Sanções contra a Rússia podem levar a uma nova ordem monetária

A guerra na Ucrânia deixou explícito que as tensões geopolíticas do século XXI têm novos frontes. No lado financeiro, o ocidente contou com um arsenal poderoso em represália à invasão russa na Ucrânia. As sanções impostas à Rússia ainda parecem estar isolando a economia russa a um ponto que poucos conseguem acreditar, incluindo os mercados. 

Por outro lado, revelou as fragilidades do sistema financeiro internacional, que é quase praticamente comandado por poucas nações. Afinal, quem controla as transações financeiras globais são os países do ocidente e suas moedas (especialmente o dólar), mesmo que no momento isso corresponda apenas a aproximadamente 50% da economia mundial.

A probabilidade de tirar a 11ª economia mundial do quadro financeiro fez com que países se preocupassem pelo nível de dependência de um sistema que não tem controle. Segundo o estrategista do Credit Suisse (SIX: CGSN), Zoltan Pozsar, o congelamento das reservas internacionais do banco central de uma nação pode, “de uma hora para a outra, tornar um agente superavitário deficitário”.

Do que adianta ter bilhões em reservas internacionais se esse dinheiro não pode ser usado? Isso alerta, como economistas têm se pronunciado atualmente, e acena que essa arma — as reserva fracionária — pode ter limites. 

Por exemplo, pode levar a países não alinhados ao ocidente a reverem suas atuações na sociedade global contemporânea — criada a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando o cenário geopolítico internacional era diferente.

“Nunca vi o uso do dinheiro como arma nesta escala. Mas esta é uma carta que só se pode usar uma vez. A China vai se concentrar em não precisar do dólar antes de ir para cima de Taiwan. É uma reviravolta na história monetária: o fim da hegemonia do dólar e a aceleração para uma ordem monetária bipolar” , 

Afirma o economista Dylan Grice, em sua conta do Twitter no mês passado.

Sendo assim, o ouro poderia voltar a reivindicar o papel que tinha antes: uma reserva financeira alheia ao valor do dólar. Pozsar menciona o ouro como uma das formas para que o acúmulo de superávits, “longe dos centros financeiros do Ocidente, semeie novos centros financeiros no Leste”.

Apesar das discussões sobre o sistema financeiro global não ser novo, o conflito na Ucrânia pode acelerar esse tema que vinha sido postergado há tempos. Uns defendem um Bretton Woods III, remetendo ao acordo liderado pelos EUA e assinado pelas 44 nações aliadas para criar o sistema financeiro que se inaugurou no pós-guerra. 

No entanto, essa não é a primeira vez na mudança de postura que se estabeleceu em Bretton Woods. Pelo projeto original, o acordo atrelou o valor da moeda americana ao do ouro, e todas as outras moedas ao valor do dólar. 

Em 1971, o acordo entrou em colapso, o governo Nixon suspendeu unilateralmente a conversibilidade do dólar em ouro, o que rompeu com o intitulado padrão ouro e passou a vigorar um sistema de câmbio flutuante — atrelado ao valor do dólar, iene, libra e ouro — muito mais oscilante. Pozsar alega que Bretton Woods III será baseada por “moeda externa“, quanto ouro e outras commodities.

“Estamos testemunhando o nascimento de Bretton Woods III — uma nova ordem mundial (monetária) centrada em moedas baseadas em commodities no Oriente que provavelmente enfraquece o sistema eurodólar e também contribuirá para as forças inflacionárias no Ocidente.” 

Nesse contexto, ele ressalta a projeção do dólar mais fraco, o yuan (moeda chinesa) mais valorizado e um Bitcoin fortalecido. Hoje, a inflação do dólar chegou ao seu patamar mais elevado em 40 anos, com o IPC de janeiro apresentando uma disparada de preços de 7,5% ano a ano. Seja como for, após essa guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o mundo não será mais o mesmo. 

Lucas Guimarães

Internacionalista e cursando MBA em Gestão de Negócios. Atualmente, trabalha na consultoria ULTRAMARES NEGÓCIOS INTERNACIONAIS e integra o grupo internacional Students for Liberty Brazil.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Livrarias
Economia

Projeto no Senado pretende fixar preço de livros e limitar desconto

O projeto de lei 49/2015 do Senado, agora chamado de Lei Cortez, pretende fixar o preço dos livros e limitar os descontos, que não deverão ultrapassar 10% dirante o período de 12 meses após lançamento. A iniciativa é amplamente favorecida por várias livrarias que alegam sofrer “concorrência desleal” com empresas maiores, como a Amazon. A […]

Leia Mais
Vietnã
Economia

Como o capitalismo venceu o socialismo no Vietnã

Phung Xuan Vu, de oito anos, e seu irmão de 10 anos foram responsáveis por buscar comida para sua família, que estava em constante aperto de fome. Eles viviam no Vietnã na década de 1980, então isso exigia cartões de racionamento. Um dos bens mais importantes da família era um livreto de vales-alimentação. Como a […]

Leia Mais
Argentina
Economia

Ação Humana em seu 75º aniversário nos ajuda a entender como o estatismo dizimou a Argentina

O septuagésimo quinto aniversário do livro Ação Humana de Ludwig von Mises nos convida a refletir sobre as conquistas acadêmicas de Mises e como a corrente econômica dominante ainda não alcançou seus avanços na economia. Como Jesus Huerta de Soto aponta em seu estudo preliminar para a versão em espanhol da décima terceira edição de […]

Leia Mais