Tomás de Aquino no Tratado da bem-aventurança (Summa Theologica, Part I-II) irá tratar sobre o fim último da vida humana, este texto se centraliza na Questão 1: Do fim último em comum que não demonstra que a existência de um fim último é uma exigência(necessidade) de toda a ação(práxis) humana. Este assunto é de suma importância, pois a ação humana é indissociável de qualquer estudo pertinente sobre philosophia moralis (filosofia moral) tendo implicações éticas e políticas.
Análise praxeológica da ação humana
A ação humana tem como característica a preexistência de dois fatores para a sua realização: a vontade e a razão. A primeira é responsável pela determinação do fim que constitui a direção no qual a razão irá se ordenar os meios para a sua realização, peguemos como, por exemplo, a sensação de sede, para eliminar a sede o agente pode desejar beber água e para isto irá buscar os meios para esta realização, como comprar uma garrafa de água.
Esta liberdade da vontade e da razão é próprio do que chamamos de livre-arbítrio, ou seja, a liberdade que o indivíduo tem de dispor livremente a sua vontade e razão. Toda ação que se dá em virtude da vontade é chamada de voluntária e por poder escolher os múltiplos meios para sua realização é chamada de deliberativa. Portanto, o homem é senhor de seus próprios atos, sendo um ser que “se move a si mesmo e é por si mesmo movido” (Art. 3), diferente de um ser inanimado como uma pedra ou animais irracionais que se movem irracionalmente guiado pelos seus instintos.
Outro ponto importante ressaltado por Tomás de Aquino é que o fim disposto pela vontade e é o que dará o sentido no qual a razão irá dispor os meios para a realização da ação humana e assim é propriamente dito como causa da ação, é aquilo que Aristóteles chama de causa final, todas as ações humanas tendem a um fim qualquer intencional e o determinação do fim portanto funciona como causa da ação, assim lemos que “último na execução, o fim é contudo o primeiro na intenção do agente, e por isso tem a natureza de causa” (Art. 1). É importante distinguir a ação humana involuntária, como a retração do corpo após tomar um susto, e a ação humana por excelência que é voluntária e deliberativa, sempre dizemos neste segundo sentido, assim “chamam-se propriamente ações humanas só aquelas de que o homem é senhor” (Art. 1).
Segundo Tomás de Aquino, o ser é atualizado em um devir de potência para o ato, como a estátua de mármore que existe potencialmente na mente do escultor e que pode ser atualizado no bloco de mármore. Na ordem das causas, a causa final é o primeiro termo que dirige teleologicamente o ser na sua realização concreta; retornando ao exemplo anterior, a causa material é do que é feito a estátua de mármore, a causa formal é o que é a estátua de mármore e a causa eficiente é o que transforma este bloco de mármore em uma estátua, i.e, o trabalho do escultor, porém é muito importante frisar que o bloco só vem-a-ser estátua pois a causa final indica o sentido(fim) das causas anteriores.
No escopo da ação humana, é a vontade de onde origina-se a causa final intrinsecamente, isto é, parte do sujeito e não de algo externo ao sujeito. Sumarizando o que foi explicado acima, Tomás de Aquino diz que “a primeira de todas as causas é a final; pois, a matéria não busca a forma senão quando movida pelo agente, nada passando por si da potência para o ato […]para produzir um determinado efeito, necessário é que seja determinado a algo certo como natureza de fim” (Art. 2). (Isto foi um resumo sucinto da teoria das quatro causa, estudos mais aprofundados é indicado e também não entramos na questão de qual é a causa da vontade, que é campo próprio da psicologia).
Fim último da vida humana segundo Tomás de Aquino
Segundo o Aquinate no Art.4 temos que “Propriamente falando é impossível, em relação aos fins, proceder-se ao infinito, por qualquer lado que seja. — Pois, em coisas que constituem por si mesmas uma ordem mútua, necessariamente, removida a primeira, removidas serão as que dela dependem”, assim ele busca demonstrar que se não há um termo primeiro é impossível conceber um segundo, um terceiro e ad infinitum, fazendo assim necessário a existência de um primeiro termo que age como um primeiro motor dos motores segundos que só seriam dispensável se a ação fosse acidental, porém isto é estranho a natureza da ação humana que ordena-se em virtude de um certo fim dado pela vontade.
Continuando, no Art. 6 é dito que “o último fim está para a moção do apetite como o primeiro motor para as outras moções”, assim como foi demonstrado a necessidade de um primeiro termo para a ação humana, forçosamente o fim último seria este primeiro termo no qual torna possível ao agente a ordenação dos bens particulares em virtude da realização deste bem final, ou seja, o homem age crendo que os efeitos de suas ações particulares o conduzirá a realização do bem último, há uma relação de causalidade (a causalidade em si já é suficiente para extensas discussões metafísicas, não será abordado neste texto).
Pensando dentro de uma hierarquia de bens humanos, o bem-ultimo esta como primeiro motor, causa final e fim último de toda ação humana, os bens particulares ou intermediários são as causas segundas que permitem a realização final da ação última do homem. Peguemos um exemplo simples, imagine que eu queria ter um corpo escultural, para isto irei buscar ter uma alimentação saudável e fazer exercícios físicos, para me alimentar de forma saudável irei buscar escolher alimentos que permitam a realização deste fim, perceba que estes fins estão submissos hierarquicamente a um fim maior que é ter um corpo escultural.
Concluímos que “todos convêm no desejar o fim último; pois todos desejam alcançar a própria perfeição, que é a essência do fim último, como já se disse” (Art.7), pois a perfeição implica na atualização de todas as potências, isto é, perfeito é estar feito, atualizado. Como foi demonstrado anteriormente, toda a ação humana está inclinada a realização de um fim e é forçoso dizer que este fim se dirige a perfeição, pois somente a perfeição possibilidade o encerramento da volição, pois aquilo que é perfeito não está potente a nada, ou seja, não há outro fim se não a si mesmo. Assim, justificamos que toda a ação humana tende a perfeição que a tem como termo último, a sua última finalidade, que é aquilo que teleologicamente irá dirigir todas as demais ações enquanto fins subservientes a este fim último.