Um jornal dinamarquês pediu desculpas a seus leitores por não questionar mais os dados e narrativas do governo ao longo dos dois primeiros anos da pandemia.

O Ekstra Bladet, fundado em 1904, disse que deveria ter tido mais cuidado ao examinar os dados e conclusões do governo antes de relatá-los:

“Durante quase dois anos, nós – a imprensa e a população – estivemos quase hipnoticamente preocupados com o boletim diário das autoridades”, escreveu o jornalista do Bladet, Brian Weichardt. “O alerta mental CONSTANTE se esgotou tremendamente em todos nós. É por isso que nós – a imprensa – devemos também fazer um balanço dos nossos próprios esforços. E nós falhamos.”

No mea culpa, que se tornou uma trend no Twitter durante o início deste mês, Weichardt sugeriu que o jornal deveria ter feito mais perguntas sobre como as autoridades de saúde pública estavam registrando os dados:

“NÃO fomos vigilantes o suficiente quando as autoridades foram obrigadas a responder o que realmente significava que as pessoas estavam hospitalizadas com corona e não por causa do corona. Porque faz a diferença. Uma grande diferença. Exatamente, os números oficiais de hospitalização mostraram ser 27% maiores do que o número real de quantos há no hospital, simplesmente porque eles têm corona. Só sabemos disso agora.

É claro, antes de tudo as autoridades que são responsáveis por informar a população de forma correta, precisa e honesta. Os números de quantos estão doentes e morreram de corona já deveriam, por razões óbvias, ter sido publicados há muito tempo…”.

Os jornalistas deveriam ter evitado adotar a retórica e a narrativa do Estado sobre a vacinação e os hospitais da Dinamarca, particularmente os superlativos que os acompanhavam, afirmou Weichardt.

“As vacinas são constantemente referidas como nossa ‘super arma’. E nossos hospitais são chamados de ‘super hospitais'”, escreveu ele. “No entanto, esses super hospitais aparentemente sofrem pressão máxima, embora quase toda a população esteja armada com uma super arma”.

Ele continuou:

“Até as crianças foram vacinadas em grande escala, o que não foi feito em nossos países vizinhos. Em outras palavras, há algo aqui que não merece o termo ‘super’. Sejam as vacinas, os hospitais ou uma mistura de tudo isso. Mas, de qualquer forma, a comunicação das autoridades à população não merece o termo ‘super’”.

Um monitor independente

O pedido de desculpas é um lembrete importante de que o papel tradicional do jornalismo é ser “um monitor independente do poder”, e não um porta-voz do poder público.

“O jornalismo tem uma capacidade incomum de servir de fiscalizador daqueles cujo poder e posição mais afetam os cidadãos”, explica o American Press Institute (API). “Também pode oferecer voz aos sem voz.”

Por isso, diz a API, é imperativo que os jornalistas não sejam “seduzidos pelas fontes” ou “intimidados pelo poder”. Isso significa não simplesmente regurgitar os dados e palavras de políticos e burocratas, mas analisá-los criticamente.

Durante a pandemia, isso muitas vezes não aconteceu – e é um problema que vai muito além da Dinamarca.

Nos Estados Unidos, a mídia tende a ver as declarações do Dr. Anthony Fauci, o principal conselheiro médico da Casa Branca, como uma espécie de evangelho. Nicolle Wallace, da MSNBC, poderia estar falando por muitos quando se nomeou “uma fã do Fauci”.

O chefe do NIH apareceu em mais capas de revistas do que pode ser contado, viu sua vida como tema de cinebiografia da Disney e (em junho do ano passado) realizou 400 eventos de mídia – mesmo que seu papel não seja de relações públicas.

A maioria da mídia tem sido tímida em questionar ou criticar Fauci, apesar de suas mudanças de opinião sobre a pandemia, e se contentam em acreditar em suas palavras. Alguns jornalistas até parecem ter recuado nas narrativas contrárias com as mensagens de Fauci, a seu pedido.

Ele mesmo adotou uma abordagem estranha em relação aos críticos de suas estratégias.

“… eles estão realmente criticando a ciência”, disse Fauci em novembro, “porque eu represento a ciência”.

“Eles chamam o suporte técnico”

Como a mídia passou de questionar os que estavam no poder para papagueá-los?

Uma resposta pode ser encontrada em um artigo escrito por Michael S. Schudson, professor de jornalismo na Universidade de Columbia, que explora o papel do jornalismo nas democracias liberais.

Schudson, bem como o American Press Institute, afirma que o primeiro trabalho do jornalismo é relatar a verdade (“colocar a realidade em primeiro lugar”, escreveu). O problema, diz ele, é que muitos hoje não conseguem concordar com o que é verdade em uma época que, para o bem ou para o mal, é cada vez mais relativista.

“A maioria dos calouros em sua primeira aula de filosofia entrará com o argumento de que ‘é tudo relativo’ e que ‘essa é apenas a sua opinião!’ – nenhuma pesquisa, argumento ou discussão pode alterar nossos preconceitos”, escreve Schudson. “É por isso que os chamamos de juvenis.”

Os alunos não acreditam verdadeiramente que “tudo é relativo”, e suas ações demostram isso, explica Schudson.

“Se o computador funcionar mal, eles não rezam para que seja consertado por intervenção divina, nem normalmente chutam o computador”, diz ele. “Em vez disso, eles ligam para o suporte técnico – eles recorrem a especialistas.”

Especialistas, Schudson parece estar dizendo, é onde as pessoas e os bons jornalistas vão para descobrir o que é real.

“Quando a realidade bate insistentemente à porta, o compromisso prematuro com o ‘tudo é relativo’ fica para trás”, diz. “Relativista ou modernista ou pós-modernista, esquerda ou direita – todos procurarão especialistas.”

A dança do Estado com os ‘intelectuais da corte’

A sugestão de Schudson de que os especialistas são a fonte da verdade e do bom jornalismo é falha por duas razões. Primeiro, ele parece não perceber que essa sugestão cria uma tensão óbvia com o outro objetivo principal do jornalismo – monitorar e responsabilizar os que estão no poder, não servir de porta-voz para eles.

Em segundo lugar, Schudson, um tanto ingenuamente, parece ignorar a proximidade dos especialistas com o poder político. Talvez ele simplesmente não veja isso como um problema.

Afinal, há uma tendência em considerar os funcionários públicos e especialistas como altruístas e agentes para o interesse público. A teoria da escolha pública (e o senso comum), no entanto, sugerem que essa visão também é ingênua; os indivíduos não abandonam seus interesses próprios simplesmente porque trabalham para ou em nome do governo. (Veja mais sobre a teoria da escolha pública aqui).

Schudson não está errado ao dizer que os jornalistas devem buscar especialistas para nos ajudar a explicar o mundo, que é complexo. Mas ver “os especialistas” como a fonte suprema da verdade é uma filosofia bizarra, e ignora até que ponto o Estado e os especialistas podem chegar para promover seus próprios interesses, trabalhando em conjunto.

Em uma linguagem prática, o economista Murray Rothbard explicou como funciona essa dança entre o Estado e os “intelectuais da corte” – especialistas, professores, jornalistas etc.

“Como seu domínio é explorador e parasitário, o Estado deve comprar a aliança de um grupo de ‘intelectuais da corte’, cuja tarefa é enganar o público para que aceite e celebre o domínio de seu Estado particular”, escreveu Rothbard em um ensaio de 1976. “Em troca de seu trabalho contínuo de apologética e trapaça, os Intelectuais da Corte ganham seu lugar como parceiros menores no poder, prestígios e pilhagens extraídas pelo aparato do Estado.”

Quando os jornalistas dizem: “‘Os especialistas dizem’ tornou-se um sinal revelador de propaganda”, eles estão se referindo ao fenômeno descrito por Rothbard.

Nada disso é para impugnar a perícia dos especialistas. (Poucos, que eu saiba, questionam a experiência do Dr. Fauci como epidemiologista. A principal queixa contra Fauci é que ele foi muito além de seu papel como consultor médico.)

É apenas dizer que jornalistas (e cidadãos) devem reconhecer sua proximidade com o poder e a influência, e perceber que especialistas, como políticos, não abandonam o interesse próprio simplesmente por causa do trabalho que fazem. Os dados e comentários devem ser examinados, dissecados e discutidos, não tratados como evangelho ou usados ​​como evidência prima facie para políticas coercitivas. (Como o economista Ludwig von Mises apontou, não há “dever na ciência”; a ciência só pode nos dizer o que é.)

O jornal da Dinamarca, Ekstra Bladet, parece ter aprendido algumas dessas lições durante a pandemia. Vamos torcer para que mais agências de notícias ao redor do mundo façam o mesmo.

Texto escrito por Jon Miltimore. Traduzido e adaptado por Gazeta Libertária.

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