Autor: Pedro Micheletto Palhares (@DevilSSSlayer)
Revisado por: Laís Ribeiro (@laiscapitalisz)
Há uma certa polêmica ao se tratar do tema fascismo no debate público. A esquerda e a direita parecem empurrar uma para a outra a “responsabilidade” pelo regime. Mas como podemos categorizar tal ideologia política?
Devo adiantar que, como ideologia política, o fascismo é um tanto pobre, e não há uma resposta certa para a questão pois não há uma única definição para as asas políticas (direita e esquerda). A categorização política das asas direita e esquerda surgiram na revolução francesa, conforme o artigo de Cláudio Fernandes no portal Brasil Escola:
Os girondinos, considerados mais moderados e conciliadores, ocupavam o lado direito da Assembleia Nacional Constituinte, enquanto os jacobinos, mais radicais e exaltados, ocupavam o lado esquerdo. Essa é a origem da nomenclatura política que categoriza os posicionamentos políticos no interior dos sistemas políticos contemporâneos.
Neste contexto do processo revolucionário, a esquerda configurava todos aqueles que se encontravam insatisfeitos com o regime e buscavam meios revolucionários para alterar a realidade em que se encontravam, enquanto a asa direita buscava a mudança através de reformas e conciliação de interesses.
Com o passar dos anos e com o estabelecimento da economia de mercado (não totalmente pura mas uma economia mista mais voltada para o mercado), a ordem social vigente a ser conservada pela asa direita seria a economia de mercado dos liberais (filósofos liberais e economistas clássicos) já os revolucionários (inspirados pelo socialismo “científico” de Marx e Engels, pautado pelo materialismo histórico-dialético, cujo motor da história era a luta de classes e a etapa posterior ao capitalismo seria o socialismo e posteriormente o comunismo, que configurava o fim da história) seriam a esquerda.
Esta segunda caracterização inspirou a categorização econômica das asas políticas, que é representada abaixo pelo Diagrama de Nolan:
No diagrama de Nolan, a direita representa uma economia de mercado, descentralizada, de propriedade privada dos meios de produção, cuja produção é pautada pelo cálculo monetário econômico e contábil, baseado em expectativas matemáticas complexas, buscando a otimização da produção dada as limitações de matéria-prima, trabalho e capital e as necessidades da sociedade (consumidores). Já a esquerda representa a economia planificada, a propriedade estatal dos meios de produção, onde o planejador central decide, arbitrariamente, sem um sistema de cálculo monetário (e se houver, representa quantidades abstratas ao invés de dados reais de interações humanas), qual será a quantidade produzida de cada bem, sem levar em consideração as demandas da sociedade (e sem incentivos econômicos para tal adequação racional).
Já a divisão entre libertários e autoritários (representada no gráfico como liberal e comunitarista, respectivamente), se referem às liberdades civis (apesar de serem indissociáveis das econômicas, visto que a autonomia da tomada de decisões só existe dentre de um contexto de trade-offs, isto é, escolhas limitadas pela escassez pela impossibilidade alocativa simultânea de maneiras mutuamente excludentes causada através da limitação física dos recursos empregados na ação, portanto, econômicas). Ou seja, a defesa de um estado controlador é mais autoritária, e o oposto, mais libertária.
Antes de seguirmos com nossa análise, devemos trazer à discussão mais alguns conceitos, começando pelo de propriedade privada. Segundo o economista e mestre em filosofia Hans-Hermann Hoppe, o direito existe para resolver e eliminar conflitos. Os mesmos surgem da escassez, quando dois ou mais indivíduos possuem fins mutuamente excludentes para um recurso escasso, o direito de propriedade é proposto como solução, atribuindo a cada indivíduo o direito ao controle exclusivo de recursos escassos sob critério de apropriação originária (homestead lockeano), Hoppe demonstra com mais detalhes a impossibilidade de direitos conflitantes com a propriedade privada que cabem a outras discussões, mas por ora, a teoria natural de propriedade basta para nossa análise.
Outro tipo ideal é o conceito de socialismo do conservadorismo (a primeira vista pode parece um oximoro, mas será melhor explicado a seguir). Esse conceito explica que os conservadores aristocráticos (ao contrário dos conservadores capitalistas), em seu saudosismo da era pré-capitalista, buscam manter as estruturas de poder econômico através de políticas econômicas heterodoxas (de forma a manter o valor das propriedades). São elas: tabelamento de preços (desde congelar preços de mercadorias a salário mínimo), regulamentações (desde critérios estabelecidos por burocratas até direitos trabalhistas), e até mesmo controle comportamental (proibições de determinado comportamento causando restrições em demandas, como perseguição de grupos específicos). Esta denominação “socialismo” é cabível por, apesar do controle nominal da propriedade ser privado, a praxis do controle é estatal, isto é, na prática (controle real), quem toma as decisões é o planejador central ou grupo de planejadores centrais.
Agora vejamos os conceitos de coletivismo e individualismo. O coletivismo prega a soberania do coletivo na tomada de decisões, seja um grupo, as massas (populismo), nação (nacional-desenvolvimentismo, fascismo, nazismo), a classe trabalhadora (marxismo), uma etnia (racismo), uma “minoria” oprimida (justiça social da social democracia, apesar de se dizer à favor de liberdades individuais, seus grupos de pressão buscam benefícios legais ou redistribuição de renda, além de dependência do estado paternalista), entre outros. Ou seja, é intrinsecamente estatista (autoritário). Já o individualismo prega a soberania do indivíduo na tomada de decisões, o interesse próprio, a liberdade individual, a emancipação do indivíduo, a “produção anárquica” do mercado, enfim, a essência do liberalismo filosófico, liberalismo econômico e austrolibertarianismo.
Agora vejamos como tudo isso se aplica ao fascismo (e ao nazismo). O fascismo é uma ideologia, como supracitado, pobre, se sustenta no coletivismo nacionalista e chauvinista, uma Volkswirtschaft. Como diria Mises, sua simbologia é reflexo desse coletivismo, no qual simboliza o indivíduo como uma vara de madeira, que quebra, adoece, morre, à medida em que o feixe de varas (radical fascis do fascismo) representa a força da união, da nação, do estado.
Economicamente seu receituário é o socialismo do conservadorismo, as políticas heterodoxas analisadas por Hoppe (conforme explicado acima sendo a peculiaridade do nazismo na regulamentação comportamental), o racismo ariano e perseguição de grupos semitas (principalmente judeus/hebreus) e de comportamentos contrários à moral do Führer ou do Duce no caso do fascismo. (Ver “Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo” de Hans Hermann Hoppe e para a análise das consequências econômico-sociais de políticas heterodoxas desta estirpe, ver “Princípios de Microeconomia” de N. Gregory Mankiw).
Sendo diametralmente oposto ao internacionalismo individualista liberal (visto que o nazifascismo é nacionalista e coletivista), os fascistas, segundo Hayek, tinham como inimigo número um o liberalismo, e devido a seu apelo populista, era forte concorrente ao socialismo, tal como recrutava socialistas a sua causa (ver “O Caminho da Servidão” de F. A. V. Hayek, também vale pontuar que facções de anticapitalistas são rivais entre si, como stalinistas e trotskistas, anarquistas e socialistas ou marxistas ortodoxos, nas quais os mesmos se perseguiram entre si em alguns casos, a mera oposição aos demais anticapitalistas não é um critério tão relevante).
Após essa análise do fascismo e dos conceitos necessários para sua categorização, observamos que, pela ótica de definições da revolução francesa, o fascismo e o nazismo se enquadrariam em uma direita aristocrática radical (extrema-direita), já pela ótica de definições do diagrama de Nolan e da ciência econômica, o fascismo e o nazismo são categorizados na esquerda autoritária, que, dependendo do grau em que estas políticas atuam, podem encaixar o sistema em centro-esquerda autoritária ou extrema-esquerda autoritária.
Devido à ambiguidade terminológica das asas políticas, entendemos a controvérsia a respeito da categorização do nazifascismo e concluímos que esta categorização é relativa ao referencial semântico utilizado, que deve ser estabelecido para não incorrer em espantalhos e falácias dos quatro termos.
Portanto, o controle nominal da propriedade dos meios de produção pode ser enganoso para aqueles de pouco conhecimento econômico. Nenhum historiador jamais sonharia em contrariar uma verdade científica das ciências naturais, mas alguns parecem um tanto “terraplanistas”, por assim dizer, ao se tratar da ciência econômica, então devemos nos manter atentos a este tipo de confusão.
Referências:
[1] MISES, L. V. Ação Humana, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010 Disponível em: <https://amzn.to/2Z7Yhx5>. Acesso em 25 jun. 2020
[2] HAYEK, F. A. V. O Caminho Da Servidão, Disponível em:<https://amzn.to/2B8IWVb>. Acesso em 25 jun. 2020
[3] HOPPE, H. H. Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, Disponível em: <https://amzn.to/2Nuo4Kx>. Acesso em 25 jun. 2020
[4] FERNANDES, Cláudio. Direita e Esquerda; Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/politica/direita-esquerda.htm>. Acesso em 03 jun. 2020
[5] MARX, Karl. O Capital Vol I, Disponível em: <https://amzn.to/2NusEbG>. Acesso em 25 jun. 2020
[6] MANKIW, N. Gregory. Principles of Microeconomics. Disponível em: <https://amzn.to/3eCVzX2>.Acesso em 25 jun. 2020