Marx segundo Rothbard

Rothbard (2012) faz uma análise dos principais pontos do comunismo marxista. Para o autor, dentre todas as visões de marxismo já apresentadas, certas características são claramente iguais: a propriedade privada é eliminada, o individualismo é abolido, a individualidade é proibida, todas as propriedades passam a ser controladas de forma coletiva, e todas as unidades individuais do novo organismo coletivo são, de uma vaga maneira, iguais umas às outras.

Sendo assim, Marx simplesmente legou um enigma para suas futuras gerações de seguidores, os quais, desde então, ainda não chegaram a um consenso em relação à seguinte questão: afinal, o comunismo irá ele próprio gerar este mágico estado de superabundância, ou será que temos de esperar o capitalismo produzir esta superabundância para, só então, estabelecermos o comunismo? De modo geral, os grupos marxistas resolveram este problema — não na teoria, mas na prática — aderindo ferrenhamente a qualquer oportunidade ou arranjo político que os permitisse conquistar ou manter seu poder.

Rothbard (2012) formulou alguns pontos que justificavam os motivos de Marx não detalhar as características do comunismo:

i) Ele não tinha interesse nos aspectos econômicos de sua utopia; a simples pressuposição circular de que haveria uma abundância limitada já era o bastante pois seu principal interesse estava nos aspectos filosóficos do comunismo;

ii) Para Marx, assim como para Hegel, a história progride de acordo com a dialética, na qual uma etapa inevitavelmente dá origem a uma outra etapa posterior e contrária. Na versão neohegeliana de Marx, a “alienação” e o processo “dialético” gerariam a transcendência e a negação de uma etapa histórica, a qual seria substituída por uma outra etapa contrária à anterior.

Rothbard também indaga quanto ao fato de que mesmo o comunismo sendo confessamente tão monstruoso, um regime de “degradação infinita”, como alguém o defende? E mais, como alguém dedica toda sua vida, a lutar uma revolução sangrenta, para implementá-lo? A resposta está na mística da “dialética” — esta maravilhosa palavra mágica por meio da qual um determinado sistema social inevitavelmente produz sua negação transcendental e vitoriosa. A dialética, na visão de Marx, explica como toda a maldade existente — a qual, interessantemente, se materializa justamente na pós-revolucionária ditadura do proletariado e não no capitalismo.

No mundo comunista não se trata da distribuição de bens, mas sim a erradicação da divisão do trabalho, o que magicamente levaria ao desenvolvimento total das capacidades individuais e a um resultante fluxo de superabundância. Curiosamente, em um mundo assim, o famoso slogan da última frase, ao contrário do que se tornou arraigado no imaginário popular, passa a ser de importância totalmente trivial.

Portanto, para Murray Rothbard, considerando-se a natureza e as consequências do comunismo, rotular esta distopia de ‘ideal nobre e humanista’ é algo que pode, na mais benemérita das hipóteses, ser considerado apenas uma piada medonha, de gosto totalmente questionável. A noção sórdida de que o comunismo marxista é um ideal glorioso para os homens, mas que foi tragicamente pervertido por figuras como Lênin ou Stalin, pode agora ser colocada em uma perspectiva adequada. Nenhum dos horrores cometidos por Lênin, Stalin ou quaisquer outros regimes marxistas-leninistas é equiparável à genuína monstruosidade contida no “ideal” comunista de Marx.

Resumindo, sob o comunismo ideal, todos os indivíduos teriam de fazer de tudo, é evidente que muito pouco poderia ser realizado, mesmo antes da fome generalizada se manifestar. Para o próprio Marx, todas as diferenças entre indivíduos eram “contradições” que deveriam ser eliminadas pelo comunismo, de modo que, presumivelmente, a massa de indivíduos existentes teria de ser uniforme e perfeitamente permutável. Haveria um coletivo no qual cada indivíduo efetuaria qualquer tarefa mesmo sem ter nenhuma especialização.

Rothbard também apontou que alguns libertários se sentem tentados pelo objetivo anarquista do marxismo do “definhamento e desaparecimento do estado” sob o comunismo, ou pelo uso da frase: “um mundo no qual o governo de pessoas é substituído pela administração de coisas”. Para o anarcocomunista russo Mikhail Bakunin insistentemente demonstrou, é absurdo tentar chegar a um arranjo de total ausência de estado por meio da absoluta maximização do poder estatal em uma totalitária ditadura. O resultado será somente, e inevitavelmente, o estatismo máximo e a subsequente escravidão máxima. Bakunin profeticamente alertou para o fato de que uma pequena elite dominante irá novamente, após a revolução marxista, governar a maioria.

Mas, Rothbard continua e aponta que o problema da dialética não é nem o principal problema do comunismo marxista: para os marxistas, o comunismo ideal é um mundo sem propriedade privada, em que todas as propriedades e recursos serão controlados coletivamente. Com efeito, a principal reclamação dos anarcocomunistas em relação ao estado é que ele é supostamente o principal garantidor da propriedade privada, e que, portanto, para abolir a propriedade privada é necessário abolir o estado. A verdade, para Rothbard, é que com a propriedade privada misteriosamente abolida, a eliminação do estado sob o comunismo (tanto da variante marxista quanto da variante anarquista) seria necessariamente uma mera camuflagem para um novo estado que surgiria para controlar e tomar decisões em relação aos recursos geridos coletivamente.

Com base nesta visão de Rothbard fica claro sua total aversão a ideologia comunismo de Karl Marx. Mas demonstra também o quanto o “pai” do libertarianismo percebeu a influência do método dialético como elemento para validar as falácias comunistas.

Miguel Angelo

Coordenador Técnico do Mova-se Fórum de Mobilidade

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