões em sua interminável “guerra contra o terrorismo”, com apenas a guerra no Afeganistão tendo custado algo em torno de US$ 2,3 trilhões, segundo pesquisadores da Brown University; o equivalente a US$ 300 milhões por dia, durante 20 anos.

A elite oligárquica se beneficia com os acordos militares bilionários de venda de armas, bem como seu exército se mantém adquirindo constante treinamento em combate real, algo que a maioria das forças armadas do mundo não possui, desenvolvendo novas tecnologias para permanecer no topo da capacidade bélica global. O Império clama pela guerra; foi por meio dela que ele foi criado.

Presença militar no continente europeu

Com a vitória aliada na Segunda Guerra Mundial, e tendo sido os governos do segundo e terceiro Reich os responsáveis pelas duas Grandes Guerras, respectivamente, as demais potências decidiram por manter os povos germânicos sob controle. Não mais foi permitida a independência alemã, tendo sido o território inicialmente repartido entre França, Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética.

Com a França e o Reino Unido firmes sob sua esfera de influência, o único poder global capaz de ameaçar os interesses americanos no ocidente era a União Soviética. Com seu poder militar crescente e com a tomada de territórios no Leste Europeu, aproveitando-se do medo, pois nenhum país individualmente seria capaz de resistir ao avanço do Exército Vermelho caso ele assim o fizesse, os americanos criaram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), no qual os membros se comprometiam à proteção mútua. Em resposta, o bloco soviético criou o Pacto de Varsóvia.

Base americana em Ramstein, Alemanha.

Bases militares foram criadas pelo continente e tropas americanas destacadas para a eventualidade de uma invasão vermelha. Mesmo com a dissolução da União Soviética, décadas depois, com a significativa redução da ameaça representada pela Rússia ao continente europeu, os Estados Unidos ainda mantinham em 2006 cerca de 76.000 tropas em solo alemão. Hoje, são 34.000. No Reino Unido, 9.000 soldados americanos continuam destacados; 12.000 na Itália. O destacamento no continente reduziu ao longo do tempo, contudo, com novos conflitos na Europa, como a operação militar russa na Ucrânia e tensões no Cáucaso, essa tendência pode retornar ao padrão ascendente.

Panorama global de atuação militar

A projeção de poder dos Estados Unidos ao redor do globo é inigualável na história. Atualmente, atua em cerca de 750 bases militares conhecidas fora de seu território, espalhadas em 80 países. O Japão possui 120, seguido pela Alemanha, com 119, e pela Coreia do Sul, com 73. Algumas são gigantescas, do tamanho de pequenas cidades, com escolas independentes, hospitais, usinas de energia e blocos habitacionais. Para a manutenção anual desta rede, os custos estimados são de, pelo menos, US$ 156 bilhões.

O objetivo dessas bases não é a proteção do território americano próprio, mas dos interesses americanos em outras regiões. Os EUA gastam mais em suas forças armadas do que os 10 países seguintes combinados, número que inclui países como: Rússia, China e Índia. Ao todo, em 2020, o governo americano possuía cerca de 173.000 soldados mobilizados de alguma forma em 159 países.

Apenas para comparação, um porta-aviões moderno americano é capaz de transportar todos os caças e aviões de ataque pesado da Força Aérea Brasileira. Os Estados Unidos possuem 11 porta-aviões nucleares atualmente em atividade, com mais nove navios de assalto anfíbio que transportam caças da marinha e helicópteros de ataque, 16 cruzadores, 72 Destroyers e 68 submarinos. Esse nível de projeção de força não é igualado, por uma grande margem, por nenhum outro país.

Um porta-aviões não navega sozinho, contudo, sempre possuindo o apoio de seu grupamento de ataque. Apenas o aparecimento de um desses grupos na costa de um país é suficiente para alterar a situação política. Esse foi o propósito do pedido de vinda do porta-aviões USS Forrestal e sua esquadra à costa brasileira durante o golpe de 1964. O golpe, no entanto, foi realizado em apenas alguns dias, enquanto a esquadra americana, carregando armas e suprimentos, ainda estava longe de seu destino, não tendo sido necessário o seu auxílio.

Porta-aviões USS John F. Kennedy com seu grupo de batalha

O governo americano possui 14 submarinos de mísseis nucleares embarcados, com alcance superior a 6.400 quilômetros. Cada míssil possui até 12 ogivas, podendo cada uma ser direcionada a um alvo diferente. Isso significa que um mesmo míssil pode destruir até 12 cidades inimigas. Cada submarino pode carregar até 20 desses mísseis. Onde se encontram, não é sabido. Por serem de propulsão nuclear, são silenciosos, também com rápida mobilidade, o que os tornam plataformas móveis de lançamento nuclear.

Já foram parte de seu império os Estados Federados da Micronésia, as Ilhas Marshall e as Filipinas. Ainda hoje, os Estados Unidos continuam a deter territórios no exterior. Além de Guam, são suas colônias a Samoa Americana, as Ilhas Marianas do Norte, Porto Rico e as Ilhas Virgens Americanas. Além, claro, dos territórios que se dizem independentes, mas possuem forte influência americana em seus assuntos internos e externos, verdadeiros estados vassalos contemporâneos, como: Japão, Coreia do Sul e Europa Ocidental.

Militarização do espaço próximo

Foi sempre importante para um estado saber o que seus inimigos (pretendentes ao poder que possui) estavam fazendo. Se movimentavam tropas, construíam novas fortificações, novos navios de guerra, enfim, toda a atividade potencialmente relevante para a manutenção do poder estabelecido.

No mundo antigo, os maiores impérios detinham uma rede de estradas para o cavalgar de seus mensageiros. Uma rede viária com postos ao longo de seu trajeto para a parada e descanso dos homens e animais. Montarias descansadas prontas para seguir viagem. No mundo antigo, era a forma mais rápida de transportar informações. Novas formas de transmissão rápida de informação foram criadas ao longo dos milênios, os famosos pombos-correio também servindo esse papel, mesmo com suas grandes limitações. A informação viajava rápido, comparada aos outros meios, mas ainda muito lentamente ao que hoje se faz constante.

O avanço tecnológico proveniente do último século e meio mudou completamente o cenário. Primeiro vieram os balões de ar quente, para a visualização de uma grande área de forma simultânea. Depois, na virada do século XX, os aviões. Com o uso das câmeras fotográficas, a capacidade de obtenção de informações do inimigo foi possível como nunca antes. Não era o bastante. No contexto da Guerra Fria, mesmo com o advento de aviões mais rápidos que o som ou capazes de voar em altitudes muito elevadas, ainda eram vulneráveis aos ataques inimigos de abate, também limitados por seu escopo de análise. As potências mundiais, então, adentram a corrida espacial.

O lançamento pelos soviéticos do Sputnik, em 1957, foi recebido como um grande choque pelo mundo ocidental. Mais uma vez, uma nova fronteira se abria. O primeiro satélite artificial foi não mais que uma prova de conceito, bem como um recado aos americanos. Nas décadas seguintes, contudo, seriam utilizados para os mais diversos propósitos de comunicação e espionagem.

Nos primórdios da vigilância espacial, os satélites usavam filme úmido. O filme precisava ser devolvido à Terra em uma cápsula, capturada durante a queda de paraquedas ou após tocar o oceano. Apenas depois, era transportado aos laboratórios para ser revelado. O processo podia levar vários dias, semanas ou até meses, o que limitava a taxa de coleta de dados para reconhecimento. Os rolos de filme foram crescendo ao longo do tempo. Como exemplo, o GAMBIT 1 levava cerca de 914 metros de filme, enquanto o GAMBIT 3 levava 3.731 metros. Mais tarde, o HEXAGON KH-9 carregou 96 km de filme. Os primeiros satélites espiões eram apenas capazes de permanecer em missão por algumas semanas ou meses, devendo os números ser constantemente renovados. Se antes era preciso lançar novos satélites todos os meses, hoje eles possuem décadas de vida útil.

O compartimento de carga útil do ônibus espacial, que transportou o telescópio Hubble, foi dimensionado para acomodar os satélites espiões americanos. O próprio design do Hubble teve esse fato como parâmetro de projeto.

Mesmo durante a Guerra Fria, as imagens capturadas pelos satélites espiões possuíam uma resolução de 0,6 a 1 metro. Atualmente, os satélites em órbita possuem resoluções de 5 a 10 cm, possivelmente 1 cm. Os valores exatos são mantidos em sigilo por razão de defesa. Os satélites privados, por determinação do governo americano, só podem liberar imagens com resolução de até 25 centímetros. Com a tecnologia de resolução militar atual, imagens de satélite são capazes de distinguir as roupas de um indivíduo de interesse, bem como as marcas dos automóveis que dirige.

Mas não só de imagem vivem as operações de inteligência e contrainteligência espacial. Satélites também são utilizados para detectar detonações nucleares, para, por exemplo, identificar testes secretos realizados por um país. Outros satélites possuem a capacidade de criar mapas por radar, ignorando coberturas de nuvens e o período noturno. Também são utilizados para capturar dados não criptografados que viajam em ondas de rádio, como chamadas telefônicas.

Como a quantidade de dados é grande, e os satélites trabalham 24 horas, os americanos possuem satélites de retransmissão no espaço, de modo que podem enviar as imagens assim que são capturadas, sem esperar passar por uma estação de captura. O lixo espacial também pode ser utilizado como cobertura. Satélites podem ser fabricados para parecer lixo espacial e permanecer adormecidos, sendo utilizados quando necessários para auxiliar uns aos outros em uma rede de cooperação de captação e transmissão de dados à Terra.

As grandes potências militares possuem mísseis capazes de destruir satélites em órbita, mas isso gera uma grande quantidade de lixo espacial. Segundo a Força Espacial dos EUA, a Rússia e a China estão lançando ataques reversíveis diários nos satélites americanos, como interferência eletrônica ou lasers para cegar temporariamente os sensores ópticos.

Em 2019, um pequeno satélite russo chegou demasiadamente próximo de um satélite americano, com as forças dos Estados Unidos não sendo capazes de imediatamente descartar se o ato se tratava da realização de um ataque real iminente.

Cerca de 150 satélites militares americanos são conhecidos, o número exato é um segredo de estado. A Rússia possui 71; a China, 63. Os lançamentos são comuns. Veja a quantidade apenas nos últimos anos, apenas coberta por esse site.

Militarização do ciberespaço1

O mais famoso ransomware, WannaCry, que ganhou grande notoriedade e trouxe aos olhos do público esse tipo de ameaça, para se disseminar ao redor do mundo, utilizou uma vulnerabilidade vazada por crackers do Shadow Brokers. As ferramentes não foram desenvolvidas por eles, contudo, tendo sido obtidas da NSA. A NSA foi criada no contexto da Guerra Fria, com o intuito de obter dados de inteligência e proteger informações críticas do governo americano.

O arsenal cibernético à disposição das agências de defesa americanas não é conhecido, mas o pouco que se sabe é suficiente para compreender que as capacidades são brutais. Um ser comum não é capaz de se defender de um conjunto de técnicas e vulnerabilidades tão poderosas. Muito dinheiro é investido para a criação de ferramentas de penetração, vigilância e extração de dados. Muitos milhões de dólares são investidos para manter as agências de inteligência sempre um passo à frente dos adversários.

Durante a Guerra Fria, em resposta ao lançamento do satélite soviético Sputnik 1, a DARPA (na época, ARPA) foi fundada para combater os avanços soviéticos e garantir a hegemonia americana. Para esse fim, além de realizar pesquisas para a criação de tecnologias de uso militar, desenvolveu um sistema de compartilhamento de informações para estimular o avanço científico, criando, em 1969, uma rede de computadores denominada ARPANET, a principal precursora da internet. Já na década de 1970, a ARPANET foi utilizada para auxiliar nos processos de espionagem de ativistas de direitos humanos e antiguerra. Tendo iniciado com a proposta de conectar poucos computadores, a rede cresceu à medida que seus benefícios tornaram-se claros. A transformação da internet moderna, derivada da anterior rede de uso militar, teve, como um de seus principais fatores, o seu potencial uso econômico. Após anos de sucessivo crescimento, almejando estender a rede para o mundo civil, o governo americano privatizou sua infraestrutura. A World Wide Web foi criada nos laboratórios do CERN.

Os ataques de 11 de setembro profundamente abalaram a mentalidade do ocidente, principalmente a americana. Os americanos, por meio de seu patriotismo, sentiram-se individualmente atacados. A opinião pública não tardou a se radicalizar. Medo, raiva, tristeza e vingança; juntamente às demostrações públicas de afeto e união, marcaram o país nos momentos posteriores aos ataques. Esses sentimentos e demonstrações praticamente tornaram-se obrigações.

O estado não desperdiçou essa boa oportunidade e expandiu seus poderes e seu escopo de atuação, com figuras políticas também utilizando o acontecido para enobrecer suas imagens perante o público, que esperava orientação de seus líderes. Após os ataques terroristas, as agências cresceram e iniciaram um amplo processo de compartilhamento de informações, bem como realmente decidiram explorar e utilizar as possibilidades proporcionadas pelas ferramentas computacionais. Para isso, contudo, precisavam de novo pessoal: de funcionários imersos na nova geração digital. Um deles foi Edward Snowden, o responsável por, anos mais tarde, divulgar os segredos dos programas de espionagem da NSA, no que foi considerado um dos maiores vazamentos de informações da história da inteligência mundial.

Com a justificativa de combate ao terrorismo e proteção do público, a vigilância não seria mais específica; seria generalizada. Utilizando o poder proporcionado pela nova revolução tecnológica, a inteligência dos Estados Unidos foi capaz de criar um sistema de monitoramento global dos usuários das redes digitais, coletando todo o tráfego que passa em sua infraestrutura controlada e armazenando as informações coletadas em grandes bancos de dados, ficando à disposição para consulta futura. Todos os sites visitados por um usuário da internet, todos os e-mails enviados, todas as ligações telefônicas realizadas, todas as buscas feitas, enfim, todas as comunicações alimentam as bases de dados da inteligência do estado americano. Mesmo o que hoje está criptografado nos bancos de dados da NSA, no futuro, poderá ser descriptografado pela utilização de computação quântica.

Mesmo tendo a capacidade, não é necessário capturar o conteúdo do que está sendo enviado pelas conexões, mas apenas seus metadados (os dados referentes aos dados, como origem e destino), com as agências de inteligência decidindo eliminar indivíduos com base na análise dos metadados de suas comunicações.

Equipamentos eletrônicos, como servidores, quando de interesse, são interceptados em trânsito e neles inseridos implantes para prover acesso privilegiado das agências de defesa.

Por seu mercado com incentivo ao empreendedorismo e inovação, bem como um os pioneiros na tecnologia digital, as maiores empresas do ramo no mundo, tanto de hardware quanto de software, são americanas. Isso torna o Império Americano estrategicamente posicionado. As Big Techs são parceiras estratégicas do governo, participando de projetos e contratos conjuntos. Muito do que as agências estatais são capazes de realizar não apenas depende de sua própria infraestrutura, mas da estrutura de vigilância e rastreio adquirida com a parceria (ou invasão) de bancos de dados e servidores das grandes empresas de tecnologia, como Google, Microsoft, Meta e Amazon. As empresas de propriedade particular têm incentivos para rastrear seus usuários para fins econômicos. As agências estatais utilizam dessa estrutura de rastreamento para aumentar sua própria capacidade.

A coleta também ocorre diretamente nas informações em trânsito, nos provedores de internet e nos cabos submarinos que ligam as diferentes partes da rede mundial. Os dados transmitidos por luz (fibra ótica) são desviados para os servidores de armazenamento das agências de inteligência. Por meio da análise automática de parâmetros de navegação, as agências também são capazes de flagrar um tráfego de internet encarado como suspeito (os critérios para essa conclusão sendo completamente dependentes das vontades dos agentes), escolher um exploit e enviá-lo junto ao que foi originalmente pedido pelo usuário. O computador comprometido pode, então, ser acessado por completo.

A NSA possui ferramentas para compilar e estruturar os dados provenientes de suas diferentes fontes. Com isso, seus agentes são capazes de pesquisar por qualquer nome, qualquer endereço de e-mail, qualquer número de telefone ou celular e as informações completas sobre o objeto de investigação serão apresentadas. Como em uma pesquisa no Google. O que foi coletado também compreende vídeos e áudios gravados diretamente dos dispositivos dos usuários, os dados obtidos por meio das câmeras e microfones conectados.

A CIA, criada em 1947 para atuar na inteligência externa, utiliza uma variada combinação de técnicas para a penetração e comprometimento de sistemas. Por meio de seu arsenal de armas digitais, utiliza vulnerabilidades desconhecidas para espionagem e destruição de alvos. A CIA é capaz de invadir smart TVs, fazendo-as parecer desligadas, enquanto enviam dados coletados do ambiente para servidores governamentais. São capazes de invadir carros inteligentes e controlar sua trajetória. São capazes de infectar smartphones e interceptar suas comunicações (o que anula a proteção da criptografia utilizada em aplicativos), ligar câmeras e microfones para a captura de dados e rastrear permanentemente a localização do usuário.

As agências de inteligência americana também utilizam consulados como bases secretas de operação no exterior, como no caso do consulado de Frankfurt, na Alemanha, que serve de base para operações na Europa, Oriente Médio e África. A atuação em solo europeu abre amplas possibilidades de mobilidade aos agentes, devido aos acordos da União Europeia.

Para combater a criptografia, são realizadas penetrações em redes de empresas de interesse para furtar suas chaves criptográficas, bem como trabalho conjunto com as empresas de tecnologia para secretamente enfraquecer a criptografia utilizada em seus produtos, permitindo a quebra futura.

As agências de inteligência dos Estados Unidos possuem programas de compartilhamento de dados de inteligência com seus parceiros, os chamados “Five Eyes”; o programa tendo sido posteriormente estendido para também incluir outros países.

O imperialismo americano foi a força criadora (e parte da disseminadora) da internet. Pode-se pensar que a internet apresenta caráter descentralizador, mas esse não é o caso. Na internet moderna, a maior parte do tráfego depende ou passa por um número reduzido de localidades. A internet moderna é altamente centralizada. A tecnologia, contudo, pode ser utilizada para a criação de uma rede verdadeiramente descentralizada, mas seria necessária uma reestruturação radical da internet atual, valendo-se de redes federadas e em P2P.

Como tudo termina

Ao longo dos milênios, todos os impérios passaram pelos processos de ascensão, consolidação, estagnação, retração e ruína. É um processo natural e inevitável. Natural por ser dessa maneira que invariavelmente o poder atua. Inevitável por não ser um processo sustentável, seu fim derivando de seu próprio processo de criação.

Diferentemente de outros impérios, o Império Americano não luta para proteger suas fronteiras, nem por se encontrar em ameaça por estados vizinhos, nem por necessitar elevar sua população por meio da conquista, nem mesmo lutar para manter suas terras produtivas. Sua expansão não se deve à sua sobrevivência, mas o desejo de permanência no posto que adquiriu por uma combinação histórica de fatores peculiares.

Também é verdade que, em vez das ameaças diretas do passado, no mundo contemporâneo, mais interligado e tecnologicamente desenvolvido, ameaças de longo alcance se tornam novos problemas e pontos de conflito. Não apenas mísseis intercontinentais, ou ataques cibernéticos, a própria economia globalizada exige acordos com territórios longínquos, o que estende a gama de interesses sobre a mesa de negociações e maior nível de interferência extraterritorial. No entanto, a elevação do nível de intervenção cria efeitos contrários nos países que desejam também se proteger ou se tornar o poder hegemônico. A defesa é suficiente para elevar as tensões. A desconfiança no uso do desenvolvimento inimigo acaba por se tornar justificativa para maiores escaladas. A ação de um torna-se incentivo para a reação do outro, mesmo que a ação do primeiro já tenha sido sua forma de reação; fortalecendo o ciclo. Uma corrida armamentista é resultado natural desse tipo de cenário competitivo. O que foi chamado de Guerra Fria, em verdade, foi apenas uma iteração maior de um processo tão antigo quanto às disputas entre estados. Naturalmente, ainda estamos em uma. Agora, contudo, os atores se estendem ao novo centro de crescimento do poder global: o Leste Asiático.

O grupo formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC) atualmente se expande para agregar países com tradicionais conflitos de interesse contra os americanos. O Brasil acaba se vendo como parte de um grupo hostil ao imperialismo ocidental, formado não pela adoração à liberdade, mas por invejar e almejar a posição de dominante global. O novo conflito de forças no teatro mundial desse século se dará entre os Estados Unidos e seus aliados da OTAN frente às alianças formadas pelos países pertencentes ao estendido BRICS, que, apenas por possuir Índia e China, comporta uma população maior que todo o mundo ocidental. Quem será o vencedor, apenas a história futura poderá contar.

No fim, o ciclo se repete mais uma vez. Devido ao conjunto de circunstâncias particulares de um tempo histórico, um poder surge para se tornar dominante. Sua presença cria novas tensões e forças contrárias; seu próprio peso se tornando um desafio à continuidade. O enfraquecimento por fatores incontroláveis é aproveitado pelos adversários, que agora se unem contra um inimigo comum, forçando uma alteração no estado geopolítico e uma reorganização das esferas de poder. O antigo hegemônico nunca se recupera, ou permanece adormecido à espera de um novo conjunto de oportunidades para, um dia, retomar seu lugar central. Deve-se lembrar, contudo, que a queda de um império não é necessariamente um evento ruim, sendo mais uma mudança nas estruturas de poder que o desaparecimento da nação. Seu colapso pode gerar ondas de choque que se espalharão por toda a sua esfera de atuação e influência, mas a nação e o povo sobreviverão para continuar suas vidas e reestabelecer uma estrutura organizacional para abarcar seus propósitos.

A realidade na qual vivemos e tomamos como certa, em verdade, é sempre passageira. Como nossas vidas são curtas, em comparação aos grandes movimentos, sempre nos acostumamos com algo que logo passará. Ficamos surpresos quando algo que tomamos como imutável se altera, quando deveríamos nos surpreender por sua permanência. O estado das coisas é apenas uma fase passageira, apenas ganhando ares corriqueiros devido aos seres efêmeros que estão a interpretá-lo. De certa forma, todas as situações são insustentáveis, apenas diferindo em suas velocidades de queda e capacidades de sustento. A alteração do estado das coisas é sempre e apenas uma irremediável questão de tempo.


[1] Trecho adaptado da obra “Sob Constante Vigilância”, também do autor.

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