Os atos realizados em Brasília na tarde desse último domingo exemplificam perfeitamente a dinâmica de dominação estabelecida. Os apoiadores de Bolsonaro não apenas cometeram o erro de confiar em políticos, mas nas forças armadas que, quando necessário, lutam para manter o mesmo poder que os oprime.

Sob a ilusão das forças de segurança servirem à população, por meses, manifestantes suplicaram por uma intervenção militar para “salvar o Brasil” da ameaça do comunismo e do autoritarismo. Na verdade, as forças de segurança realizam a segurança das elites, blindando-as da ameaça representada pela população que comanda. São braços armados utilizados para garantir a continuidade da exploração.

O processo democrático mantém a ilusão de poder de decisão ao povo subjugado. Sob a ilusão de políticos serem mais que humanos, transformados em figuras a serem veneradas, são neles projetadas as imagens de salvadores e de grandes líderes com a capacidade para guiar e salvar a nação e o povo dos males que os ameaçam. A esperança é fundamental para a manutenção e perpetuação do sistema de dominação, pois, sob o véu da esperança, o poder continua majoritariamente nas mesmas mãos e com os mesmos interesses fundamentais. O sentimento de revolta também é algo natural na democracia, pois ela, assim como a esperança de uma realidade melhor, serve de motor para manter o sistema vivo. O ódio também une.

O que vimos no domingo foram indivíduos confusos expressando sua raiva na destruição de patrimônio estatal. Como todo o patrimônio estatal é ilegítimo, seguindo sua própria existência, os atos de destruição não violaram a ética de propriedade, mas também não foram eficazes para atingir os objetivos propostos. Nem poderiam ter sido. As reivindicações nunca foram sobre liberdade, nem mesmo uma crítica às instituições estatais, mas apenas aos seus ocupantes temporários.

A destruição física de prédios e instalações pertencentes ao estado pode ser um ato simbólico para representar o descontentamento, mas o verdadeiro poder do estado se encontra nas mentes das pessoas que o apoiam, nenhuma destruição física será efetiva para erradicar um mal que, na verdade, vive dentro de cada um que nele acredita.

Os atos de domingo, além de inúteis para o avanço da liberdade, justificaram ações que promoverão exatamente o contrário. Os efeitos do que ocorreu fortalecerão ainda mais o poder estatal, assim como ocorreu durante a recente pandemia. As fronteiras da ação estatal são estendidas quando justificativas são encontradas para a sua expansão. O que antes não teria sido aceito, agora o é.

Assim, mesmo que a conta-gotas, o estado se fortalece e mais profundamente se consolida na vida e nos contextos sociais. A potencialidade pode já existir, mas a consolidação apenas surge com a atualização da multifacetada ilusão sob a qual se aceita a nova realidade do poder.

Agora, com a justificativa de garantir a segurança e o processo democrático de um estado de direito, elevações no nível existente de censura serão mais facilmente toleradas, bem como o aumento do monitoramento de comunicações eletrônicas e prisões de dissidentes. A mídia, o braço informacional do poder estabelecido, classificará, em todas as oportunidades possíveis, os atos como terroristas ou de vandalismo realizado por extremistas e golpistas, para implantar a ideia, elevando a gravidade do problema, de que uma solução estatal está justificada e deve ser estabelecida.

Contrariamente à crença de muitos, o estado não surgiu de uma vontade coletiva de sair de um estado de anarquia, por meio da abdicação de direitos em prol de proteção e segurança, visto que a sociedade não pode se estabelecer em um regime de perpétua luta e conflito, em um território sem leis. As bases para o crescimento civilizacional não surgiram devido ao estado; o estado não criou a ordem social, ele a corrompeu para perpetuar seus interesses.

A verdadeira libertação apenas virá quando a esperança no estado deixar de existir. Se o estado inicia no ponto onde ocorre a sistematização da coerção, termina no ponto onde é respeitada a sistematização do consentimento.

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