Da burocracia e da impossibilidade da função empresarial | por Rodrigo Santos

Autor: Rodrigo Santos

Este artigo tem por função explicar a essência da burocracia e, por conseguinte, a gestão burocrática e seus efeitos na função empresarial e no mercado. Além disso, em contrapartida, será explicado também a essência da gestão por lucro e porque, necessariamente, essa é a única forma de se obter êxito e harmonia na coordenação do mercado e, consequentemente, na sociedade.

Função Empresarial

A definição de função empresarial, de maneira geral, coincide com a ação humana no sentido praxeológico, ou seja, ação humana é todo comportamento ou conduta deliberada ou, ainda, é vontade posta em prática. Portanto, é possível afirmar que todo indivíduo quando age com o intuito de modificar o presente na esperança de alcançar seus objetivos e melhorar o seu estado de satisfação exerce função empresarial.¹

Segundo Israel Kirzner, economista de vertente austríaca, a função empresarial consiste, basicamente, em descobrir e observar as oportunidades que são geradas devido a ignorância por parte dos indivíduos na sociedade². E, de forma perspicaz, alcançar determinados fins que o agente o julga, de forma subjetiva, mais vantajosa. E essa característica inata da função empresarial, isto é, a de perceber “distorções” ou “brechas” onde é possível lucrar, é totalmente dependente da informação ou conhecimento que o agente possui.³

E o “conhecimento” que abordo aqui, não é o conhecimento do tipo científico e articulável, ou seja, aquele que está presente nos livros, jornais, revistas, artigos etc., e sim, daquele que, segundo Hayek, proeminente economista de vertente austríaca, é o conhecimento relevante em todo o tipo de circunstâncias particulares tendo em conta as coordenadas subjetivas de tempo e espaço.
E, este conhecimento de suma importância, abordado no artigo “The Use of Knowledge in Society” do Hayek, é aquele que é:
1) subjetivo do tipo prático, no sentido de que cada agente interpreta frações da informação, através da ação, de maneira pessoal e, portanto, subjetiva;
2) conhecimento exclusivo, no sentido que ele se encontra fragmentado em pequenas porções de toda a informação gerada transmitida a nível social e apenas ele o possui, conhece e o interpreta, de maneira privada;
3) encontra-se disperso nas mentes dos indivíduos, no sentido de que ele não é “dado”, mas sim, disseminado por todos os indivíduos integrantes da sociedade;
4) conhecimento do tipo tácito não articulável, no sentido de que, diferentemente do conhecimento científico, é dificílimo de ser explicado e articulado devido a seu alto grau de subjetividade e abstração;
5) conhecimento gerado ex nihilo, a partir do nada, no sentido de que é formado mediante o exercício da função empresarial;
6) conhecimento transmissível, no sentido de que o mesmo é transportado através dos processos sociais.⁴

Depois de estender-me explicando a natureza do conhecimento utilizado no exercício da função empresarial, há de se perceber que, a empresarialidade não implica em nenhum tipo de custo, assim sendo, ela é essencialmente criativa. E, além disso, a mesma faz com que haja várias consequências, são elas: criação e transmissão da informação e o efeito de coordenação e aprendizagem, mas, para ilustrar isso, vamos a um exemplo: quando uma pessoa “C” se dá conta de que existe uma possibilidade de lucro, cria-se dentro da sua mente uma nova informação que antes não existia.

Além disso, quando “C” empreende a ação e contata, por exemplo, com “A” e “B”, comprando barato de “B” um recurso que este tem em excesso e vendendo-o mais caro a “A”, que dele necessita com urgência, cria-se igualmente uma nova informação nas mentes de “A” e de “B”. Assim, “A”, por exemplo, percebe que o recurso de que carecia e tanto necessitava para alcançar o seu fim está disponível noutros lugares do mercado em maior abundância do que pensava e que, portanto, pode empreender agora sem problemas a ação que não havia iniciado por falta do referido recurso. Por seu lado, “B” se dá conta de que aquele recurso que possuía com tanta abundância, e ao qual não dava grande valor, é muito procurado por outras pessoas e que, portanto, deve conservá-lo e guardá-lo uma vez que pode vendê-lo a um bom preço.⁵

Podemos ver, acima, que o empreendimento essencialmente criativo de “C” fez com que houvesse aprendizagem em “A” e “B”, pois, ambos perceberam que puderam, de forma eficiente, alocar os recursos que tinham. E, ainda, a ação feita por “C” e o efeito que causou em “A” e “B” fez com que houvesse coordenação entre os agentes, onde não havia devido à ignorância presente em tal momento. Ou seja, o exercício faz com que os agentes subjacentes ao indivíduo que iniciou a ação aprendam com os seus erros e isso ocasiona a coordenação que faz com que haja harmonia nos processos sociais.

Portanto, conclui-se que, a função empresarial, além de ser inerentemente criativa, por não depender de custos, precisa de liberdade individuais para que haja a criação de informação, que, está sempre sendo gerada constantemente pelos indivíduos e a transmissão, que será utilizada pelos agentes. Assim sendo, toda restrição e imposição feita aos agentes sociais prejudica a transmissão de conhecimento e, dependendo do nível de coerção, pode até fazer com que não nasça nova informação, e, certamente, isso prejudicará a todos na sociedade, causando descoordenações e falta de aprendizagem pelos agentes, causando maus investimentos ou pior, a perda de incentivos para tais empreendimento.

Gestão Burocrática

A gestão burocrática é o método aplicado na condução de questões administrativas, e cujo resultado não tem qualquer valor monetário no mercado. Além disso, a principal característica é o fato dela ser gerida por homens que estão sob leis e regulações e assim, já que não dependem do lucro, esse tipo de gestão tende buscar o bem comum.
Diferentemente da gestão por lucro, onde o empresário-produtor quer ter ganhos, lucros em seu empreendimento, tendo como guia o cálculo contábil ou econômico de forma empresarial, e, por isso, podem saber se estão tendo sucesso ou prejuízo.
Na gestão burocrática, não tem como saber se tais ações estão agradando os “consumidores”, pois, não há o sinal do lucro-prejuízo, ou seja, a falta da função empresarial, preços e, por conseguinte, cálculo econômico fazem com que os burocratas agem como se estivessem de olhos vendados. As empresas estatais, teoricamente, atuam servindo coisas úteis à sociedade, na visão deles. Mas como definir a utilidade de tais serviços? Numa gestão por lucro, isso é facilmente resolvido, pois, segundo Mises, economista austríaco, o capitão é o consumidor e o dono do leme é o produtor.
Portanto, a burocracia não tem o objetivo de se sair bem concorrencialmente no processo de mercado, justamente por não ter como saber onde e o porquê estão tendo prejuízo sem um cálculo econômico, assim, certamente, tende ao fracasso econômico e os prejudicados não serão os “empresários” da empresa estatal, pois, caso o governo decida declarar falência de tal organização burocrática, os prejudicados sempre serão a população porque terão que fechar a conta via impostos.

Gestão por lucro

A gestão por lucro ou, ainda, a economia de mercado, é caracterizada por, principalmente, ser o sistema socioeconômico cujo fundamento é a propriedade privada. Assim, a partir da propriedade privada, os indivíduos podem exercer a tão importante função empresarial citada na primeira parte do artigo que é essencial para o cálculo econômico.
Segundo Mises, os capitalistas e empreendedores são essenciais a questões econômicas. O leme lhes está nas mãos e são eles que guiam o navio. Guiam-no, sim, mas não têm a liberdade de criar a rota. Não têm o poder absoluto; são apenas timoneiros, obrigados a obedecer incondicionalmente às ordens do capitão. O capitão é o consumidor.⁶
De acordo com o conceito da função empresarial, o lucro é, assim, o ganho obtido pela ação humana e constitui o incentivo que provoca ou motiva a tomada de ação, ou seja, o lucro é o maior incentivo para que um produtor continue servindo, da melhor maneira possível, os consumidores. Se não houver lucros e, sim, prejuízos, o empresário perde o incentivo de continuar a investir em tal setor.
O lucro, portanto, é a melhor maneira de saber se os consumidores ainda desejam tal produto ou serviço. Além disso, a partir da função empresarial inerente às economias de mercado que tem como saber se tal empreendimento poderá ou não ser lucrativo, diferentemente das gestões burocráticas.
A administração de uma empresa ou negócios numa economia de mercado também acontece de forma mais eficiente, pois, a partir do cálculo econômico, preços de mercado e afins, há como saber se tal setor tem prosperado ou não. E, diferentemente da gestão burocrática, caso os empresários têm prejuízos constantes e, empresarialmente, percebem que não há como mais ter lucros em determinado setor, ele é obrigado a declarar falência, ou seja, o único prejudicado real é sempre o produtor.
Portanto, há de se afirmar que a gestão por lucro é a gestão por excelência, pois, somente aqueles que se dispõem a suprir as eternas demandas dos consumidores, conseguem êxito na concorrência inerente nos processos de mercado. E, além disso, se os consumidores não estiverem satisfeitos com os serviços e produtos de tal empresário, a melhor maneira de fazer com que o mude, é deixando de comprar, pois isso fará com que ele reveja suas políticas mercadológicas a fim de agradar tais consumidores.

Implicações da burocracia

As implicações da burocracia no exercício da função empresarial e, por conseguinte, em todo seio social e na economia são diversas.
Primeiramente, para que haja exercício da função empresarial, como já explicado na 1° parte, é necessário a liberdade para que a informação que se encontra dispersa e tácita nas mentes dos agentes possa ser transmitida e, assim, continuada e sendo transformada em novos conhecimentos que serão indispensáveis para a coordenação social.
Em segundo lugar, listarei as regulações mais comuns feita às gestões por lucro na economia de mercado:

1. Os lucros que uma classe especial de empresas está livre para produzir são limitados. Parte do excedente tem que ser entregue às autoridades, ou distribuídos aos empresários como um bônus, ou eliminado, dissolvido numa redução de juros ou dos preços cobrados ao consumidor.

2. As autoridades podem determinar, como lhes bem aprouver, os preços e os juros que a empresa terá de cobrar pelos produtos vendidos ou pelos serviços prestados. Fazem-no a fim de impedir aquilo que dizem ser lucros “excessivos”.

3. A empresa não está livre para cobrar um valor maior pelos produtos e serviços prestados; está permitida apenas a cobrança de um valor maior do que seus custos reais somado a um adicional determinado pelas autoridades, seja este adicional baseado numa porcentagem dos custos, ou uma taxa fixa.

4. A empresa está livre para conseguir lucrar tanto quanto as condições do mercado permitirem; mas os impostos tomam-lhe todo o lucro, ou a maior parte dele, se o montante passar de certo valor.⁷

Essas são algumas das inúmeras das regulações e imposições que os empresários têm que lidar, e elas a fim de, teoricamente, trazer mais “bem estar-social” fazem com que a geração de novas informações pela função empresarial dos indivíduos seja danifica ou até mesmo cessada.
Os empresários marginais, isto é, aqueles que não tem estruturas de capitais tão desenvolvidas, podem, facilmente, deixar o mercado por conta da burocracia.
Além disso, para que os empresários não declarem falência e tenham prejuízos, a única saída para eles é encarecer o produto ou serviço prestado, ou seja, novamente, a população deverá pagar.
Inclusive, caso não houvesse burocracia e regulações, o empresário poderia redirecionar tempo e dinheiro, que normalmente são empregados para lidar com esses aspectos na sua empresa, para baratear os produtos ou expandir seus negócios.

Referências

1 DE SOTO, Jesus Huerta. 2013. Socialismo, Cálculo econômico e Função Empresarial
2 Sobre os processos de mercado, ver: KIRZNER, Israel M. 2012. Competição e Atividade empresarial
3 KIRZNER, Israel M. 2012. Competição e Atividade Empresarial
4 HAYEK, Friedrich A. 1945. The Use of Knowledge in Society
5 DE SOTO, Jesus Huerta. 2010. A Escola Austríaca
6 VON MISES, Ludwig. 2018. Burocracia. 2 ° Edição
7 VON MISES, Ludwig. 2018. Burocracia. 2 ° Edição.

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