Morreu nesta terça-feira (30) o ex-lider (e também último líder) da extinta URSS, Mikhail Gorbatchov, na Rússia. Tal acontecimento gerou comoção entre vários líderes políticos e personalidades no mundo todo, da a construção de “defensor da paz” e da democracia que foi desenhada sobre o estadista.

Mas afinal, quem foi Mikhail Gorbatchov?

Mikhail Sergeevitch Gorbatchov ou Gorbachev nasceu em Stavropol, na Rússia, em 02 de março de 1931. Formou-se em Agronomia e em seguida em Direito na Universidade Estadual de Moscou. Afiliou-se ao Partido Comunista da União Soviética (PCUS) entre 1952 e 1991, permanecendo fora da política até 2000, quando se afiliou ao Partido Social Democrata da Rússia Unida (PSDUR).

Filho de pobres camponeses, trabalhou em uma fazenda coletiva durante o regime de Stalin até sua filiação ao PCUS. Casou-se com sua colega de faculdade Raíssa Titarenko, com quem teve sua filha, Irina Mikhailovna Virganskaya.

Após a morte de Stalin tornou-se um forte apoiador das reformas do líder soviético Nikita Khrushchov. Após o breve governo Konstantin Chernenko, Gorbatchov foi eleito Secretário-Geral pelo Politburo em 1985, tornando-se chefe de governo de facto.

Seguindo os passos de Nikita Khrushchov, Gorbatchov continuo as reformas democráticas, incluindo a retirada da URSS da guerra do Afeganistão. Além disso, participou de várias reuniões com líderes políticos, como ex presidente americano Ronald Reagan, visando limitar a proliferação de armas nucleares.

Na política interna, implementou a glasnost (política de transparência), aumentando assim a liberdade de expressão e de imprensa. Também criou a perestroika (reestruturação), visando com isso descentralizar a tomada de decisões no âmbito econômico, com o propósito de aumentar a eficiência econômica.

Ele também evitou intervir militarmente nas repúblicas soviéticas que estavam buscando sua independência política devido ao abandono dos ideais marxistas-leninistas em prol do nacionalismo local. Tal postura por parte de Gorbatchov levou vários partidários marxistas-leninistas a tentarem um golpe de Estado contra o governo seu governo em agosto de 1991.

No entanto, em nada isso adiantou, com a dissolução da União Soviética finalmente vindo a ocorrer, inclusive contra vontade de Gorbatchov, o que o levou a renunciar em dezembro do mesmo ano.

Gorbatchov sempre foi aclamado entre vários líderes políticos e personalidades famosas como uma grande referência na luta pela democracia e pela paz, chegando até mesmo a receber o Prêmio Nobel da Paz e ser considerada por muitos como “a maior personalidade da década de 1980”.

No entanto, há quem discorde de tal reconhecimento, como o autor libertário russo, Yuri N. Maltsev. Yuri N. Maltsev – que atualmente é professor de economia no Carthage College, em Wisconsin, EUA – foi membro de uma equipe sênior de economia que trabalhou no pacote de reformas da perestroika do presidente Gorbachev.

Em um artigo nada caridoso com a extinta União Soviética e com Gorbatchov, publicado no Mises Institute, Maltsev comenta sobre as reformas de Gorbatchov e diz que:

Suas “reformas” nunca foram fundamentais, mas apenas medidas expeditas para preservar a centralidade do Partido Comunista Soviético e salvar o que restava do sistema socialista. Gorbachev só estava disposto a “reformar” quando o mundo estava desmoronando ao seu redor.

Tal desmoronamento da URSS já havia sido previsto décadas antes pelo economista austríaco, Ludwig von Mises, pela primeira vez em seu ensaio ‘O Problema do Cálculo Econômico Sob O Socialismo‘ e mais amplamente em sua obra ‘Socialismo: Uma Análise Econômica e Sociológica‘. Mises chegou a conclusão de que pelo fato de não haver propriedade privada sobre os meios de produção, não teria como haver um mercado entre eles, e logo, não teria como se formar os preços necessários para se calcular os custos e as receitas derivadas destes mesmos meios de produção, o que tornaria uma alocação eficiente destes recursos impossível.

Economicamente, a URSS já estava condenada, e sua unidade política já estava suficientemente ameaçada pelos movimentos separatistas das repúblicas soviéticas. Sua dissolução era inevitável. E Gorbatchov, contrariando a figura de “tolerante” e “amante da paz e liberdade” atribuída à ele, fez o possível para manter a unidade da já boribunda URS. Sua principal diferença em relação aos líderes soviéticos anteriores foi apenas em recorrer a uma intervenção mais branda.

Ainda segundo Maltsev:

Era uma fantasia ocidental que o homem nomeado para ser o secretário-geral do Partido Comunista não fosse um comunista devoto. Como ao se juntar a uma gangue de rua, você deve demonstrar que é absolutamente leal ao clube (e a todos os crimes associados) e que sua consciência pode ser superada. Durante a longa ascensão política de Gorbachev, ele passou por mais de uma centena dessas autorizações políticas e de segurança. .

Um exemplo disto, foi a campanha anti-álcool iniciada por Gorbatchov. Tal política consistia em verificar se todos os trabalhadores soviéticos estavam ingerindo qualquer bebida alcoólica que fosse. Segundo Gorbatchov e demais burocratas, o abuso do álcool reduzia a produtividade dos trabalhadores, o que impactava duramente a economia do país. Gorbatchov ignorou que talvez estivesse lidando com uma consequência e não uma causa do problema. O uso abusivo do álcool estava mais para uma válvula de escape de tirania soviética do que a causa dos problemas em si.

Além da prisão de vários indivíduos pacíficos pelo simples fato de ingerir álcool, o governo de Gorbatchov tomou outras medidas duras, como fechamento de lojas de bebidas e confisco de qualquer bebida alcoólica que encontrassem. O resultado que Gorbatchov não esperava é a de que é que diversos produtos, como açúcar, farinha, loção pós-barba e limpador de janelas desapareceram imediatamente das prateleiras.

Tais produtos foram usados na produção de aguardente, que teve um aumento de cerca de 300% em um ano.

Segundo Maltsev:

O resultado previsível foi uma grande perda de vidas. De 13.000 a 25.000 pessoas morreram por beber álcool caseiro venenoso. Muitos mais morreram em filas por cinco horas para pegar o pouco de bebida oficial que restava. Enquanto isso, Gorbachev e burocratas leais do Partido – que diziam que os mortos mereciam seu destino – receberiam bebidas caras do Ocidente entregues em suas casas e escritórios. Muitas famílias gastariam até 75% de sua renda oficial em álcool. Mas com a campanha de Gorbachev, todos os outros lares começaram a fazer bicos.

O próximo alvo de Gorbatchov foi o que ele chamou de “maneira desonesta de ganhar dinheiro”, que incluía além do mercado negro, o aluguel de apartamentos e até mesmo hortas caseiras.

Como forma de manter controle sobre tal mercado “ilegal”, Gorbatchov impôs a obrigatoriedade de certificados em todos os produtos vendidos. O que Gorbatchov não esperava é que muitos destes certificados foram comprados com propinas pagas a burocratas “corruptos”.

Maltsev também comenta sobre a política de controle de preços durante o governo de Gorbatchov e de seu inevitável desastre:

Os controles de preços nos mercados cooperativos eram rigorosamente aplicados, de modo que todos os preços tinham que ser os mesmos das lojas estatais. Por exemplo, a carne bovina deveria custar 4 rublos por quilo. Como economista que trabalhava em Moscou, meu primeiro pensamento foi: “toda a carne vai desaparecer do mercado”. Mas quando fui ao mercado para ver o que estava acontecendo, para minha surpresa, a carne estava disponível. Acontece que os agricultores estavam vendendo astutamente 4 rublos de carne bovina, mas anexado estaria um enorme osso do tamanho de um dinossauro que elevou o peso total para um quilo. Com um sistema complexo de venda de carne e ossos enormes, a oferta e a demanda eram atendidas e não havia escassez de carne.

Mesmo entre suas “reformas para abertura de mercado”, Gorbatchov abraçava políticas econômicas justamente contrárias ao livre mercado, e como já dito, mesmo suas tímidas liberalizações eram apenas uma tentativa malfadada de tentar salvar o regime soviético, que viria a se extinguir algum tempo depois.

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