Contraeconomia: Fugindo das Garras Tecnocráticas do Estado, escrito por Samuel Edward Konkin III e por Derrick Broze, é o livro mais relevante do momento por dois motivos:
- Lula ganhou. Com isso a preocupação quanto à censura subiu ao topo da cabeça de muitos brasileiros. Claro, não iria mudar muita coisa se o resultado fosse outro — a questão não é quem está no poder, mas como que as preocupações surgem diante do resultado.
- Os livros de filosofia política, economia e outros que saltam na superfície sempre são gerais demais quando tratam da sociedade. Quando propõem alguma coisa, propõem que a sociedade inteira seja modelada de forma X, e quando estão no âmbito da análise, analisam cenários gigantescos, quais atitudes do governo geraram tal problema, quem é o culpado pela guerra e tudo mais. O Contraeconomia não! Ele tem os seus momentos de analises gerais, mas ele é muito mais propositivo quanto ao modo que as pessoas vão se relacionar no seu dia a dia e as possibilidades de ação existentes para fugir do Estado. Além disso, ele fornece uma gama de evidências históricas quanto ao triunfo da contraeconomia sobre o Estado, evidências históricas que não possuem uma “cara” de Revolução Francesa, um acontecimento gigantesco e muitas das vezes destoante de nossas vidas por causa de seu aspecto global/nacional, mas sim uma cara mais próxima do nosso cotidiano e facilmente simpatizável.
Lula, Big Techs e Interesses Extranacionais
“…quem assume a presidência da República não pode ficar tratando um setor como um inimigo… “, “…eu tenho participado de muitas reuniões economistas…”, “…acontece que quando você assume um governo, você não acha, você não pensa, você faz ou não faz.”, “…ao tomar a presidência, eu troquei toda a gordura política que eu tinha um fazer um ajuste pesado que eu fiz…”, “…o dado concreto é que eu comecei a conquistar credibilidade com isso, então, de repente, o Tony Blair começou a falar bem de mim, o Gordon Brown começou a falar bem de mim… [alguém] da Alemanha começou a falar bem de mim… a China começou e de repente eu virei unanimidade”, “É que eu não gosto, não gosto de colocar rótulo na testa. Você tem que ser de esquerda quando precisa ser de esquerda, e tem que ser liberal quando tem que ser liberal quando tem que lidar com outras pessoas, eu não posso lidar com um país querendo ser o que ele seja o que eu sou”, “Enquanto você não mudar o modelo político do Brasil… qualquer que seja o presidente eleito… quem ganhar aseleições, ao terminar as eleições, vai ter que ver quem são os deputados… isto chama-se negociação. Foi assim que acabou a Segunda Guerra Mundial, alguém negocia. O que o Stalin queria, o que que o Truman queria, o que que o Churcill queria…”
— Lula. Vídeo: LULA: O brasil pós-golpe / / Áudio inédito do livro “a verdade vencerá”
Lula é um negociante, negociante nato. Prometeu que, após ser eleito, viajaria para o exterior na intenção de restabelecer as relações do Brasil, de apertar as mãos certas. Também prometeu aos empresários “credibilidade, estabilidade e previsibilidade” enquanto discursava sobre “credibilidade internacional”. Há um claro agrado aos interesses de empresários e de interesses extranacionais, interesses que visam o controle para a manutenção de um estamento e/ou para a perpetuação de determinadas ideologias.
O Contraeconomia nos oferece algumas visões terríveis desses grupos de interesse. O foco da primeira parte do livro é a elite tecnocrática, e Derrick Broze fez um ótimo trabalho ao complementar a incompleta obra de Konkin com assuntos mais atuais. O avanço da tecnologia e da globalização despertou a ideologia Tecnetrônica, já idealizada por Zbigniew Brzezinski em 1970 no livro Entre Duas Eras, para a ação. A ideia de que Tecnocratas, engenheiros, cientistas etc., podem planejar cada palha do palheiro da sociedade com o seu alto conhecimento tecnológico e da técnica nos leva ao cenário das Big Techs e de governos autoritários invadindo a privacidade alheia com uma alta tecnologia de registro das atividades humanas.
O discurso de superioridade técnica dos engenheiros é uma herança do planejamento central, da economia planificada, do Socialismo. Discursos econômicos do mainstream uma hora ou outra acabam priorizando a capacidade técnica do que as leis econômicas universais, priorizam a suposta capacidade de dobrar a economia para determinados resultados do que a interação entre os indivíduos para que uma estrutura econômica mercadológica seja formada. Lula não é muito diferente. Lula crê que deve regulamentar os aplicativos de “trabalho” para obter um maior resultado. Lula “crê” ser o negociante do povo que vai trazer riqueza para cá ao apertar as mãos corretas de outros países, de banqueiros e de grandes empresários. Lembrando que o que está no discurso, em muitas das vezes, não vai ser algo que necessariamente vai passar justamente pelo aspecto de negociação[1].
Konkin nos traz, em seu capítulo “A Contraeconomia da Informação”, informações importantes e valiosas quanto aos interesses governamentais sobre a tecnologia. Há uma corrida entre os Cypherpunks e a NSA (Agência Nacional De Segurança) quanto ao escoamento de informação através da tecnologia. Foi incentivado por um tempo que fosse usado chaves criptográficas com uma quantidade de dígitos menores para que fosse mais fácil quebrar os sistemas, com isso surge os Cypherpunks em uma corrida para a criação de sistemas cada vez mais seguros. O que podemos pensar disso? Podemos pensar que todo o discurso que diz que a produção tecnológica via estado é estratégica e fundamental é um discurso[2] pró-controle dos sistemas estratégicos de privacidade para a obtenção de informação[3]. Tecnocracia pura[4].
Bom lembrar que a obtenção de informação como algo fundamental não é algo tão novo assim, o que acontece é que essa ideia explodiu e saltou aos olhos com a disparada da tecnologia. Nos sistemas bancários, transações que chegam aos dois mil reais já são repassadas para o banco central, a obrigação quanto aos livros de registros (livros de contabilização) e a declaração do imposto de renda são formas de obter informações.
Ainda sobre o Banco Central, Lula (para ressaltar, Paulo Guedes defende uma moeda única entre o Brasil e a Argentina) quer uma moeda única para toda a América Latina. Além de que isso permite que um Banco Central consiga imprimir muito mais e roubar[5] de uma população maior, pode permitir também uma menor redundância de sistemas bancários e de documentação, criando uma maior facilidade no “enxergar” das informações. É claro que isso retira o sentimento nacionalista quanto à economia e à moeda, que é um disfarce muito bem feito para o imperialismo monetário americano, mas há suas vantagens.
Com toda essa exposição feita Aquino, acredito que mostre o quão importante e fundamental esse livro é. Mas, é óbvio, ainda temos o segundo tópico.
O Livro Contraeconomia como um Referencial de Ação e Organização
“A tecnocracia é a ciência da engenharia social, a operação científica de todo o mecanismo social de produção e distribuição de bens e serviços a toda a população deste continente. Pela primeira vez na história da humanidade, isso será tratado como um problema científico, técnico e de engenharia. Não haverá lugar para Políticas ou Políticos, Finanças ou Financiadores, Baderna ou Baderneiros” — Technocracy Incorporated, 1938“…a realidade do mercado esmagou a fachada do comunismo, como os marxistas gostam de colocar, objetivamente. E essa realidade penetra nos mínimos detalhes.” — Samuel Edward Konkin III.
O livro Contraeconomia exala importância ao trazer uma maior profundidade ao Agorismo. O Agorismo ganha mais corpo com esse livro!
Konkin traz uma série de evidências históricas que mostram o triunfo da contraeconomia sobre o estado. Essas evidências históricas nos fornecem um aspecto de malandragem para conseguir lidar com as pesadas regulamentações. Convencer o chefe sobre decisões contraeconômicas, chamar o cliente para fazer um serviço mais “particular”, combinar e estimular a evasão fiscal entre os funcionários, tudo isso fez parte do cotidiano de quem queria sobreviver na URSS, no Vietnã e outros. Assim como a história é uma força fundamental para os Marxistas, o mercado é uma força fundamental para os Agoristas, e nesse livro se verifica que estamos do lado certo da força[6].
Mas as evidências não estão apenas em países vermelhos. Nos EUA o Konkin traz, de forma velada, o exemplo de um banco baseado no ouro como uma forma de se criar privacidade nas transações e nas rendas, traz o desespero da mídia tradicional quanto ao número de pessoas participantes na contraeconomia e também traz diversos exemplos de contraeconomistas em outros países. A contraeconomia está vencendo e muitos participam dela sem nem saber o que contraeconomia significa.
Saindo da história, Konkin nos orienta a controlar as informações que vazamos. No capítulo “A Contraeconomia da Informação”, Konkin deixa bem claro que há uma guerra pela informação:
“O controle da informação é uma batalha sobre a própria capacidade de funcionamento do Estado. Se você pudesse cortar todo o fluxo de informações para o governo, o governo seria incapaz de agir. Estranhamente, o governo dos Estados Unidos recentemente jogou a toalha sobre a regulação da indústria de informação. E ainda assim, nas margens, o conflito permanece, especialmente sobre o poderoso método de programação de computador conhecido como criptografia de chave pública.”
O Estado pode ter toda a estrutura para possibilitar a dominação, mas não adianta possuir um lança-misseis quando você não consegue mirar ele em alguém. Esse é o importante conceito de guerra informacional que o Konkin vai trazer nesse capítulo, e é o capítulo que mais conversa com a parte de Derrick Broze.
Falando nele, Derrick Broze faz um ótimo trabalho ao trazer outras referências. MonkeyWrenching como um desafio mais hardcore e contestador da tecnologia opressiva, a Vonu (que também é citado por Konkin) como uma filosofia que objetiva a invulnerabilidade em relação à coerção, e o Agorismo Vertical e Agorismo Horizontal como uma forma de análise do quão contraeconomicamente Hardcore são tais ações dentro do Agorismo.
Temos, além disso, Karl Hess, quem participou de idealizações de comunidades sustentáveis, Podolvsky com suas ideias que buscam trazer uma eficiência maior para as Células de Liberdade (FreedomCells) e entre outros. Derrick Broze foi uma adição muito boa ao livro.
Uma coisa importante de se ressaltar é a visão específica que Derrick Broze tem das coisas. Derrick Broze pode exagerar para alguns ou fazer muito sentido para outros ao trazer uma alta urgência quanto às questões tecnocráticas. Para Derrick Broze, existem elites tecnocráticas que buscam dominar as sociedades através da tecnologia:
“O atual sistema de crédito social empregado na China irá chegar em breve nos Estados Unidos e no resto do “mundo civilizado”. Já se tornou quase impossível viver uma vida não monitorada e analisada do berço ao túmulo. Se nós planejamos sobreviver a essa rápida aproximação das grades de controle tecnocrático corporativo-estatal, eu creio que devemos abraçar as primeiras soluções identificadas por Samuel Konkin III.”
Essa visão pode acabar sendo exagerada em alguns momentos, mas ela serve muito bem para analisar algumas questões, uma dessas questões, por exemplo, poderia ser a dura vigilância que os EUA praticam:
“A Agência Nacional de Segurança (NSA, coloquialmente conhecida como “The Puzzle Palace”) odeia isso e está trabalhando para quebrar os sistemas e fazer com que as empresas e burocracias concordem com um sistema padronizado que eles possam facilmente quebrar”
Samuel Edward Konkin III
No fim de tudo, o que resta para falar dentro de um espaço curto é que o livro é genial. É uma pena que Konkin não tenha conseguido concluir o Contraeconomia, pois ele seria mais genial ainda. Para vocês terem uma ideia, Konkin planejava falar da “Psicologia Contraeconômica”, e eu consigo enxergar que esse capítulo seria um trabalho e tanto! É uma pena.
Konkin, que Deus o tenha.
Notas
1 Lembrando que, como o Lula é um negociante, ele cederá muitas pautas de seu discurso. Então aqui a análise é sobre o discurso.
2 Quanto ao escoamento de informação. Há uma “teoria” (que é comprovada por uma lei, que já cita rei) de que os EUA monitora a Dark Web (Deep Web, etc), mas que ele não “chuta o pau da barraca” e sai prendendo todo mundo. O que isso significa? Significa que ele quer que tenhamos uma sensação de segurança para que não criemos um novo sistema. Interessantemente, há uma lei em que os dispositivos precisam possuir Backdoor para permitir o acesso do tráfego de informações.
Também, curiosamente, temos a Monero (criptomoeda) com uma dificuldade de aceitação por ser “a moeda do mercado negro”, mas o Bitcoin não. Isso não significa que o Bitcoin seja ruim, na verdade o que o torna popular é justamente essa vantagem, mas é algo para se pensar.
3 “Outra proposta é a “liberdade de pesquisa em suas distintas dimensões”, que visaria “usar a ciência e a tecnologia para as políticas públicas e para a gestão em todos os níveis, integrando o território nacional”.
4 Bom lembrar da regulamentação das mídias
5 Ler “A economia e a ética de propriedade privada”, por Hans Herman Hoppe. Cap III, IV e VIII
6 Star Wars e o lado negro do mercado?
Artigo escrito por Guelpa