Libertarianismo: qual estratégia adotar?

Um grande infortúnio do qual nós libertários estamos muito cientes é o de  apresentar o libertarianismo para qualquer pessoa, isso pois a maioria está convicta do atual sistema. Dependentes de uma cultura de agressão. Alguém ao te ouvir falar que concursos públicos deveriam ser extintos, por exemplo, muito provavelmente irá pensar que você é algum tipo de transtornado. Colocar a conclusão à frente das premissas e, simplesmente manifestar: “imposto é roubo”, “justiça, educação, segurança e demais serviços deveriam ser fornecidos por entes privados”, “o estado não deveria existir” é apenas contraproducente, imprudente.

Muitos libertários cometem o equívoco de colocar a carroça à frente dos cavalos. Muitos se estressam facilmente, por não aguentarem ouvir outra pessoa espalhar falácias, algumas vezes com ar de superioridade. Realmente, quando discutimos com alguém que defende veemente práticas as quais sabemos que são objetivamente erradas, regularmente nos irritamos. Sabemos desses problemas, e já passamos por eles, mas é fundamental que haja inteligência emocional nesse aspecto. É preciso colocar a razão à frente. Lembre-se, o leigo [maioria] entende que anarquismo é desordem fomentada por punks vagabundos comunistas. Ninguém imagina que existem anarquistas velhos, a exemplo de Hans-Hermann Hoppe e Walter Block.

Adiantar as conclusões é chocar. Quando se causa choque, você não é bem recebido, e a primeira impressão é sempre muito importante. Meu primeiro contato com o libertarianismo foi com um membro de uma chapa da minha faculdade, o qual veio pedir voto e, empolgado com o discurso, soltou o seguinte: “olha, vou ser sincero: sou anarquista; mas sou do tipo de anarquista que gosta de dinheiro“. Você acha que isso foi uma boa apresentação ao anarcocapitalismo?

Na época, eu, um social-democrata ferrenho, ao ouvir isso não poupei gargalhadas e, disparei: “cara, não há possivelmente como existir dinheiro sem Estado“. O sujeito foi motivo de piada por um bom tempo em meus círculos de amizade. Felizmente, no final das contas, todos perceberam que ele estava certo (sobre ser possível existir dinheiro sem Estado) e, a piada ganhou um tom reverso, irônico e totalmente surreal.

Meu ponto é: não adianta se apresentar como sabe-tudo, como se você tivesse o Santo Graal do conhecimento, e chocando gratuitamente. Claro, antecipar conclusões pode vir a ser uma estratégia, mas esta precisa ser extremamente bem executada, e costuma ser mais eficiente em palestras, por exemplo.

O libertarianismo é uma teoria jurídica e, mais especificamente, uma crítica deôntica. O que isso significa? É uma crítica ética. Uma busca para demonstrar objetivamente o que é certo e errado. Atualmente, vivenciamos uma cultura a qual relativiza o certo e errado, tornando folclore essa conversa de que “não ‘A Verdade’. Existem ‘verdades’”. O problema começa aí, quebrar tal paradigma pode vir a ser uma tarefa difícil.

Podemos concluir que nunca chegaremos a uma sociedade genuinamente libertária, isto é, com um nível considerável de libertários, sem uma cultura libertária. E como fomentar uma cultura? Atividades em grandes escala são ineficientes, é necessário começar por baixo. A seguir enunciarei exemplos estratégicos os quais podem disseminar o libertarianismo de maneira eficiente, até mesmo para o Seu João.

Garimpando Amigos

Essa é, muito possivelmente, a primeira estratégia a colocarmos em prática após ler o “Anatomia do Estado” [ou quando nos certificamos  que o libertarianismo é o correto]. Você recorreu a um relacionamento em que há respeito e confiança mútua suficiente. E é um método eficaz, já que a pessoa tem boas chances de converter outros, e assim por diante.

O que quero ressaltar é: o que facilita espalhar essa ideia é a confiança e o respeito mútuo. Acredito que nesse ponto ser chocante é válido, por ser alguém que confia em você. Ela pode discordar que “imposto é roubo”, mas vai procurar saber por qual razão você disse/pensa isso. É um terreno confortável para dissertar sobre.

No entanto, é necessário cautela: não é recomendado exagerar. Se você conhece algum defensor dos animais acima de qualquer coisa, afirmar que “animais não têm direitos” ou “a vaquejada é ética” apenas causará confusão, e um possível afastamento. Essa pessoa provavelmente não sabe diferenciar ética de moral e, agir de tal forma seria autodestrutivo.

A prática do homeschooling acaba sendo muito benéfica nesse contexto. Na medida do possível, os pais devem adotar a prática, diminuindo, assim,  consideravelmente a atuação do Estado sobre suas vidas.

A educação domiciliar é um meio de suma importância, uma vez que el tira o jovem do controle estatal, formando, assim, um indivíduo independente. Basta contemplar o caso da família Cypriano e notar como o Estado foi rápido para punir o casal. Crie essa cultura, não deixe a máfia dominar seus filhos.

Garimpando Desconhecidos

Agora começa a ficar complicado. O desconhecido a quem me refiro é aquele que não tem respeito e nem confiança suficiente por você. Nessa semântica a qual estou adotando, até seu pai pode ser classificado como desconhecido, pois ele pode não sentir segurança sobre suas opiniões. Não adianta ser chocante aqui, já que o êxito nessa circunstância é improvável. Provavelmente te julgarão como arrogante, e que você “é o dono da razão”. A conversa vai se resumir a “bom, esta é minha opinião e essa é a sua opinião. Respeite-a”.

De fato, algumas pessoas não têm uma primeira reação muito positiva quando confrontada com ideias as quais as tiram da zona de conforto, de modo que gastar tempo com elas seria desperdício. No entanto, existem outras formas de garimpar desconhecidos.

Empreendedorismo

Para quem possui algum empreendimento, é possível conciliá-lo com o libertarianismo. Venda de camisas, canecos; abrir uma empresa de arbitragem jurídica (tribunal privado) para resolução de conflitos. Para esse ramo não é necessário ter formação, apenas ser maior de 18 anos e ter a confiança das partes que te contratam. Assim, você estaria fomentando uma concorrência contra o poder judiciário; poderia abrir um condomínio e aplicar, em contratos, a Ética Libertária para resolver conflitos; se você for advogado, poderia restringir sua clientela para ramos mais próximos ao libertarianismo, sempre atendendo seus clientes com um viés libertário; incentive o uso de criptomoedas, etc. É possível.

Use seu negócio para difundir as ideias nas entrelinhas. O marketing pessoal e do empreendimento pode facilitar isso. Faça algo criativo para espalha essa cultura. Enfim, são inúmeras possibilidades, e cabe a você adaptar para sua realidade.

Escola, Faculdade e Internet

Fale a sempre verdade, seja trocando conhecimentos mutuamente ou passando-o unilateralmente. Adote critérios puramente racionais para atingir essa finalidade, assim irão reputá-lo como honesto e imparcial. Adotar subjetividades causará, naturalmente, o efeito contrário. A verdade nunca pode ser objeto de doutrinação, diante disso, é importante que haja uma base epistemológica, ética e econômica (de preferência nesta ordem) para quando realizar-se uma troca de conhecimentos.

E como falar disso tudo para desconhecidos no ambiente de estudos e da internet? Grupos de estudos. Crie um grupo com temática libertária, convide pessoas para participarem tanto como membros quanto como ouvintes. Fomente a apresentação de palestras, reuniões para leituras e discussões de livros, organize debates entre alunos e professores; desenvolva trabalhos científicos, buscando sempre publicá-los de alguma forma e, também, apresentá-los.

Pela internet, também é possível criar grupos para reunir pessoas as quais pensam similarmente a você. Também é executável criar uma página em qualquer rede social para promover essas ideias. Você só deve estar preparado, em termos de estudo, para não propagar desinformação

Seu João

A ele você dificilmente ensinará os três princípios da lógica, a estética transcendental, de Kant, as três categorias de conhecimento, Ética Argumentativa e praxeologia. Não adianta utilizar de vocabulário rebuscado, alguém mais simples entende muito mais facilmente com um choque de realidade combinado a um discurso o qual ele consiga aplicar em sua vida.

Ninguém aprecia políticos. Ninguém tem vontade de pagar imposto. Todos sabem que a polícia nunca chega na hora. Todos sabem que hospitais são corredores da morte. Todos sabem que os Correios não funcionam. Todos sabem que a gasolina é cara, e remédios também. Enfim, todo mundo tem noção disso tudo.

Infelizmente, existem pessoas sem tanto acesso à informação mais refinada. Coloque em mente que essas pessoas são todos libertários em potencial: precisam apenas de um empurrãozinho. Só um choque na hora certa. Se não for o caso, demonstre a ela de outra forma que o “capitalista malvadão”, o qual os políticos tanto pregam, na verdade, é o próprio governo, uma gangue. Este que é ganancioso, avarento, que escraviza trabalhadores, que fica com a maior parte de seus bens; demonstre que o capitalista de verdade é o próprio Seu João, que trabalha como camelô e vende junk food nas ruas.

Ele só precisa se convencer que seu inimigo é o Estado e, que este não tipo deve existir, ainda que seja “eficiente” e que “funcione”. Ele sempre será um criminoso sem escrúpulos. O Estado nunca deve fazer nada, porque além de ser objetivamente errado, ele sempre vai prejudicará seus servos.

Política e Funcionalismo Público

Esqueça da política, ela é que mantém o Estado e este nada mais é do que a organização dos meios políticos, os quais, nas palavras de Franz Oppenheimer, são definidos como apropriação unilateral do trabalho de outrem. Não há como consistentemente defender o libertarianismo pelos meios políticos, pois para atingir uma finalidade você teria de concordar com eles, os quais são errados. Mesmo que renuncie todas as verbas do seu salário e só prejudique o Estado, você provavelmente será sabotado pelos demais políticos e, quase não terá resultado. A conduta política pressupõe o reconhecimento de que o Estado deva fazer algo. Veja, no que isso contribuiu para o libertarianismo? Alguém percebeu que o Estado é errado? O poder do Estado realmente esvaziou-se? Ou apenas foi diminuído? Não adianta tentar converter bandidos, é desperdício de tempo.

Quanto ao funcionalismo público, receber dinheiro oriundo de impostos é cometer crime de receptação, o qual é uma violação de propriedade. Lembre-se: o libertarianismo é sobre o correto e o errado, não  sobre o que “é mais útil”. Ainda que você se infiltre no aparato estatal,  sabotando-o o máximo possível por dentro, uma hora você terá de agredir alguém, por ser intrínseco ao cargo. Senão, você é destituído. Sabotar o Estado e dificultar suas atividades é positivo? Sim. Pelo meio político e funcional também é bom, mas errado, pois um mínimo de agressão você terá de efetuar para se manter na gangue.

Como fazer então? Impulsione uma cultura libertária; use meios voluntários para fazê-lo. Você não deixará de ser anarcocapitalista se for político, mas definitivamente não será um libertário. Todo libertário é anarcocapitalista, por seguir a ética; mas nem todo anarcocapitalista é libertário, pois podem seguir o utilitarismo (pragmatismo).

Enfim, essas foram algumas estratégias as quais podemos adotar para futuramente, quem sabe, atingirmos uma sociedade satisfatoriamente libertária e de princípios sólidos. De nada adianta o Estado acabar sem uma cultura pró indivíduo e pró propriedade previamente estabelecida. Sem ambas, o empenho será inútil, pois basta um socialista assumir o poder para voltarmos à estaca zero.

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