Escrito por: Paulo Garcia (@gauloparcia)
Revisado por: Paulo Costa (@PauloDroopy)


O estado consegue afetar o mercado em geral – incluso a moeda –, genericamente dizendo, de quatro maneiras distintas: através da taxação, da regulamentação, da estatização – ou criação de estatais – ou da abolição total de cada setor do mercado. Em todos os casos, acaba por concentrar de forma artificial, e desviar o curso dos recursos através da coerção, para onde em via de regra não iriam.

É intrínseco ao estado obstruir parte ou todo o mercado, ao menos oficialmente [1]. Seja pela interferência em como operam as ofertas das empresas, ou pelas demandas das pessoas, através de regulações e proibições. Também o faz pela diminuição de recursos do setor privado, via cobrança de impostos.

Ludwig von Mises foi conhecido por diversas características, até então raras, que se demonstraram impactantes por serem pouco comuns. Sua inteligência acima da média e sua gigantesca contribuição para a ciência econômica e epistemológica não foram os únicos fatores importantes. Sua inflexível sinceridade e sua rigidez nas conclusões deram-no destaque. Uma de suas mais famosas frases ocorreu em uma convenção com diversos economistas e cientistas liberais, como relata Friedman:

Eu me recordo de um episódio particular, na primeira reunião da Mont Pelerin Society — a reunião de fundação de 1947, em Mont Pelerin, na Suíça. Ludwig von Mises era uma das pessoas que estavam lá. Eu também estava. O grupo teve uma série de discussões sobre diferentes tópicos. Em uma tarde, a discussão foi sobre distribuição de renda, impostos, taxação progressiva, e etc. As pessoas naquela sala incluíam Friedrich von Hayek, Fritz Machlup, George Stigler, Frank Knight, Henry Hazlitt, John Jewkes, Lionel Robbins, Leonard Read — dificilmente um grupo que você consideraria de esquerda. No meio daquela discussão, von Mises levantou-se e disse “Vocês são todos um bando de socialistas”, e saiu pra fora da sala [2].

Outra de suas maiores – e polêmicas – conclusões teóricas foi de que há apenas dois tipos de “regimes” econômicos: socialismo ou capitalismo [3] Analisando-se separadamente os setores e influências do estado, ou há mercado, ou há controle total do estado. Não há uma terceira via, alternativa entre os dois modelos. Intervencionismo nada mais é que 1) socialismo total aplicado a determinado setor, ou 2) um resistente mercado, apesar das doses de socialismo promovidas pelo estado [4].

Há diversas razões e vias – incluso pela ética – para que se defenda o total mercado, em sentido literal, incluso no que é comumente denominado como “dever do estado”. Algo que vai além do que os socialistas e socialdemocratas chamam de “capitalismo selvagem”: um absoluto laissez-faire. Proponho uma consistente defesa, econômica – praxeológica – e matemática deste.

A via da praxeologia [5] parte com premissas necessárias, as conclusões contidas na divisão do trabalho [6] e na lei da associação ricardiana [7]. São estas: pessoas e meios materiais em geral possuem capacidades – entre elas vocações, conhecimentos e aptidões físicas – diferentes. São mais adequadas, menos adequadas ou simplesmente inadequadas para diferentes atividades. Pode-se maximizar os rendimentos através da divisão de trabalho e da especialização na produção daquilo em que se é mais capaz – pressupondo demanda existente.

Prosseguindo da mesma maneira, diferentes pessoas possuem diferentes demandas, que também se alteram ao longo do tempo, dados nossos julgamentos de valor, moldados e modificados por nossos mutáveis anseios e conhecimentos. Por fim, deve-se também levar em conta a subjetividade da informação em duas camadas: os valores pessoais, i.e., subjetivos e igualmente mutáveis, atribuídos diferentemente a cada meio e fim; e o fato de a informação estar espalhada pela sociedade, sendo também interpretada de maneiras diferentes pelos indivíduos.

Assim sendo, a atribuição moral, social ou econômica ao estado, à exatamente qualquer serviço – e só tolos negariam que justiça, saúde e ensino são serviços –, é posta em xeque: como poderia o estado cobrir essa assimetria informacional em uma ordem centralizada, i.e., como poderia ele saber e suprir de maneira eficiente as constantemente diferentes e inconstantes ofertas, demandas, valores subjetivos, conhecimentos e metodologias; ou seja, todas informações – tácitas ou não – contidas e sendo alteradas numa sociedade?

A assimetria informacional [8] contrapõe absolutamente quaisquer ideologias ou posições estadistas que reivindiquem o bem maior, uma vez que a atuação do estado nada mais é que a concentração de recursos e a limitação de ideias, ao serem filtrados pelos julgamentos de valor de um ou alguns indivíduos com o poder do espólio “legítimo”. Resumidamente, o que será feito para toda a sociedade, é aquilo que os burocratas, ou o ditador, ou comitê central julgam, de forma genérica e ignorante, mais eficiente.

Em contraste a tal catástrofe metodológica que tange os problemas econômicos do socialismo e do intervencionismo, a eficiência de quaisquer serviços a serem prestados, ou demandas a serem satisfeitas, em qualquer escala ou especificidade, está contida única e exclusivamente no mercado. Este é composto por uma gama gigantesca de indivíduos agindo, a partir de diferentes informações, valores, metodologias e vocações. Todos buscando conquistas pessoais, necessariamente através da antecipação dos desejos alheios, tornando-se a exata ordem descentralizada descrita por Hayek [9].

Levando em conta, como fatores constantes, as condições da atuação de mercado, i.e., a coleta eficiente de informações, e os anseios por lucro através de satisfazer a demanda alheia, a matemática “Lei dos Grandes Números” também respalda a descentralização oferecida pela liberdade do mercado: quanto mais tentativas de se chegar a um resultado forem realizadas, em média, há uma maior chance de se produzir o resultado desejado. Somente as particularidades metodológicas e informacionais daqueles que ofertam serviços e produtos podem chegar a suprir os anseios particulares daqueles que os demandam.

Referências bibliográficas

[1]: MISES, L. v. Ação Humana, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010. Disponível em <https://amzn.to/3dKHN3n>; HOPPE, H. H. Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013, esp. Cap. 6; HOPPE, H. H. A Ciência Econômica e o Método Austríaco, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010. GARCIA, P. Hoppe e a Ciência Econômica de Mises. Disponível em: <http://voxbrasilis.com/hoppe-e-a-base-economica-de-mises/> Acesso em: 18 de julho de 2018.

[2]: MISES, L. v. Ação Humana, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, cap. 2. Disponível em <https://amzn.to/3dKHN3n>.

[3]: BASTIAT, Frédéric. O Que Se Vê e o Que Não Se Vê, São Paulo, Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010. Disponível em <https://amzn.to/2YINBq0>

[4]: ROTHBARD, M. N. O Individualismo Metodológico. Disponível em: <https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1253> Acesso em: 18 de julho de 2018. MISES, L. v. Ação Humana, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, parte VI. Disponível em <https://amzn.to/3dKHN3n>.

[5]: O exemplo da ilha de Cruosé já foi apresentado diversas vezes entre os autores da escola austríaca de economia, com diferentes fatores e situações, para demonstrar essa e outras conclusões. Não cabe aqui referenciar todas, mas apenas lembrar que já foi trazido por Rothbard, Mises, Bawerk, Soto, Hoppe, dentre outros.

[6]: HOPPE, Hans-Hermann. Democracia: o Deus que falhou, São Paulo, Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2014. Cap. 1. Disponível em: <https://amzn.to/2BaV48k>. MISES, L. v. Ação Humana, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, cap. 5. Teoria positiva do capital / Eugen von Böhm-Bawerk. — Nova Cultural. 1986. (Os economistas). GARCIA, P. Três Pilares da Economia Austríaca. Gazeta Libertária. Disponível em: <https://gazetalibertaria.news/pgarcia/tres-pilares-da-economia-austriaca/>. Acesso em 20 jun 2019.

[7]: GARCIA, P. Três Pilares da Economia Austríaca. Gazeta Libertária. Disponível em: <https://gazetalibertaria.news/pgarcia/tres-pilares-da-economia-austriaca/> Acesso em 20 jun 2019. JEVONS, Stanley. A Teoria da Economia Política & MENGER, Carl. Princípios da Economia Política, São Paulo: Editora Abril, 1983. Disponível em: <https://amzn.to/2VpXZk3> Acesso em: 19 de julho de 2018. MISES, L. v. Ação Humana, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, cap. 4.

[8]: DE SOTO, J. Huerta. A Escola Austríaca, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010. Disponível em: <https://amzn.to/3dIW0h9>.

[9]: MISES, L. v. Ação Humana, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, cap. 19. DE SOTO, J. Huerta. A Escola Austríaca, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, cap. 4

[10]: HOPPE, Hans-Hermann. Democracia: o Deus que falhou, São Paulo, Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2014. Cap. 1.


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