História e a nulidade epistemológica dos fatos

Escrito por: Paulo Garcia (@GauloParcia)
Revisado por: Paulo Costa (@PauloDroopy)


História, nas palavras de Ludwig Von Mises, “é o conjunto e a arrumação sistemática de todos os dados relativos à experiência da ação humana” [1]. Ela estuda eventos passados, para isso, utilizando de dois elementos: fatos, i.e., o que foi registrado; e a compreensão, que por sua vez, é a interpretação das “áreas nebulosas”, a qual cabe ao “historiador” e seu julgamento de valor interpretar.

Ação humana é o comportamento propositado, que utiliza de meios e visa fins. Esta afirmação possui validade incontestável, pois a tentativa de invalidá-la, pressupõe-na como correta. O entendimento e o estudo sistemático sobre o funcionamento das ações são feitos a priori, assim como é apriorístico tudo o que foi afirmado sobre a ação até aqui [2]. Dentre alguns fatores que justifiquem esta afirmação, destaco: 1) a percepção só pode detectar a existência de movimentos corporais e 2) a ação, inegavelmente, é feita a partir do conhecimento do agente.

Quanto ao segundo ponto apresentado, como nos traz Hans-Hermann Hoppe, adiciono: uma vez que se é capaz de aprender – e isso é válido a priori -, não sabemos agora o que saberemos posteriormente. Portanto, ao não conhecer o estágio futuro de conhecimento do agente, não se pode saber como ele agirá. Portanto, a observação, ou seja, o estudo dos fatos, não pode dizer, categoricamente, absolutamente nada sobre a ação humana [3].

Uma vez que a história – assim como a estatística, a experiência social, dentre outros – é a observação fatos ocorridos, i.e., de eventos passados, mesmo que experimentados, compreendidos, ou observados, de nada ela pode dizer fundamentalmente sobre o funcionamento da ação humana. Sua validade epistemológica é equivalente a zero!

Os próprios empiristas admitem, em relação aos eventos ocorridos na realidade, existem variáveis demais que: 1) não podem ser todas isoladas, e 2) não se pode descobrir a influência – ou falta dela – de todas essas variáveis sobre um fato. Não se pode afirmar certamente que Hitler não se tornaria o führer se fosse admitido na escola artística. Ou que um determinado casal se apaixonaria, se o café, servido por uma mulher em uma padaria, estivesse quente, não frio [4].

E justamente essa quantidade praticamente infinita de variáveis, que estão constantemente se alterando – tanto em quantidade, quanto em especificidade -, impossibilita, não só a recriação exata de um evento histórico, como uma simulação real de todo um local em outro ponto do universo – ou até em uma realidade virtual -, além de impossibilitar qualquer experimento indutivo – como é feito sobre compostos e organismos em laboratório – sobre qualquer ação específica, ou mesmo um evento inteiro.

Tudo isso porque a ação humana é inegavelmente moldada por aspectos praxeológicos – suas categorias -, psicológicos e físicos. O ambiente, como o clima, a iluminação, os ruídos; assim como o estado de humor, o estágio de conhecimento, além de outros milhões de fatores, ou de fato influenciam, ou não se sabe – e não se pode negar – se pode chegar a influenciar; uma ação [5]. Sendo assim, é praxeológica e matematicamente impossível que o mesmo evento se repita, ou seja recriado. Não se pode existir dois momentos distintos, de eventos exatamente iguais, em uma escala de 1:1. Também não há uma condição de ceteris paribus [7] possível que se possa induzir sem que haja distorção.

Concluímos assim que a história e qualquer estudo sobre eventos só podem dizer, no máximo, sobre si, i.e., sobre seus fatos descrito e contidos, dentro de um exato ponto no tempo e espaço. Da mesma forma que tais estudos não antecedem, e nem pode ousar contrariar, a lógica e a matemática, não podem contrariar o que é estabelecido pela praxeologia e pela economia. Seu estudo – a interpretação e entendimento dos fatos – deve necessariamente ser delimitada pelos outros campos do conhecimento, jamais moldá-los, ou fundamentá-los! Assim como não pode prever o futuro, não pode também refutar, ou criar teorias apriorísticas sobre qualquer aspecto.

Referências bibliográficas:

[1]:  L. v. Ação Humana, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, cap 2. Disponível em: <https://amzn.to/2BHRi6D>.

[2]: Hoppe, H. H. Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013, cap. 6. Disponível em: <https://amzn.to/2ZUMVgi>; Hoppe, H. H. A Ciência Econômica e o Método Austríaco, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010. Disponível em: <https://amzn.to/2O7ITvI>.

[3]: https://www.facebook.com/EconomiaAustriaca/photos/a.305430606629032.1073741828.249887182183375/342278852944207/?type=3

[4]: Já foi feito experimento ao qual apontava, de certa forma, uma influência da temperatura – fria ou quente – do café sobre as primeiras impressões sobre uma determinada pessoa. Embora citada, a experiência é irrelevante aqui.

[5]: Resumidamente, isto se deve porque sua influência, se existente, se exerce sobre os aspectos já citados que podem influenciar ou moldar qualquer ação.


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