Marcel Pereira Bernardo é economista, laureado com os prêmios Menção Honrosa (Cofecon/2017), Mérito Acadêmico (Corecon-SP/2018), Economista do Ano: Categoria Melhores Formandos (OEB/ 2019) e autor do livro A Evolução do Dinheiro: da sua origem até as criptomoedas, pela editora Appris (2020).
Segue a entrevista que fizemos com ele.
- Uma honra ter você aqui, no Gazeta Libertaria.
A honra é toda minha.
- Você poderia nos contar quem é o Marcel.
Sou economista, entusiasta da Escola Austríaca, eterno estudante e espero algum dia deixar alguma contribuição na minha área para as futuras gerações.
- Marcel, onde você nasceu, onde está morando atualmente?
Nasci em São Paulo – SP e recentemente me mudei para São Roque – SP.
- Professa alguma religião?
Sim, sou Católico. Passei uns bons anos afastado da Igreja Católica e abracei falsas doutrinas durante a adolescência e juventude. Mas como já dizia Santo Agostinho: “Os que não querem ser vencidos pela Verdade, serão vencidos pelo erro”.
- Qual sua idade e o faz de vida, quais são seus projetos atuais?
Tenho 32 anos e sou consultor financeiro. Bom, meus projetos atuais logicamente incluem a família que estou formando e para poder sustenta-la. Isso por si só já me ocupa bastante tempo e energia.
Pela perspectiva profissional, meu objetivo é sempre aprender cada vez mais e atualmente meu foco é desenvolver um portfólio de investimentos baseado nos Ciclos Econômicos Austríacos, considerando as características da economia nacional.
- Você é libertário? Se sim, quando e como se tornou libertário?
Não me considero libertário, embora não me incomode em ser classificado assim. Os rótulos podem criar estereótipos, mas também facilitam a identificação de algo ou alguém. Como disse anteriormente, sou católico, portanto me baseio na Doutrina Social da Igreja para tentar compreender a sociedade.
O interessante é que a Doutrina Católica nos ensina que o homem foi ferido pelo pecado original, e mesmo eliminado após o Batismo, os efeitos do pecado ainda permanecessem.
De um modo pragmático, isso significa que todo ser humano é falho, ignorante, pecador, comete erros, e abusos. A cosmovisão católica é importante para mantermos os pés no chão e não nos iludirmos com governantes e promessas de um paraíso terrestre pela via política.
- Por que decidiu se dedicar aos estudos de economia?
Em meados de 2013 abri uma loja com meu irmão mais novo. A princípio, tudo estava indo bem. Entretanto, no início de 2014 a situação foi se tornando cada vez mais difícil. Pensei que somente minha loja não estava bem, mas para quem tem ou já teve comércio de rua, sabe que é bastante comum conversarmos com outros empreendedores.
Todos estavam se queixando que o ano de 2014 estava muito fraco, tudo parado, sem movimento. Muitos lojistas especularam que aquilo era por causa da copa do mundo e que as pessoas estavam segurando o dinheiro para aproveitarem o evento. Porém, quando fui a uma papelaria, conversei com o dono e ele me disse que o início do ano era sempre o melhor momento para ele, pois era época de venda de material escolar.
Quando ele me disse que nunca teve um começo de ano tão fraco, eu comecei a suspeitar que seria algo mais que um evento esportivo de meio de ano atrapalhando as vendas em outros setores. Então comecei a me perguntar o que realmente causa os altos e baixos na economia, e como se precaver em situações em que o cenário dá uma guinada. Foi assim que comecei a me interessar por economia e ingressei na faculdade.
- De onde veio a ideia de criar a página, o economista austríaco?
Eu escrevi alguns textos sobre Menger e Böhm-Bawerk que tiveram uma ótima resposta. Isso foi em um grupo destinado para liberais e libertários. Mas até aquele momento era apenas um hobbie. O start veio mesmo quando li um texto de supostos liberais defendendo as teorias de Oskar Lange (um socialista) contra a objeção de cálculo econômica feita por Mises.
E esse engano ocorreu porque aqueles supostos liberais simplesmente acharam que a teoria de Lange tinha “rigor científico”, mesmo carecendo de lógica interna. Então decidi criar a página, pois percebi que nem mesmo entre os liberais havia um real entendimento sobre o legado da Escola Austríaca. Aliás, indo mais longe, digo sem medo de errar que a Escola Austríaca é a única a apresentar um ferramental teórico robusto o suficiente para combater as ideias socialistas e keynesianas.
Sem a Escola Austríaca, os liberais são apenas marionetes dos socialistas e estatistas. Eis a minha motivação de apresentar a Escola Austríaca ao público geral. Com o tempo, fui conhecendo mais pessoas que queriam contribuir e então elas foram se integrando à página.
- Vocês são quantos na equipe? O que cada um faz?
Somos em cinco atualmente. Não há uma estrutura rígida, a função de cada é bastante livre e elástica. Basicamente, cada qual escreve quem quer e quando pode. Temos o Edercley Lucas, Felipe Neves, Welliton Oliveira e Leonardo Cândido como os maiores colaboradores diretos, mas também existem outros que eventualmente mandam material para postagem.
- Como a Escola Austríaca é tratada dentro da academia?
Boa pergunta. Depende daquilo que entendemos por “academia”. Se por “academia” considerarmos aqueles professores marxistas enviesados e o grupelho de pesquisadores cuja linha de pesquisa nunca ousa sair da zona de conforto, então certamente a Escola Austríaca é rejeitada com força.
Mas se considerarmos a academia como um lugar livre, plural e de debates, então não há dúvidas que a Escola Austríaca ocupa um posto honroso. E isso não sou eu a dizer, mas economistas consagrados que não eram ligados à Escola Austríaca e mesmo assim reconheceram a importância da mencionada escola de pensamento. Samuelson chegou a dizer que se o Prêmio Nobel fosse criado antes, certamente Mises seria um dos laureados. Isso só para citar um exemplo.
Se as pessoas pesquisassem mais o que Hicks, Wicksell, Schumpeter, Buchanan, Nash, Vernon Smith e outros têm a dizer sobre a Escola Austríaca, elas fatalmente se surpreenderiam. Veja, estou me baseando em pensadores consagrados no mundo acadêmico, não em meu gosto pessoal.Os economistas em geral pecam muito pelo foco exagerado em modelos e manuais, se esquecendo de consumir literatura econômica.
Eles podem e devem continuar estudando modelos de equilíbrio, econometria, teoria dos jogos, etc. Mas não devem negligenciar as ideias e os pressupostos que visam fundamentar justamente essas teorias.
- Como foi sua experiência sendo um economista austríaco dentro da academia?
Há um campo fértil e inexplorado para discussão, mas isso não vem sem um certo esforço. É preciso ter coragem para colocar as ideias no centro do debate, preparo para defende-las e humildade para reconhecer que há virtudes também do outro lado. Sem dúvidas há ótimos economistas que não são “austríacos” e que podem enriquecer nosso entendimento sobre os fenômenos econômicos.
Particularmente, tive uma boa experiência na época de aluno. Pude publicar textos, participar de seminários, fiz grandes amizades e consegui um certo reconhecimento.Mas também vi que muitos alunos têm medo de apresentar contrapontos aos professores, ou, o que é pior, acatam prontamente a tudo sem ao menos verificar se há controvérsias. E não raro haverá.
- Além do economista austríaco, você chegou a escrever um livro. Nos conte um pouco sobre o seu livro.
O meu livro é a continuação do meu TCC. O trabalho de conclusão e o livro foram escritos em conjunto com o economista Wander Andrade. Conseguimos desenvolver um trabalho sobre teoria monetária e ficamos satisfeitos com o resultado final. O livro se chama A Evolução do Dinheiro: da sua origem até as criptomoedas.
Como o nome já sugere, começamos nossa pesquisa investigando qual era o cenário na Antiga Mesopotâmia. Não foi uma escolha aleatória, pois a Mesopotâmia, até onde sabemos, é a civilização mais antiga, fora que eles tinham uma compulsão muito grande por registros, o que facilita muito o trabalho de pesquisadores.
Após isso, partimos para o padrão-ouro, as implicações de tal padrão monetário nas economias, seu auge e declínio. Percebemos que o surgimento dos Bancos Centrais e o fim do padrão-ouro não foi coincidência. E aqui entra uma discussão que é muito atual: o padrão-ouro foi substituído pela moeda fiduciária, só que atualmente, sobretudo após a crise de 2008, as instituições monetárias perderam boa parte do prestígio junto à opinião pública. Será que as criptomoedasirão suplantar as moedas fiat? Essa é uma indagação presente no livro.
- Ao escrever seu livro, o que você tinha em mente, quais eram suas inspirações e quais eram seus objetivos com a escrita dessa obra?
O objetivo era entender o dinheiro enquanto fenômeno econômico, considerando também alguns desdobramentos sociais, históricos, etnográficos e políticos. A primeira coisa que estava em mente era não oferecer uma visão “economicista”, isto é, um foco desmedido na economia a ponto de desconsiderar outras áreas do conhecimento.
Nesse processo, vimos que a teoria vigente sobre a origem da moeda é um tanto simplista e a pesquisa nos trouxe surpresas interessantes. O trabalho do antropólogo David Graeber foi uma inspiração, embora não concorde com todas as ideias dele. Também visitamos as ideias de Karl Polanyi e de uma pesquisadora brasileira chamada Katia Maria Paim Pozzer, que tem uma pesquisa bem extensa sobre a Antiga Mesopotâmia.
Outro pensador que norteou bastante as discussões presentes no livro foi André Lara Resende. Ele oferece muitas críticas à teoria econômica convencional, o que suscitou em nós uma busca mais aprofundada sobre o tema. Há muitos outros nomes que poderia citar, mas em resumo posso dizer que nós buscamos pensadores que pudessem contrariar aquilo que acreditávamos enquanto economistas para extrair o melhor possível das objeções deles e aliar ao que tínhamos como arcabouço teórico.
Escolhemos esse caminho por acreditarmos que seria o mais imparcial, embora, lógico, não escondemos em nenhum momento nossa influência. Portanto, há bastante material sobre os economistas austríacos como Mises, Hayek, Rothbard, Menger, Böhm-Bawerk e De Soto. Eles foram nosso alicerce justamente para responder à altura linhas divergentes de pensamento.
- Ele está disponível para venda em quais plataformas? Ele está disponível tanto digitalmente quanto físico?
O livro está disponível em ambos os formatos. As pessoas podem encontra-lo no site da Editora Appris, Amazon, Livraria Travessa, Magazine Luiza, Submarino, Extra, Estante Virtual. Em suma, há inúmeras opções e pode ser encontrado facilmente.
- Qual foi sua maior dificuldade ao realizar o livro?
A maior dificuldade foi manter a atualização sobre o mercado cripto. Logicamente não se escreve um livro do dia para noite, então escrevíamos algo e um mês depois surgia uma nova tecnologia, um outro evento que mudava bastante a percepção do público sobre as criptos, causando impacto também na avaliação das autoridades monetárias.
Não queríamos perder nada, então constantemente revisávamos o material. Mas quando entendemos que é justamente essa a maravilha das criptomoedas, ficamos mais tranquilos. Assim pudemos desenvolver um estudo que fornece bastante conteúdo para o público, ao mesmo tempo que deixamos cientes que estudos posteriores para dar continuidade serão muito necessários.
- – Qual a mensagem final que você quer deixar para quem está nos acompanhando?
Você pode ser economista de formação ou não. Independente disso, considero que o estudo da economia e ciências sociais como um todo é vital para nossas vidas, ciente, é claro, que não há um ponto em que se possa dizer que sabe tudo.