Durante a conferência Property and Freedom Society, realizada em Bodrun, Turquia, entre 19 e 24 de setembro de 2024, o filósofo e economista alemão Hans-Hermann Hoppe fez algumas importantes considerações sobre o atual presidente da Argentina, Javier Milei. Hoppe apontou os pontos positivos da gestão do Milei, mas não poupou críticas aos pontos negativos.

Milei como um desastre

Hoppe começa seu discurso ressaltando os pontos positivos do governo de Milei na Argentina, mencionando a redução de impostos em alguns setores da economia, bem como a redução de funcionários públicos e a redução da inflação. Após isso, ele passou a ressaltar os pontos negativos, como a criação de novos impostos, aumento de alguns gastos, como com os militares, e pela inflação, que apesar da redução, permanece bastante elevada.

Hoppe também criticou o não cumprimento da promessa que Milei fez durante sua campanha de abolir o Banco Central da Argentina. Além disso, ele também criticou Milei por não ir além, ter descentralizado ainda mais o estado argentino, concedendo maior autonomia para os governantes locais, o que para Hoppe seria um caminho para uma maior liberdade para os argentinos.

No fim de seu discurso, Hoppe encerrou afirmando que Milei seria uma “decepção total” como libertário.

Reação do público libertário

Muitos libertários reagiram de forma positiva ao discurso do Hoppe, concordando praticamente com tudo o que foi dito sobre Milei. No entanto, um grande número de libertários criticou Hoppe, o acusando de desconsiderar a “realidade prática” em prol de “um idealismo puritano”.

Nada diferente do que já estamos acostumados, vindo daqueles libertários gradualistas que estão sempre prontos para fazer concessões ao estado na vã esperança de que, com isso, e com muita paciência, alcançaremos uma sociedade libertária. Ledo engano.

O que muitos libertários ainda não entenderam

O que todos estes libertários deveriam ter aprendido é que enquanto existir um estado, a classe de políticos e burocratas que o formam fará de tudo para preservá-lo, com todos os seus privilégios que dele advém. Com isso, qualquer político que chegar ao poder só poderá ir até onde tal grupo permitir.

Os próprios gradualistas muitas vezes admitem isso. No entanto, ainda se apegam à ilusão de que com o tempo as pautas libertárias poderão avançar. O que não será possível enquanto houver uma classe política e burocrática interessada em manter o poder do estado, e como dito, enquanto o estado existir, eles existirão, pois eles são o estado propriamente dito.

O estado não existe como algo natural, inerente à sociedade. Mas como uma casta de parasitas e bandidos que a parasitam. E, como Rothbard e La Boete já mostraram, enquanto houver submissão por parte da sociedade ao estado, ele existirá. Não adiantará nada a tentativa de colocar políticos libertários para destruir um sistema cuja existência depende da sujeição passiva da sociedade.

Ao mesmo tempo, se a sociedade não tolera mais esse tipo de instituição, a necessidade de colocar um político “libertário” (uma total contradição) é desnecessária. Chamo isso de paradoxo do gradualismo, que mostra o quanto ele é inútil. E digo que ele é inútil dado a necessidade de se sujeitar às regras do estado para atuar na vã ilusão de que conseguirá alcançar o objetivo da liberdade.

Isso não significa que toda redução do estado não seja bem-vinda. Concordo com Hoppe sobre os pontos positivos do governo de Milei. Qualquer aumento da liberdade, por mínimo que seja, deve ser celebrado pelos libertários. Minha crítica é aos libertários que se contentam com isso e se iludem, achando que o objetivo de uma sociedade libertária estará mais próximo. O que Hoppe mostrou não ser o caso no governo de Milei.

Na verdade, não é o caso de nenhum governo supostamente “libertário”. E por isso faço coro a todas as críticas de Hoppe a Milei.

Hoppe e o Mises Institute também possuem seus erros

Apesar de Hoppe e o Mises Institute, ao qual ele é bastante associado, estarem mais corretos que os gradualistas, em geral, ambos também possuem seus erros. Tanto Hoppe quanto os membros do Mises Institute rejeitam a visão gradualista de começar de forma moderada com a convicção de que, por uma série de reformas, uma sociedade libertária poderá surgir.

No entanto, apesar de seus insights completamente corretos no aspecto ético e econômico, Hoppe e o Mises Institute falham, por ainda abraçar uma estratégia de participar da política, mesmo que de forma “defensiva”. Diferente dos gradualistas, os membros do Mises Institute apelam para o que pode ser chamado de “uso defensivo da democracia”, que consiste em tentar eleger o político “menos pior” para apenas atrasar o avanço do estatismo até que a conscientização do libertarianismo tenha atingido o máximo possível da sociedade.

O uso “defensivo” da democracia

Os gradualistas, como já disse, ignoram que a mudança social de uma sociedade estatista para uma sociedade libertária só poderá ocorrer de baixo para cima e não ao contrário.

Ao mesmo tempo, tal abordagem diferente da dos gradualistas não parte de concessões, mas já busca de antemão implementar o máximo de políticas de redução do estado o máximo possível, e mesmo fazendo concessões devido à resistência da oposição governante, adeptos desta estratégia focarão nas medidas mais próximas aos seus interesses.

Diferente dos gradualistas que focam exclusivamente na reforma política, os adeptos do “uso defensivo da democracia” irão, paralelo a isso, buscar educar o público visando convencê-los a apoiar suas propostas. Eles sabem, diferente dos gradualistas, que a mudança começa de baixo para cima.

Tal abordagem pode ser muito bem observada em todas as campanhas que o Mises Institute fez a políticos considerados mais próximos de seus ideais em comparação aos concorrentes, como Patrick Buchanan, Ron Paul e Donald Trump. Outro exemplo disso foi a criação do Mises Caucus, um segmento libertário próximo aos paleoconservadores dentro do Libertarian Party (Partido Libertário).

O problema com tal abordagem

Apesar de tal abordagem do Mises Institute ser mais realista que a abordagem gradualista, ela comete o mesmo erro, só que em um grau menor. Embora o Mises Institute saiba da importância de conscientizar a população para que uma sociedade libertária seja possível, ao aceitar participar da política, já estarão fazendo uma concessão antecipada ao estado, aceitando lutar pela liberdade nos termos estabelecidos por ele.

Com isso, qualquer medida de redução do estado só será possível enquanto o grupo político dominante aceitar. Tudo bem, eles podem apontar para que, enquanto fazem isso, também estão conscientizando as pessoas contra o estado e aumentando o apoio para tais medidas. Mas o fato inegável é que, de toda forma, ainda estarão fazendo concessões ao estado e jogando dentro de suas regras.

Além disso, ao defender a via política como um caminho viável para a liberdade, os membros do Mises Institute estarão enviando a mensagem de que o envolvimento com o estado não é algo ruim por si mesmo. Mesmo que essa não seja sua intenção, tal abordagem pode levar à tal confusão. E muitos defensores do Milei hoje começaram com o uso “defensivo” da democracia antes de caírem no completo gradualismo.

E se a defesa da participação na política para alcançar a liberdade for um enfraquecimento da mensagem libertária? Será que um discurso que defendesse uma rejeição completa ao envolvimento com o estado não poderia gerar um efeito melhor? Tenho motivos para acreditar que seja esse o caso. Basta olhar para todos os influencers libertários que se tornaram mornos após defenderem o uso “estratégico” do estado para alcançar a liberdade.

O caso do Hoppe não é tão diferente

Diferente dos membros do Mises Institute em geral, Hoppe tende a rejeitar as eleições presidenciais como um caminho para a liberdade. Ao invés disso, ele aposta no uso da democracia para fins “antidemocráticos” incentivando o público a focar, se possível, exclusivamente nas eleições locais (tanto estaduais quanto municipais).

A ideia é fomentar um grupo de líderes naturais em cada região que almejem e incentivem a população a ignorar o máximo possível o governo federal. Tal abordagem visa fortalecer os governos locais e, na mesma medida, enfraquecer a sujeição destes ao governo central. Com isso, a possibilidade de um separatismo de cada estado seria maior, tendo como foco principal a descentralização total, de preferência, até o nível do indivíduo e de sua propriedade.

Tal abordagem de Hoppe é minuciosamente apresentada em seu livro O Que Deve Ser Feito.

Por mais que tal ideia seja interessante e que o separatismo seja um ótimo caminho para descentralizar o poder do estado, é pouco provável que tal objetivo seja alcançado por meio da democracia. Tal abordagem sofre dos mesmos problemas das demais que apostam na democracia, uma vez que a classe política e burocrática não concederá liberdade a tais estados tão facilmente.

Não é algo impossível de ser realizado, mas a descentralização por esse meio é pouco provável de ser bem sucedida. Além dos mais, como já dito sobre o gradualismo e o uso “defensivo” da democracia, a abordagem do Professor Hoppe ainda faria concessões ao estado, mesmo que em menor grau. E, com isso, ela não seria uma ameaça direta e imediata aos seus domínios.

Importante apontar que por mais que Hoppe aconselhe os libertários a ignorarem as eleições presidenciais, ele mesmo admite em seu discurso contra Milei que ficou empolgado com sua eleição e que “esperava mais dele”. Isso dá a entender que em casos raros Hoppe abre exceções sobre apoiar eleições presidenciais.

O verdadeiro caminho para a alcançar a liberdade

O verdadeiro caminho para alcançar a liberdade foi apresentado por Samuel Edward Konkin III, e se chama agorismo, que consiste no uso consciente da contraeconomia para se chegar a uma sociedade libertária. A contraeconomia consiste no conjunto de todas as atividades pacíficas proibidas pelo estado, como contrabando, pirataria e sonegação fiscal.

Como Konkin demonstrou, somente a contraeconomia é eticamente consistente com a ética libertária e somente o seu exercício nos liberta de fato do domínio do estado. Se quer aprender mais sobre o agorismo de Konkin, baixe o livro “Esmague O Estado“, que inclui, além de seu Manifesto do Novo Libertário, outros ensaios que explicam do que se trata tal estratégia.

Você também poderá ler estes mesmos ensaios online aqui no site da Universidade Libertária. Se quiser um guia para conhecer melhor sobre a prática da contraeconomia, baixe o livro Contraeconomia: Fugindo das Garras Tecnocráticas do Estado, escrito em parte por Konkin e complementado por Derick Broze.


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