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Políticos e estadistas em geral não toleram nenhum obstáculo à expansão dos seus poderes. E isso inclui qualquer instituição que dispute com o estado a devoção e simpatia do público, como é o caso das instituições religiosas.
E isso vem sendo mostrado de maneira concreta na crescente perseguição da ditadura de Daniel Ortega à Igreja Católica. A escalada de opressão chegou ao ponto de Ortega proibir procissões religiosas, tudo isso sob a acusação de que a Igreja Católica “conspira” contra seu governo.
Proibidos de exercerem a própria fé
Em entrevista ao site BBC, vários católicos informaram sobre como o governo da Nicarágua está restringido ao máximo suas manifestações de fé. O medo de represália por parte do governo é tão grande que os entrevistados se comunicaram via Telegram e pediram o máximo de anonimato à BBC.
Um deles é Jaime, um nicaraguense que frequenta a Igreja Católica há 24 anos e que pede para ser identificado com um nome fictício.
“Ser católico na Nicarágua, neste tempo de perseguição, é um risco”, diz ele à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC. A entrevista foi realizada dias antes daquela que seria a primeira Semana Santa na Nicarágua sem procissões religiosas em espaços públicos.
A proibição foi revelada pelo bispo Sócrates René Sandigo. Ele é responsável pela diocese nicaraguense de León e Chinandega, que fez a denúncia através de um áudio enviado aos sacerdotes. A informação foi divulgada em seguida pela imprensa local há algumas semanas.
“Muitos foram informados pela autoridade que a Via Sacra só pode ser feita internamente ou no átrio da igreja. Outros ainda não [foram informados]. Portanto, é preferível que todos façamos a Via Sacra dentro do templo ou no átrio em que mantemos essa comunhão”
orientou Sandigo
Uma fonte eclesiástica da Arquidiocese de Manágua informou ao jornal La Prensa que após da missa da Quarta-feira de Cinzas, em fevereiro, as autoridades policiais comunicaram “que não havia permissão para fazer a Via Sacra por motivos de segurança”.
Tensão entre Ditadura de Ortega e a Igreja Católica
Há poucos dias, Daniel Ortega – que está no poder há 14 anos – vinha atacando o clero da Igreja Católica, acusando-a de ser uma “máfia” e uma organização antidemocrática. Seu discurso contra a Igreja Católica, foi em reação às declarações do Papa Francisco, que lamentou a sentença de 26 anos de prisão contra o bispo Rolando Álvarez e pediu uma “busca sincera” pela paz por parte dos atores políticos da Nicarágua.
“Se vamos falar de democracia (…), o povo deveria primeiro eleger os padres da cidade, depois os bispos, os cardeais, e teria que haver uma votação entre o povo católico de todos os lugares para que o papa também seja eleito pelo voto direto do povo”, disse Ortega. “Deixe o povo decidir e não a máfia que está organizada no Vaticano!”
afirmou Ortega
Ortega basicamente exige do Vaticano aquilo que ele mesmo não aplica ao seu governo, onde foi reeleito em 2021 graças à manobras políticas. Na ocasião, ele havia decretado a prisão dos candidatos que eram seus principais opositores, restando apenas ele e candidatos que ninguém conhecia.
Igreja Católica como força de oposição à Ortega
Há quem atribua o desencadeamento da proibição das procissões religiosas à presença maciça de paroquianos nos últimos atos da Quarta-feira de Cinzas. No dia 22 de fevereiro, dia da prisão do bispo Rolando Álvarez, as principais igrejas estavam lotadas em um gesto de protesto.
“O regime pensou ter derrotado a Igreja Católica após a condenação contra monsenhor Álvarez. Mas naquele dia o povo saiu sem medo para ir à missa, numa demonstração de que a Igreja está mais forte do que nunca. Isso assustou o regime e por isso ele tomou a decisão de proibir as procissões”
afirmou Jaime
A tensão entre o governo Ortega e a Igreja Católica vem se intensificando desde 2018, quando o líder sandinista e a vice-presidente, sua esposa Rosario Murillo, solicitaram aos membros do clero que fizessem uma mediação entre eles e a revolta popular iniciada em 18 de abril daquele ano.
Os protestos começaram como uma reivindicação contra reformas do sistema previdenciário. Em seguida, eles desencadearam uma onda de protestos contra o governo de Ortega que durou seis meses e deixou mais de 300 mortos após confrontos com a polícia.
Após esse episódio, várias organizações denunciaram excessos na repressão policial e a violação de direitos humanos por parte do governo. Ortega por sua vez acusou a oposição de estar buscando um “golpe de Estado”.
Diante de tudo isso, a expectativa de Ortega é que a Igreja Católica tomasse partido do governo dele. O que não aconteceu. Apesar de apoiar as reivindicações do público, o clero aconselhou que eles buscassem um diálogo pacífico e rejeitou os protestos violentos.
Mesmo repreendendo os atos violentos, clérigos prestaram assistência aos manifestantes. Alguns padres chegaram até mesmo a dar refúgio em suas igrejas a manifestantes que fugiam da repressão policial. Tal atitude revoltou Ortega, que interpretou como uma tradição.
“Eu sei quem estava por trás das manobras, incentivando os crimes que, por princípio, como cristãos, como pastores, deveriam rejeitar totalmente”
disse Ortega
Ele também recorreu à costumeira acusação de “tentativa de golpe”, que ele sempre usa para justificar a manutenção da sua ditadura diante de qualquer oposição.
“Eles não são nada cristãos e agem com mentalidade terrorista e criminosa, juntando-se alegremente ao golpe.”
afirmou
Início da perseguição
Após a Igreja Católica rejeitar a sujeição ao governo de Ortega, ele iniciou em forma de represália uma série de ataques que a encurralou. Ele ordenou o fechamento de oito emissoras católicas e três canais de televisão. Ele chegou até mesmo a expulsar o núncio apostólico, representante diplomático da Santa Sé no país.
Em seguida, ele anulou a personalidade jurídica da Associação das Missionárias da Caridade, obrigando as freiras de Madre Teresa a deixar o país. Por fim, cerca de 60 religiosos fugiram ou foram expulsos da Nicarágua.
As medidas ditatoriais extremadas de Ortega tem uma explicação simples: a Igreja Católica, graças à sua grande influência e respeitabilidade perante o público, é uma alternativa ao governo. Nenhum governo ditatorial que almeja ser bem sucedido pode permitir que alguma instituição dispute sua influência sobre a sociedade.
“Por que Ortega tem tanto medo da Igreja? Por causa do impacto social que ela tem sobre os cidadãos”
comenta Jaime
Ele também comenta que:
“Desde a crise de 2018, tem sido a voz profética diante de tanta injustiça. A Igreja tem sido intermediária de ajuda material e espiritual e tem acompanhado os processos de violação dos direitos humanos. Não se curvou ao poder político.”
A tensão entre a Igreja Católica e o sandinismo liderado por Ortega, é no entanto bastante antiga. Inicialmente, ambos os grupos eram bastante próximos, já que o clero servia como mediador quando membros da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) derrubaram a ditadura de Anastasio Somoza em 1979 e conseguiram a libertação de presos políticos.
Essa aproximação acabou quando o governo sandinista começou a agir de forma tão ditatorial quanto o governo anterior que ele substituiu. A partir deste período, a Igreja Católica começou a denunciar a arbitrariedade da junta governamental presidida por Ortega.
Os riscos de ser católico na Nicarágua
O agravamento da tensão entre o governo Ortega e a Igreja Católica vem impactando a vida dos católicos nicaraguenses. Sendo um país majoritariamente católico (cerca de 45%, sendo o restante evangélico ou espírita), Ortega sabe do potencial de resistência que ele pode enfrentar deste grupo.
Uma das medidas adotadas por Ortega para aumentar o controle sobre os católicos, foi a criação de CPCs [Conselho do Poder Cidadão] em cada bairro. Essas entidades são responsáveis pelo registro de nomes e sobrenomes de católicos convictos.
“Estar nessas listas acarreta obstáculos para a realização de alguns processos civis, como tirar carteiras de habilitação, cédulas de identidade. Ou implica em riscos maiores, como prisão ou exílio”
afirma Jaime
Ele ainda afirma que o governo chegou até mesmo a proibir empresas privadas de prestar serviços a religiosos sob pena de cassar suas licenças ou aplicar multas altas.
“Algumas semanas atrás, fizemos uma atividade na igreja e ninguém quis nos alugar ônibus para transportar os participantes. Eles estão ameaçados”
afirma
Nem mesmo o interior das igrejas os fiéis estão em paz, já que há cada vez mais policiais à paisana assistindo a tudo. Tudo isso visando identificar qualquer pessoa suspeita de subversão e depois denunciá-los aos seus superiores.
“Os padres estão proibidos de mencionar o nome de Rolando Álvarez nas homilias [preleção feita por um sacerdote durante uma missa]. Esses funcionários se encarregam de registrar o que é dito na cerimônia. E tiram fotos dos participantes para ter arquivos em caso de qualquer acusação.”
afirmou Jaime
Jaime também afirma que as repressões do governo fizeram alguns paroquianos deixarem de ir à missa por medo. Com isso, muitos optaram por ficarem em casa durante as festividades religiosas.
Ele admite que também está com medo, mas que mesmo assim decidiu viver a Semana Santa o quanto puder. “Vou participar das atividades dentro das igrejas, conforme a indicação dos padres”, afirma.
“Eles tiraram meu último espaço de liberdade físico, mas não o espiritual ou mentalmente. Em tempos de perseguição, a igreja se fortalece. Para as pessoas de fé é um privilégio pertencer a uma organização que tem acompanhado seu povo de forma tão corajosa. Cada ataque contra a igreja representa, no fundo, uma derrota para este governo.”
concluiu
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