A reportagem especial desta semana vai além de discussões teóricas, abordando as opções práticas para as ações agoristas de contraeconomia.

A ágora grega

Agorismo é o sistema filosófico que engloba a contraeconomia. Na Grécia Antiga, existiam as ágoras, locais muitas vezes situados no centro das cidades que serviam como polos de encontro, comércio, debate e expressão cultural. As ágoras gregas representavam muito mais do que simples espaços físicos; elas eram o coração pulsante da vida cívica e intelectual das cidades-estado helenísticas.

Em essência, as ágoras eram verdadeiros centros de livre mercado e discussão de ideias. Comerciantes e artesãos se reuniam para trocar mercadorias e conhecimentos, fomentando o comércio e o desenvolvimento econômico. Era um lugar onde a diversidade cultural e os produtos das diferentes regiões se entrelaçavam, enriquecendo a vida cotidiana. Os cidadãos se reuniam nas ágoras para discutir os assuntos da cidade, expressar suas opiniões e tomar decisões coletivas.

As ágoras eram, portanto, locais de intensa atividade intelectual, verdadeiros mercados abertos. Filósofos, oradores, poetas e pensadores se encontravam para debater temas variados, desde ética e filosofia, até questões sociais e políticas. Tais discussões ajudaram a moldar o pensamento grego e influenciaram a evolução da sociedade. Como nas ágoras gregas, no cerne do Agorismo, encontramos a liberdade, em suas mais variadas formas. O bom de um sistema livre são suas possibilidades infinitas.

Prática Criminosa?

Comumente relacionada ao mercado negro, a contraeconomia, em verdade, se refere à realização pacífica e sem restrições ilegítimas de todo ato econômico proibido, regulado ou dificultado pelo estado. Toda ação que vai contra a tendência controladora/centralizadora que caracteriza a dinâmica estado-sociedade. Ações do cotidiano são facilmente nela enquadradas, também o caso das ações comunitárias.

A Gazeta recentemente publicou um pequeno artigo sobre como membros de comunidades, cansados de esperar pelo poder público, se uniram e resolveram os problemas que enfrentavam, por vezes, por décadas. A mobilização de membros da comunidade para a limpeza de praças, pavimentação de ruas, construção de passarelas e pequenas pontes, etc., são todos exemplos de ação contraeconômica.

Toda vez que um indivíduo utiliza meios não controlados pelo estado para a realização de transações financeiras, utiliza softwares e aplicações livres e de código aberto, consome informação por meio de canais de mídia alternativa, aprende a plantar seu próprio alimento, cria redes comunitárias de ajuda mútua e troca de favores, estabelece mercadinhos locais comunitarios, promove formas locais de proteção (como redes do tipo vizinho solidário) ou investe em formas descentralizadas de geração de energia e comunicação, ele age de forma contraeconômica. Podemos ver, então, que contraeconomia não é sinônimo de crime, mas de autonomia e autodeterminação.

O surgimento e disseminação de plataformas como Uber e Airbnb são exemplos notáveis do poder da cooperação voluntária. Com o avanço das tecnologias digitais, o agorismo entrou em sua nova fase. Atualmente, tecnologias P2P, descentralizadas ou federadas são imunes à censura estatal. Exemplo são a rede Onion Tor, o aplicativo de mensagens criptografado Session (com sua rede Onion Lokinet), o mensageiro Simplex, redes sociais como Mastodon, Minds e Nostr, bibliotecas digitais não reguladas que disponibilizam títulos sem se importar com direitos autorais, economia de criptomoedas, etc.

A revolução tecnológica possibilitou plataformas como a Freedom Cells. Centrada na comunidade, células de liberdade são iniciativas voluntárias de cooperação. Os membros das células se organizam de forma não hierárquica para a criação de instituições paralelas. O objetivo é a criação de grupos com foco na ajuda mútua de seus participantes.

Crédito, capital e empreendedorismo

Estabelecida a comunidade de inter-relações, os membros possuem diferentes formas de organizar o que tradicionalmente é visto como papel dos bancos oligárquicos ou estruturas hierárquicas habituais.

Bancos de Tempo

Tendo o conceito surgido dos socialistas do século XIX, o banco de tempo é uma forma alternativa de realização de trocas. O meio de troca é o tempo, podendo ser utilizado para adquirir produtos ou serviços. Todos os trabalhos executados são considerados equivalentes no tempo, os indivíduos trocando uma hora de seu tempo pela hora de outra pessoa, ou saldo equivalente. Não há nada, no entanto, que impeça a variação dessa paridade, podendo ser feita por vontade de seus participantes.

Por exemplo, caso você seja o tutor de matemática de uma criança por 10 horas, você possuirá esse montante de crédito de tempo, que poderá ser utilizado para contratar, digamos, 5 horas de serviço de pintura e 5 horas de serviços de um eletricista. O executor da tarefa herda o saldo gasto pelo contratante do serviço.

Uma grande variedade de serviços pode ser disponibilizada por meio desse sistema, desde trabalhos considerados informais, como cortar a grama ou auxiliar no cuidado de idosos, até serviços profissionais mais tradicionais, sendo também uma alternativa para disponibilizar serviços comumente não remunerados.

O saldo de horas pode ser representado por cédulas impressas, ou por via eletrônica. Por meio das trocas realizadas, os administradores do sistema podem avaliar os prestadores de serviço, a fim de evitar abusos em seu uso.

A maior parte dos Bancos de Tempo está vinculada a uma determinada região, com foco em uma comunidade específica. Outros são criados para um fim específico, oferecendo, por exemplo, serviços de saúde e benefícios, como a concessão de créditos de tempo aos que doam sangue, ou a reabilitação de condenados por crimes não violentos, estimulando seu retorno à comunidade. As possibilidades são vastas.

Cerca de 500 organizações desse tipo estão presentes nos Estados Unidos, envolvendo 37.000 pessoas no total; também estando presente em países como Inglaterra, França, Itália, Portugal, Rússia, China, Austrália e Brasil.

Bancos cooperativos

Bancos cooperativos centrados na comunidade oferecem alternativas mais baratas, pela maior confiança, por não serem motivados primordialmente pelo lucro e devido aos menores riscos envolvidos.

Contas conjuntas comunitárias podem ser criadas, acumulando recursos dos membros para serem utilizados em determinado objetivo, pagando juros proporcionalmente ao montante direcionado.

O saldo de contas poupança pode ser utilizado como colateral para empréstimos e financiamentos, os juros sendo mais acessíveis. O montante pode ser congelado na conta e continuar a render juros durante o período, podendo parte do congelado ser desbloqueado à medida que o pagamento das parcelas do empréstimo é realizada.

As instituições podem oferecer os mesmos serviços que os bancos tradicionais, como cartões de crédito e débito, porém, por serem centradas em seus membros, os resultados das instituições, após os custos, são compartilhados entre eles, que possuem capacidade de voto nas decisões administrativas.

Instituições financeiras formadas pela livre associação de pessoas surgiram no século XIX. As Cooperativas de Crédito atualmente beneficiam cerca de 362 milhões de pessoas no mundo; no Brasil são 11 milhões de associados. Contudo, mesmo sendo um avanço frente a oligarquia bancária tradicional, continuam envoltas pelo aparato estatal regulatório, não sendo, portanto, realmente livres. Ao se ignorar as restrições impostas, as possibilidades crescem proporcionalmente.

DAOs

As Decentralized Autonomous Organizations (DAOs) são formas de organização descentralizada voltada para fins específicos. Gerida por contratos inteligentes, seus membros dela participam com seu poder de voto, representado pela quantidade de cripto ou tokens que possuem, adquiridos pela compra direta ou realização das tarefas em aberto.

Essa nova forma de organização revoluciona a estrutura top-down das firmas tradicionais, não possuindo a figura de um chefe ou dono, mesmo possuindo certo nível de hierarquia, o que pode proporcionar maiores níveis de eficiência e resiliência.

A Universidade Libertária se tornou uma DAO no segundo semestre do ano passado. Desde então, continua trabalhando para trazer ao falante lusófono as principais obras da Escola Austríaca e de pensadores pró-liberdade dos últimos séculos por meio da Editora Konkin. Pelo presente site, traz notícias do Brasil e do mundo sob o olhar libertário, além de oferecer uma nova plataforma de cursos para todos os que pretendem se aprofundar no austrolibertarianismo.

Dinheiro real

Para uma sociedade mais economicamente estável, é fundamental a utilização de dinheiro real. Formas possíveis são metais como o ouro, a prata, a platina e o paládio; pedras preciosas ou semipreciosas; criptomoedas bem estabelecidas e com sólidos fundamentos; propriedades de terra ou naturais; ou bens com valorização considerada certa e disseminada, com validade indeterminada e reduzido potencial de oferta/criação.

Tome como exemplo a moeda brasileira atualmente em curso legal. Ao longo de seus 30 anos, quase 90% de seu valor foi corroído. Contraste esse fato com o ouro e a prata, por exemplo, valorizados e cobiçados por milênios, e você rapidamente perceberá a diferença entre dinheiro de fato e moeda fiduciária estatal.

As criptomoedas são adições muito importantes ao cesto de possibilidades. Por meio delas, grandes quantidades de valor podem ser transportadas e movimentadas sem a necessidade de entes centralizados. A sonagação de impostos é uma consequência direta do não uso da moeda estatal, esse, inclusive, sendo seu motivo de existência: controle.

Os estados, claro, perceberam a ameaça, mobilizando a criação de moedas digitais de seus bancos centrais (CBDCs). Atualmente, 114 países estão desenvolvendo a tecnologia, com diferentes graus de andamento e sucesso. Percebendo a incompatibilidade das diferentes moedas sendo desenvolvidas, o FMI recentemente propôs um esforço conjunto para integrar as tecnologias. Os estados também estão elevando seus níveis de controle e proibição. Para os usuários avançados de Bitcoin, bem como de criptos de privacidade como Monero, as medidas são inócuas, contudo.

A criptomoeda Monero (XMR), ao contrário da maior parte das criptos, possui blockchain opaca, não podendo ser utilizada para rastrear seus usuários. Utiliza tecnologias que impedem a análise do histórico de transações ou de um endereço de carteira. Endereços aleatórios são gerados a cada transação, impossibilitando o rastreio ao longo do tempo dos fundos movimentados pelos usuários. Múltiplos usuários assinam digitalmente uma transação, e os montantes não são publicamente revelados.

Para a compra de criptos em geral, alternativas às corretoras centralizadas são preferíveis, dando ênfase às transações descentralizadas ou em P2P. Exemplos são a Bisq e LocalMonero, além de contatos P2P de confiança. Outra solução são as plataformas de corretoras descentralizadas, como a Uniswap, também uma DAO.

Agorismo de mercado negro

Mesmo contando com inúmeras práticas perfeitamente legais, pertencentes ao mercado branco, invariavelmente, o agorismo, por exercer formas de driblar as imposições ilegítimas, abarcará ações consideradas ilegais, não ilegítimas, contudo.

Nessa subcategoria, encontram-se a educação dos filhos no modelo de homeschool, relacionamentos homoafetivos (em países onde a homossexualidade é proibida por lei), a realização de acordos e contratos de trabalho fora da legislação vigente, o contrabando de mercadoria pelas fronteiras sem o pagamento de impostos, a abertura de comércio sem autorização do estado, a compra, fabricação e venda de drogas, venda e fabricação de armas sem o aval estatal (como por meio da impressão 3D), etc. O problema ético com algumas dessas práticas está na promoção ou no financiamento de grupos criminosos. Retirado esse caráter, contudo, a proibição legal passa a punir acordos e transações entre indivíduos pacíficos.

Todas são formas éticas de ação, mesmo que atualmente consideradas ilegais, e assim o são pela ausência de benefício ao estado com sua legitimação. Infelizmente para ele, as imposições estatais não alteram a realidade da maneira que seus legisladores pretendem, sendo, em verdade, mais prejudiciais aos indivíduos que dizem querer proteger.

Próximos passos

Com o intuito de trazer à vida o espírito das ágoras gregas antigas aos nossos dias, a DAO da Universidade Libertária está desenvolvendo a Ágora, um inovador e revolucionário marketplace descentralizado baseado em blockchain. Ao fundir a liberdade das trocas voluntárias entre compradores e vendedores com a tecnologia de blockchain, a Ágora se apresenta como uma solução audaciosa e abrangente para uma série de desafios e limitações enfrentados pelos atuais ecossistemas de comércio eletrônico.

A plataforma capacitará os indivíduos a realizar trocas voluntárias de maneira aberta e transparente, resgatando a essência do comércio humano, onde as negociações acontecem livremente, impulsionando uma economia mais diversificada e inclusiva.

Essa abertura propicia um alcance expandido para uma ampla variedade de mercadorias e ofertas, permitindo que aqueles com produtos únicos ou de nicho alcancem um público mais amplo e diversificado. Além disso, a Ágora abordará a questão da privacidade nas compras online, que há muito tem sido uma preocupação. A tecnologia blockchain, que está no coração do projeto, oferecerá uma camada adicional de segurança e anonimato, permitindo que os usuários realizem suas compras com criptomoedas.

Em última análise, a Ágora não será apenas um marketplace descentralizado, mas uma manifestação digital das Ágoras gregas antigas, ressuscitando o espírito de livre comércio e discussão de ideias. À medida que os compradores e vendedores se reunirem virtualmente para negociar e trocar, a Ágora se tornará um elo entre o passado e o presente, promovendo uma visão de sociedade mais próspera, livre e aberta. Ao fazer isso, a Ágora transcende as limitações das plataformas tradicionais e trilha um novo caminho em direção a um futuro de comércio e interação humana muito mais autônomos e livres.

Conclusão

O sistema de poder foi aprimorado ao longo dos milênios, tendo tomado para si os diferentes aspectos da vida cotidiana e monopolizado tarefas e serviços que antes eram vistos como papel da família e da comunidade. Assim, lentamente infiltrando-se nos diferentes meandros da vida social e da realidade econômica existente, a classe dominante fez germinar um sistema de manutenção do poder adquirido, com capacidade de se retroalimentar e contribuir com a ilusão que o torna possível.

As elites ilegítimas se formaram quando grupos de indivíduos conseguiram, pela força ou aprovação tácita da maioria, tomar para si o controle da vida alheia, mas apenas se perpetuou quando foram capazes de utilizar a natureza humana para benefício próprio. A verdadeira libertação apenas virá quando a esperança no estado deixar de existir.

A criação de comunidades voluntárias de ajuda mútua é o objetivo de todo libertário agorista. Toda forma de organização ou criação de instituição baseada em princípios éticos libertários é uma ação contraeconômica de valorização humana.

Como disse Konkin, com relação às tentativas de busca pela liberdade por vias políticas: Todas falharão por nenhuma outra razão além de a liberdade crescer indivíduo a indivíduo. A conversão em massa é impossível”. A liberdade inicia em cada indivíduo que deseja exercer seu direito de autodeterminação; se há um caminho prático, é o Agorismo o que deve ser traçado para a conquista desse objetivo.

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