Considerações éticas e o institucionalismo moral

“A PRESSA É O ÚLTIMO ANSEIO DOS ATRASADOS”
DANIEL MORAIS

É deveras curioso que o Fhoer tenha respondido a esse texto, tanto por ele acreditar erroneamente que, estando em área diversa da que é chamado para o debate, terá mais sorte em demolir eventuais pontos que porventura sejam apresentados, quanto por ele efetivamente acreditar que eu defendo o progressismo libertário como cosmovisão.

Eu sou um institucionalista declarado e todas as minhas afirmações são voltadas unicamente a esclarecer pontos estabelecidos pelo Hoppe de forma apressada. Dito isso, vamos aos pontos apresentados aqui como forma de demonstrar cabalmente a distância entre os pontos apresentados e a verdade, mas não com a intenção de defender o progressismo libertário propriamente dito.

Introdução

Acredito que começamos pela seguinte citação:

O termo ‘conservador’ deve possuir uma acepção diferente. O que ele significa — e, possivelmente, somente significa — é isto: ‘conservador’ se refere a alguém que acredita na existência de uma ordem natural, de um estado de coisas natural, que corresponde à natureza das coisas; que se harmoniza com a natureza e o homem. Essa ordem natural é e pode ser perturbada por acidentes e anomalias: por terremotos e furacões; por doenças, pragas, monstros e bestas; por seres humanos de duas cabeças ou de quatro pernas; por aleijados e idiotas; e por guerras, conquistas e tiranias. Mas não é difícil distinguir o normal do anormal (anomalias), o essencial do acidental. Um pouco de abstração dissipa todas as confusões e permite que quase todos ‘vejam’ o que é e o que não é natural, o que se encontra e não se encontra de acordo com a natureza das coisas. Além disso, o natural é, ao mesmo tempo, o estado de coisas mais duradouro. A ordem natural das coisas é antiga e sempre a mesma (apenas anomalias e acidentes sofrem mudanças); portanto, ela pode ser reconhecida por nós em todos os lugares e em todos os tempos.

Hoppe estabelece aqui uma relação entre o que é natural e as anomalias. Mais ainda, ele descreve que esse estado de coisas idealmente percebido é, em última instância, uma relação harmônica para com o homem e a natureza. O que precisa ficar claro aqui é que o Homem é utilizado como referencial. Hoppe diferencia as instâncias do que descrevem o homem, mecanismos ontológicos da compreensão do ser humano, do próprio estado de coisas.

Algo natural entre conservadores, a distinção entre matéria e moral, vejamos Scruton para esclarecer:

O conceito crucial para qualquer tentativa filosófica de fornecer a base para o entendimento humano é o conceito de pessoa. É uma tese bem conhecida da filosofia […] que os seres humanos podem ser descritos sob duas óticas contrastantes (e, para alguns, conflitantes): como organismos obedientes às leis da natureza, e como pessoas, às vezes, obedientes, às vezes desobedientes, à lei moral. As pessoas são agentes morais; suas ações não têm apenas causas, mas também razões. Elas tomam decisões para o futuro, e por isso têm, além de desejos, intenções. Elas não se permitem ser sempre arrastadas por seus impulsos, mas ocasionalmente resistem e os subjugam. […] Apenas uma pessoa tem direitos, deveres e obrigações; apenas uma pessoa age por razões além das causas; apenas uma pessoa merece nosso louvor, censura ou raiva. E é como pessoas que percebemos e atuamos um sobre o outro, mediando todas as nossas respostas mútuas com o conceito obscuro, mas indispensável, do agente moral livre.

Nessa instância, não importa se a ética libertária é ou não uma etapa da própria mensuração humana, pois ela é uma lei para o agente moral e terá que ser lida como tal, sendo uma lei natural ou uma lei moral. Nesse sentido, o conservador está necessariamente preso ao libertarianismo como consequência da própria idealização do imanente.

Entendamos uma coisa: para os conservadores, não necessariamente aquilo que é uma lei natural é uma lei física, matemática ou similar, leis naturais podem ser expressas como modais de necessidade de determinados comportamentos. Um exemplo desses é o da paternidade em virtude do nascimento. Essa é uma lei moral para a qual há uma descrição natural que é acompanhada por outra descrição moral, mas que continua a descrever o fenômeno ainda que a ele não sejam dados as considerações morais.

Isso porque há uma casualidade expressa entre os fenômenos morais e fenômenos naturais que o dão origem. O que Hoppe advoga em sua Ética Argumentativa Hoppeana, é que no campo social da comunicação, numa visão que lembra muito os critérios bourdieanos, há em última instância uma lei natural atrelada diretamente ao aspecto moral. Nesse sentido, não há uma regressão possível e elas são indissociáveis.

Sendo assim, o que eu estou expressando ao dizer que a ética libertária não faz parte da ordem natural propriamente dita é que ela não é em última instância algo a ser valorado, mas uma instância ontológica da comunicação per si, tratando-se de impossibilidades praxiológicas e não de algo com corpo próprio. Sexo, Linguagem, Pecado, todos esses são expressões ontológicas e não podem vir a ser tratadas como expressões da agência moral, mas antes descrições de fenômenos anteriores ao próprio estado das coisas. Aqui é que surge a distinção da lei natural conquanto a ordem natural.

Nesse ponto, é evidente que a ética libertária é uma mensuração do próprio ser conquanto elemento significante de direitos e, por tal, não é conservadora propriamente dita, mas humana. É claro que conservadores, como valorizadores naturais das condições reais, irão se prostrar em direção as coisas tais como elas são e estarão presas às afirmações libertárias. Isso pode ser visto claramente no debate tratado tanto por Scruton quanto por Olavo de Carvalho contra Rorty.

É claro que, assim como Hoppe, Fhoer pode usar a linguagem tal como queira e igualar leis diversas, contudo, como Olavo aponta, dentro dos limites da decência e do código penal, Rorty também é livre para fazê-lo. E eu hesitaria em desconectar a lei natural da ética, pois fazer isso apenas a colocaria no mesmo nível de instituições como o estado e traria complicações ainda mais profundas a derivação já esburacada do Clãzinho.

E isso acontece porque a ação social, tal como lida pelos conservadores, é uma expressão anti-possibilismo e, como tal, não se pode falar de uma necessidade imperativa de um elemento de valoração moral, nos seguintes termos:

Além disso, os valores não são dados antes que os descubramos. Não vivemos tendo objetivos claros e usamos a razão apenas para conquistá-los. Os valores emergem por meio dos nossos esforços cooperativos: aquelas coisas às quais nos tornamos mais ligados são, muitas vezes, imprevisíveis antes de nos envolver, como o amor erótico, o amor dos filhos, a devoção religiosa, a experiência da beleza. E todas essas coisas estão enraizadas na natureza social, assim como aprendemos a entendê-las e nos concentramos nelas como fins em si mesmas apenas quando estão em diálogo com outras e, raramente, antes de obtê-las. A economia, a ciência de raciocínio instrumental, é, portanto, silente em relação aos valores, e, caso pretenda lidar com eles, isso só é possível ao colocar o homo economicus no lugar que deveria ser ocupado por seres humanos reais. Os valores vêm à tona porque nós, humanos, os criamos e o fazemos por meio das tradições, dos costumes e das instituições que consagram e promovem a responsabilidade mútua.

“Os valores morais demonstrados como corretos pela ética” não podem estar na mesma instância que os valores morais dados pelos conservadores porque a tradição, os costumes e as instituições são o que os criam e consagram. A ética é eminentemente a priori. E é deveras triste que ele não saiba a quem são as críticas de Hoppe e não entenda quais são as escolas abarcadas pelo progressismo libertário e sua instância como contra-culturais. É um desconhecimento latente em direção a uma oposição sem sentido, sem forma.

Propriedade e Parentesco

É complicado quando alguém vem falar de cunho antropológico sem entender a diferenciação entre comunidades e sociedade. É na sociedade que surgem conflitos e onde se inaugura a instância de uma propriedade privada, vemos isso pela interação entre o mundo objetivo do referencial e o mundo subjetivo dos agentes numa perspectiva Luckmanniana. Apenas nessa instância é que sequer surge a questão de quem é dono do que, eis que as fronteiras do que é a propriedade são essencialmente voluntárias.

Eu não digo que não há a possibilidade de haver conflitos numa instância familiar, aqui adotando conflitos como conflitos de propriedade. O que eu estou evidenciando é que a regra de propriedade, a regra ética, é uma instância de uma ação social voltada a fins e a ação comunitária é essencialmente afetiva e voluntarista.

É também deveras inocente tentar criar uma casualidade entre os mecanismos de interação familiares e os mecanismos de propriedade, eis que a ética é essencialmente a priori e os arranjos familiares são essencialmente culturais. Eu não iria por esse lado a não ser que eu quisesse ver a ética Hoppeana fragilizada por Rorty, Adorno e outros que demonstram a fragilidade da nossa percepção sobre os conceitos culturais.

Fica a seu encargo tentar estabelecer essa casualidade, ainda mais tentando estabelecer que isso se dê pelo fato de falarem sobre aspectos do mesmo objeto, uma falácia das mais inocentes. E mais ainda, isso é temeroso. Tentar estabelecer pontes como essa apenas dará ensejo a eterna discussão conservadora que diz que como o estado é um fato per si, resultado das relações de propriedade e das expressões de poder no seio social, ele é parte necessária da ordem natural e, portanto, é uma instituição a ser preservada.

Pedofilia e Homossexualismo

Logo depois, agora sim esquecendo casualidade e que Hoppe faz seu argumento em 2001, para consumir pedofilia, você necessita de que uma criança tenha participado do ato. Se o dever de tutela libertário for seguido à risca, era impossível que uma pessoa tivesse acesso em 2001 a conteúdo pornográfico envolvendo menores. Isso porque tal fato não poderia se dar sem que para isso tivesse havido ao menos duas violações éticas, um ato desrespeitando a tutela, no sentido de filmar uma criança em momento íntimo e outro de performar o ato íntimo em si.

Quando eu digo que Hoppe se esquece desse fato, eu estou dizendo que há sim um crime contido no ato e que esse crime estabelece um desrespeito ético que não há no homossexualismo ou na promiscuidade, não dizendo que Hoppe não conhecia o dever de tutela, mas que ele casualmente o suprimiu aqui.

Diverte-me que, logo depois, ele tente estabelecer uma relação entre a promiscuidade e ausência de planejamento ou alta preferência temporal a nível social. Os saltos necessários para tal, misturando duas instâncias, o comportamento sexual (a nível de mundo da vida) ao comportamento social (a nível de esfera pública), carregam implícitos um juízo moral falacioso. E mais ainda é, no mínimo curioso, a forma como Fhoer tenta casualmente descrever uma instância de um comportamento sexual como um fato que irá criar externalidades sociais. Isso me faz até temer em última instância pela vida sexual de quem faz afirmações assim; a preocupação intermitente com as condições sociais na análise da performance sexual a lá Schechner, deve ser deveras frustrante.

Logo depois, Fhoer tenta estabelecer não só que pode vir a conhecer os melhores valores morais a nível de organização social, algo que é natural entre conservadores, mas tenta estabelecer uma extinção cultural baseada na não-escolha desses valores.

A isso, a escola institucionalista responde com grande classe em:

A perspectiva “cultural” trata dessas questões de modo diferente, ao sublinhar até que ponto o comportamento jamais é inteiramente estratégico, mas limitado pela visão do mundo própria ao indivíduo. Em outros termos, embora reconhecendo que o comportamento humano é racional e orientado para fins, ele enfatiza o fato de que os indivíduos recorrem com frequência a protocolos estabelecidos ou a modelos de comportamento já conhecidos para atingir seus objetivos. Ela tende a considerar os indivíduos como satisficers mais do que como optimizers em busca da maximização da sua utilidade, e a enfatizar a que ponto a escolha de uma linha de ação depende da interpretação de uma situação mais do que de um cálculo puramente utilitário.

Interpretações diferentes da ação irão resultar em perspectivas morais subjetivas e disso se segue que suas valorações morais são tão boas quanto as dos progressistas. É no observar das agências morais construídas intermitentemente com as instituições que surgem as questões que dão origem a real utilidade da coisa e elas são intrínsecas aos conservadores e progressistas. Acho que não ficou claro que a mentalidade não é viva e deixe viver. Os valores progressistas e, por gentileza, irei citar alguns; como a reforma cultural, o círculo social autônomo e a perspectiva de fraternidade seccional, são extremamente discriminadores. Alguns autores que advogam por tal, temos Roderick Long e Wendy McElroy, só para citar os menos radicais.

Propriedade e Discriminação

Respondo esse ponto com o seguinte texto:

O Ancapistão já existe. O estado é um ente que é incapaz de gerar riqueza ou de exercer efetivamente uma função, como tal, ele jamais poderia ser um ente a ser considerado na análise política como dimensionador positivo da estrutura social.

‘A morte do espírito é o preço do progresso’. Com essa frase, Voegelin nos deixava um recado. Toda vez que olhamos para a situação, devemos pensar efetivamente no que ficou para trás em função do avanço. Ao pontuarmos as diferenças clássicas entre a sociedade real e a sociedade ideal, obviamente enxergamos diferenças claras, vulgo gangue chamada estado.

Mas isso não diz respeito a estrutura primordial da qual a sociedade é feita. Não entender isso, não levar isso em consideração TODA vez que for debater, é entregar um importantíssimo ponto para o adversário: o de propor uma organização social diversa da atual.

Esse texto (publicado na universidade libertária há algumas semanas) é interessante porque demonstra de que forma eu já acredito que a sociedade seja libertária, não porque seja essa uma instância da ordem natural ou coisa do tipo, mas porque ser libertária é uma instância descritiva não de um estado de coisas, mas da própria composição ontológica anterior.

Considerações Finais

Fhoer e Hoppe advogam por uma ordem social adhoc da ordem natural, enquanto eu e qualquer institucionalista advogamos pela ordem social tal qual a ordem natural. Sendo assim, são expressões das valorações de poder como apoio e da interação como cooperação tanto a sociedade progressista, quanto a sociedade conservadora, apenas descrevendo cosmovisões diversas.

Esse foi um texto divertido de responder porque o Fhoer tem comportamentos bem previsíveis. Clamar inconsistência, não estudar as vertentes por trás dos argumentos e fugir da complexidade dos pontos chaves, são só alguns dos comportamentos corriqueiros. Responder algo assim é deveras simples e não exige maiores desafios.

Ainda assim, peço por uma trégua. Retiro até mesmo o tom tóxico do artigo em questão e proponho um debate civilizado, seja pela internet, seja pessoalmente. Acredito que o meio só tenha a ganhar com isso, principalmente pela gentileza que virá de responder os críticos que são eles mesmos amantes da liberdade como Nicholas Ferreira e Marlboro. Será sua chance de mostrar que antes de ser conservador em palavras, o é em ações.

Sapere Aude


Revisão por: Paulo Droopy (@PauloDroopy)


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