Em recente declaração à imprensa, o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou que prevê uma disparada nos preços das passagens de transportes urbanos em 2022, em razão do aumento do preço dos combustíveis. O titular do Palácio do Planalto culpou a paridade com o preço internacional e o ICMS praticado pelos Estados e o Distrito Federal. Mas, afinal de contas, seriam essas as razões pelas quais os consumidores têm encontrado preços exorbitantes nas bombas dos postos de gasolina?  E como amortizar o impacto da alta do preço do diesel na tarifa do bilhete do transporte coletivo?

Essas e outras questões são debatidas pelos especialistas do Mova-se. Cinco integrantes do Fórum de Mobilidade foram consultados e expuseram seus respectivos pontos de vista, com bastante crítica e lucidez. Porém, antes de lançar luz sobre o assunto, é necessário trazer algumas ponderações que são comuns a todos os especialistas ouvidos.

Atualmente predomina no debate púbico três correntes que buscam assegurar as raízes pelo qual o preço dos combustíveis se encontra elevado. A primeira de todas é em relação aos constantes reajustes levado a cabo pela Petrobras. A justificativa recai sobre o preço praticado pelo mercado internacional cotado em dólar. Ou seja, se há uma cotação em constante alteração, diante da mudança cambial do real frente à moeda americana, a petrolífera estatal brasileira faz os reajustes semanal ou mensalmente, dentro de sua política de equivalência de preço internacional.

A segunda corrente tenta explicar o incômodo da alta dos preços dos combustíveis pela ausência de subsídio que o governo, por meio da Petrobras, poderia fazer eventualmente para baixar o valor da gasolina. No entanto, essa política era regularmente praticada em um passado não muito distante. Mais: essa é uma das causas pelo qual, segundo os especialistas em mobilidade ouvidos, não existir nos dias atuais uma alternativa viável aos combustíveis fósseis. Se os preços tivessem subido naturalmente tempos atrás, talvez, segundo eles, poderia ter existido uma diretriz pragmática governamental que buscasse outras fontes de energia, especialmente as renováveis.

E por fim, o último ponto é em relação à questão do ICMS estadual, apontado como o grande gerador dessa instabilidade de subida dos preços dos combustíveis. É fato que o ICMS incide no valor final da gasolina, do etanol e do diesel, tendo em média uma taxa de 30%. No entanto, os especialistas consultados apontam que o ideal seria a instituição de um valor fixo para o imposto que permeasse todas as unidades federativas.

Afinal, não é a alíquota que faz com que o combustível seja caro. Ela desde sempre fez com que o valor da gasolina/diesel/etanol fosse oneroso se comparado aos preços praticados em outros países. Para essa questão é um senso entre alguns especialistas que, diante de tal situação, a reforma tributária seria uma saída palatável.

Segue a opinião dos especialistas do Mova-se Fórum de Mobilidade:

Adriano Paranaiba ‎| “Nossa matriz energética de transporte, principalmente a de carga e de passageiros, é extremamente dependente de combustíveis fósseis, mais especificamente a gasolina e o diesel. Temos um problema que é a dificuldade de o consumidor encontrar alternativas. ”

Segundo o economista e doutor em Transportes, Adriano Paranaiba, a questão da distribuição e revenda do combustível constitui um grande problema. De acordo com ele, que é professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), existe muita regulação em cima da distribuição. Isso termina por criar arranjos constitucionais que encarecem a forma de distribuir o combustível. Para o especialista há vários pontos importantes do qual o governo não está discutindo, pautas essas que ele apresenta nos argumentos a seguir:

“O governo poderia estar oferecendo bilhões de economia para o mercado fazendo o preço cair, a partir do momento em que se oferece uma diversidade de opções de matriz energética para o transporte. Toda ela, principalmente a de carga e de passageiros, é extremamente dependente de combustíveis fósseis, mais especificamente a gasolina e o diesel. Temos um problema que é a dificuldade de o consumidor encontrar alternativas. Ele fica refém de comprar do único fornecedor que é a Petrobras.  Dessa forma, há um impacto muito grande nos fretes, nos preços das passagens, que termina por influenciar toda a cadeia produtiva nacional. Desde o transporte da matéria-prima até à fábrica. Da planta fabril até as distribuidoras, de lá aos pontos de varejo e, por fim, até à casa dos consumidores. É importante diminuir imposto, mas essa não é ainda a solução ideal. Para essa questão a reforma tributária é essencial que aconteça, porque o grande problema do Brasil está relacionado aos custos tributários.  No entanto, temos que analisar a cadeia como um todo em que a Petrobras está envolvida. Uma coisa que é importante discutir é a Lei 13.365 — que faculta à Petrobras o direito de preferência para atuar como operador e possuir participação mínima de 30% nos consórcios formados para exploração de blocos licitados no regime de partilha de produção. Ninguém está falando dessa regra que desencadeia todo um processo, lá no começo, na raiz. A lei de preferência precisa ser revogada urgente, para que outras empresas explorem o petróleo para que tenhamos mais dessa matéria prima, destinada ao refino, em nosso mercado doméstico.”

Erika Cristine Kneib | “Permitir que o aumento dos combustíveis gere aumentos diretos nos custos desse sistema – e na tarifa – é trabalhar na contramão de uma mobilidade sustentável. Isso agravará a crise de mobilidade, gerando impactos econômicos, sociais e ambientais. ”

Para a arquiteta e urbanista em Mobilidade Urbana, Erika Kneib, as cidades brasileiras enfrentam uma crise de mobilidade. Ela, que é professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), afirma que essa crise afeta diretamente a economia, a questão social e ambiental. Além disso, a especialista vê o aumento dos combustíveis como uma oportunidade para o desincentivo do uso do automóvel, absorvendo novos usuários ao transporte coletivo, favorecendo assim a mobilidade.

Entretanto, na visão de Erika Kneib isso seria viável se o sistema fosse prioritário em políticas federais, estaduais e municipais:

“Todos sabem que o transporte público coletivo de qualidade é o único modo motorizado de deslocamento capaz de contribuir efetivamente com uma mobilidade urbana sustentável. Porém, as cidades brasileiras ainda optam por modelos que acabam incentivando o uso do carro e da moto. Para ter qualidade, o transporte público coletivo precisa ter prioridade. Prioridade significa ter políticas públicas nos três níveis de governo que efetivamente garantam qualidade e competitividade a esse sistema público, garantindo, por exemplo, os recursos e a infraestrutura necessários. Permitir que o aumento dos combustíveis gere aumentos diretos nos custos desse sistema — e na tarifa — é trabalhar na contramão de uma mobilidade sustentável. Isso agravará a crise de mobilidade, gerando impactos econômicos, sociais e ambientais. ”

Diego Buss | “Se não bastasse, os constantes aumentos dos combustíveis vêm deteriorando ainda mais o transporte coletivo. Tudo isso reflete na falta de equidade e restrição de acesso às comunidades marginalizadas. ”

O engenheiro civil e coordenador de Planejamento de Operação de Transporte na Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre (EPTC), Diego Buss, critica a falta de movimento por parte do governo federal para diminuir a pressão da elevação do preço do diesel. Segundo ele, esse combustível é o segundo item que mais pesa no valor da tarifa do transporte coletivo.

O especialista, que desenvolve projetos e estudos de redes de transportes na capital gaúcha, afirma que um aumento agressivo no bilhete dos transportes deve restringir o acesso às comunidades marginalizadas:

“A pandemia trouxe consigo uma crise sanitária, financeira e social, desencadeando uma crise sem precedentes no transporte coletivo que já se encontrava à beira do colapso. Se não bastasse, os constantes aumentos dos combustíveis vêm deteriorando ainda mais o transporte coletivo. Não se vislumbra nenhum movimento do governo Federal para diminuir essa pressão da elevação do preço do diesel que é o segundo item que mais pesa no valor da tarifa e tudo isso reflete na falta de equidade e restrição de acesso às comunidades marginalizadas. ”

Desirée Peñalba | “Toda crise é um momento propício para oportunidades. Esforços públicos e privados podem se dar a partir do momento que modelos já precários e ultrapassados, mas que todos já estão acostumados a eles, começam a ficar caros. ”

Diante das declarações do presidente, de que haverá subida abrupta dos valores cobrados pela tarifa do transporte coletivo no início de 2022, a advogada e especialista em Políticas Públicas, Desirée Peñalba, diz que tal situação gera a expectativa de inovações para ocupar o lugar de antigos meios de transporte, movidos a combustíveis fósseis. De acordo com ela, que também é mestre em Economia, o governo transmite ao mercado um fato real, isto é: não está sendo custeado o valor dos combustíveis para mascarar o problema que, de fato, está acontecendo.

Desirée Peñalba espera que essa crise pode ser o ponto de partida para busca de alternativas, como mais veículos elétricos na operação do transporte público:

“O presidente comentou que o combustível, por estar atrelado ao dólar, deve fazer aumentar o preço das tarifas de transporte público. Embora a notícia seja preocupante, cabe a expectativa que inovações possam aparecer e ocupar o lugar de antigos meios de transporte. Toda crise é um momento propício para oportunidades. Esforços públicos e privados podem se dar a partir do momento que modelos já precários e ultrapassados, mas que todos já estão acostumados a eles, começam a ficar caros e outras opções passam a fazer mais sentido. Quem sabe com energias alternativas ficando relativamente mais baratas em relação às provenientes do petróleo vamos ver mais veículos elétricos como transportes públicos? ”

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