Em discussões sobre o socialismo, é sempre apontado como prova de sua inviabilidade o fracasso das experiências socialistas no século XX, como a URSS, a China Maoísta, Khmer Vermelho no Camboja. Assim como também é possível apontar o fracasso das experiências ainda existentes hoje, como a Venezuela, Coréia do Norte e Cuba.

No entanto, muitos socialistas, quando confrontados com esses fatos, respondem com a afirmação de que “esse não era o socialismo de verdade” ou “deturparam Marx”. Por fim, podem alegar que porque não deu certo como se esperava, não significa que nas “condições ideais” não funcionaria.

Em parte, os socialistas que afirmam isso não estão totalmente errados. Apenas uma teoria econômica sólida que estabeleça leis básicas de funcionamento da economia e limites para o que é possível ou não dentro do campo da economia, poderia determinar se um modelo econômico como o socialismo, seria ou não, praticável da forma que ele se propõe.

E a Escola Austríaca de Economia, graças ao seu realismo econômico, é a única escola de pensamento que pode nos ajudar nisso. Por levar em conta como a economia funciona de fato, baseando-se no fato de que indivíduos usam meios escassos para atingir seus fins mais urgentes e todas as implicações que isso gera, é a única capaz de descrever o que é possível ou não economicamente falando, e isso inclui a praticabilidade do socialismo.

Em sua grande obra ‘Socialismo: Uma Análise Econômica e Sociológica‘, o economista austríaco, Ludwig von Mises, expõe o porque do socialismo ser impraticável da forma como ele propõe ser aplicado, além de analisar o socialismo em todos os seus aspectos e formas.

No entanto, antes de tratar da inviabilidade do socialismo, uma breve exposição sobre economia será necessária.

A natureza da economia

A economia é basicamente a dinâmica da relação entre os agentes humanos e a alocação de recursos escassos usados por eles parava satisfação de suas demandas mais urgentes. O agente humano imagina cenários de satisfação avaliados subjetivamente como melhores do que o estado de satisfação na qual se encontra. Ele percebe que pode manipular a realidade e com isso obter determinado resultado.

Sendo capaz de identificar quais resultados lhe são mais satisfatórios, o agente humano irá sempre dar preferência à estes resultados à outros alternativos. O agente age de acordo com sua escala de valores, que vai desde os fins tidos por ele como os mais urgentes até os menos urgentes. Nesta ordem que os recursos sob seu domínio serão alocados.

Nas Palavras do economista Ludwig von Mises:

Toda ação humana, desde que seja racional, aparece como a troca de uma condição por outra. Os homens aplicam bens econômicos, tempo pessoal e trabalho na direção que, sob dadas circunstâncias, promete o maior grau de satisfação, e eles abandonam a satisfação de necessidades menores para satisfazer as necessidades mais urgentes. Essa é a essência da atividade econômica — a realização de atos de mudança.

Quanto mais recursos excedentes, mais serão alocados para os fins menos urgentes. Quanto menos recursos, mais fins menos importante ele terá que abrir mão para direcionar os recursos para os fins mais importantes.

Por mais que pareça trivial, esse insight revela a natureza básica da economia, principalmente na produção de bens de consumo e em especial nas relações de troca em uma economia de mercado. Mais a frente, isso será mostrado como essencial para entender a questão dos preços e sua importância para uma economia integrada em larga escala.

Há muitos outros insights importantes para entender o fenômeno da economia. No entanto, os insigts apresentados mais acima serão suficientes para a exposição deste artigo sobre a praticabilidade do socialismo.

Bens de consumo e bens de produção

Na economia, os recursos utilizados pelos agentes para satisfazer suas demandas são chamados de bens econômicos. Eles podem ser divididos entre bens de consumo e bens de produção. Um outro bem econômico que serve como meio de troca, a moeda, será tratado mais adiante.

Os bens de consumo são os recursos com os quais o agente pode satisfazer sua demanda diretamente. Um exemplo disso seria uma maçã que ele poderia colher de uma macieira e saciar sua fome ou recolher água de uma fonte e e saciar sua sede.

No entanto, nem sempre bens prontos nas condições de satisfazer a demanda de um agente estão disponíveis na natureza, sendo necessário utilizar meios que o ajudem a obter os bens que saciem suas vontades. A função dos bens de produção é auxiliar o agente nisso.

Um exemplo prático de uma situação onde um agente recorreria à um recurso como bem de produção, seria o de utilizar uma vara de pesca para conseguir peixes, e estes sim, servirão como um bem de consumo para ele.

Muitos outros exemplos práticos de bens de produção poderiam ser dados aqui. A terra, sementes e água para o plantio, ferramentas de marcenaria e madeira para fabricar móveis e máquinas industriais e matéria prima para fabricação de vários produtos mais complexos, como um smartphone por exemplo. O importante aqui é que fique entendido o que é um bem de produção e sua importância em qualquer economia acima da mera subsistência.

Socialismo

O socialismo é basicamente a socialização dos meios de produção, em contraste com a propriedade privada dos meios de produção. Esta última tanto pode existir em comunidades autossuficientes (onde os detentores dos meios de produção produzem para o próprio consumo) quanto em economias de mercado baseadas na divisão do trabalho e nas trocas, onde os detentores dos meios de produção produzem para outros em troca de outros bens.

A socialização dos bens de produção implica no fato de que ao invés do produtor decidir o que será produzido e quanto será produzido, a decisão caberia, hipoteticamente, à sociedade. Digo aqui hipoteticamente, pois seria humanamente impossível que toda a sociedade participasse da decisão sobre a produção dos bens de consumo.

Como essa socialização se daria, varia para cada teoria sobre o socialismo. Como será tratado aqui o socialismo na perspectiva marxista ortodoxa, que foi a que predominou e a que inspirou os regimes socialistas que já existiram e que ainda existem, as demais formas serão deixadas de lado.

No caso do socialismo na perspectiva marxista ortodoxa, a socialização dos bens de produção por meio do estado socialista e de seus representantes eleitos, é considerada pelos autores como uma etapa transitória, porém necessária, do capitalismo para o comunismo.

O comunismo é considerado o estágio final da socialização dos meios de produção, onde tal forma de gestão dos bens e da produção estará tão internalizada na sociedade, que um estado não será mais necessário, com ele mesmo se extinguindo em seguida.

A importância do cálculo econômico para a produção em massa

O socialismo, assim como o capitalismo, se apresenta como um modo de produção e distribuição de bens em larga escala. Em uma economia capitalista, os proprietários dos bens de produção precisam de informação para saber como direcionar a produção, de modo que consiga atender as demandas dos consumidores, pois é assim que um modo de produção em larga escala deve funcionar.

No modo capitalista de produção, isso pode ser obtido por meio do sistema de preços. O preço é o quanto cada consumidor está disposto a abrir mão em moedas em troca de determinada quantidade de bens, sejam eles de consumo ou de produção.

Sendo o preço dos bens de produção estimado no quanto eles serão úteis para produzir os bens mais demandados pela sociedade, os bens de produção mais demandados devido à maior demanda dos bens que ele é capaz de produzir terão seus preços mais altos em relação aos bens de produção menos demandados.

Nas palavras de Mises:

Em uma economia de trocas, o valor objetivo de troca de mercadorias se torna a unidade de cálculo. Isso envolve uma vantagem tripla. Em primeiro lugar, nós somos capazes de tomar como base de cálculo a valoração de todos os indivíduos participantes da troca. A valoração de um indivíduo não é diretamente comparável com a valoração subjetiva dos outros. Ela só se torna como um valor de troca decorrente da interação das valorações subjetivas de todos que participam da compra e da venda. Segundo, os cálculos desse tipo fornecem um controle sobre o apropriado uso dos meios de produção. Eles permitem a aqueles que desejam calcular o custo de processos complicados de produção ver se eles estão funcionando tão economicamente quanto os outros.

Se, sob os preços de mercado predominantes, eles não podem conduzir o processo com lucro, é uma prova clara que outros são mais capazes de lucrar com os bens instrumentais em questão. Finalmente, os cálculos baseados em valores de troca nos permitem reduzir valores a uma unidade comum. E já que as negociações no mercado estabelecem relações de substituição entre mercadorias, qualquer mercadoria desejada pode ser escolhida para esse propósito. Em uma economia monetária, a moeda é a mercadoria utilizada.

E nisso consiste o cálculo econômico, processo realizado pelo produtor onde ele compara os custos e o lucro e avalia a viabilidade de investir em determinados bens de produção e não outros. Num mercado de bens de produção, aqueles que produzirem os bens mais demandados receberão investimentos de recursos que seriam direcionados para a produção de outros bens que produzem bens menos demandados, o que levará a uma maior oferta dos primeiros em detrimento destes últimos.

O preço, seja dos bens de consumo seja dos bens de produção, reflete as necessidades mais urgentes dos consumidores dentro de uma economia de mercado capitalista.

Alguém pode objetar e apontar que o cálculo econômico dos bens de produção guiado pelo sistema de preços é falho devido à possibilidade do empreendedor errar na sua previsão. No entanto, aí seria um caso de falha por parte do agente, não do cálculo econômico.

O cálculo econômico assegura ao empreendedor eficiente a se guiar de forma adequada para empreender bem os seus recursos para atender às demandas mais urgentes do público. Sua maior eficácia está em evitar escassez generalizada por um lado e desperdício por outro.

O problema do cálculo econômico sob o socialismo

Diferente do capitalismo, o socialismo não tem como recorrer ao cálculo econômico. Uma vez que não há propriedade privada dos meios de produção, não há como haver livres trocas. Sem livres trocas entre produtores e consumidores, não há como haver um sistema de preços refletindo a demanda destes últimos.

Sem um sistema de preços, não é possível fazer comparação entre lucro e custos de produção. Sem poder fazer comparação entre lucro e custos de produção, não é possível concluir que determinados bens de produção foram melhor aplicados na produção de determinados bens do que de outros.

O socialismo, como imaginado por Karl Marx, deveria superar o que Marx chamava de “anarquia da produção”, característica do capitalismo. Para ele, a inferioridade do capitalismo em relação ao socialismo estaria, entre outros fatores, na produção guiado por “forças cegas do mercado” ao invés de ser guiada “conscientemente” pelo proletariado (classe dos trabalhadores).

Para Marx, algo essencial para o bem estar da sociedade, como a produção de bens de consumo e bens de capital (bens de produção), não poderia estar sujeita à “forças inconscientes”. A produção deveria ser guiada pela própria sociedade que conhece suas necessidades.

Não somente o socialismo pleno não pode se guiar pelo sistema de preços como o próprio Marx o rejeitou como uma falha intrissica ao sistema capitalista.

De qualquer forma, um socialismo autêntico só pode se basear na produção guiada pelos representes da sociedade baseados no que acreditam serem as demandas mais urgentes do público consumidor.

Na prática, não há alternativa à esse planejamento da produção que não seja por meio de um estado socialista. Um planejamento centralizado demanda um órgão centralizado para ser possível. O próprio Marx e outros autores marxistas entenderam isso. Para eles isso é verdade, mesmo que seja (na perspectiva deles) uma fase transitória, porém necessária, da evolução do capitalismo para o comunismo.

Qualquer alternativa ao planejamento centralizado da economia seria diferente de qualquer compreensão que os autores socialistas, principalmente Marx e seus seguidores, sempre tiveram sobre o que é o socialismo.

E aí que reside o calcanhar de Aquiles do socialismo: uma vez que não há como recorrer ao sistema de preços para fazer o cálculo econômico, não há como medir, por meio da comparação entre lucro e custos, o aproveitamento de determinados bens de capital na produção de determinados bens de consumo.

Não há como saber se se está desperdiçando recursos ou subutilizando.

Óbvio que, uma vez que um determinado regime socialista perceba que não é possível abolir totalmente o sistema de preços, ele permite que ele possa existir de alguma forma.

Isso serviria para contornar os problemas advindos de uma economia em larga escala sem preços.

De acordo com Mises:

Não é necessário que o socialismo dispense totalmente a moeda. É possível conceber arranjos que permitam o uso da moeda na troca de bens de consumo.

No entanto, ele alerta para o problema que uma sociedade socialista terá que enfrentar:

Mas, uma vez que os preços dos vários fatores de produção (incluindo o trabalho) não podem ser expressos em moeda, a moeda não pode desempenhar nenhum papel nos cálculos econômicos

E Mises faz sua famosa sentença:

Onde não há mercado, não há sistema de preços, e onde não há sistema de preços, não pode haver cálculo econômico.

Provas históricas do fracasso do socialismo

Mises já havia antecipado com precisão e antecedência o colapso do socialismo uns 51 anos antes, e isso ficou mais evidente com o fim da maior experiência socialista de história: a URSS.

Antes disso, era latente a propaganda de simpatizantes do socialismo soviético no Ocidente (geralmente artistas e intelectuais bem nascidos) o pintando como exemplo de como não apenas o socialismo é possível como pode superar o capitalismo.

No entanto, na medida que informações que denunciavam a pobreza e miséria escondidas pela propaganda soviética se tornavam conhecidas, ficava cada vez mais evidente que era um sistema destinado a falência.

Em um artigo do Mises.org, Baseado em informações de como era a vida na URSS, o autor Andrew More diz:

A escassez de produtos básicos de consumo — alimentos e outros — prevalecia. Embora a escassez não fosse tão severa nos principais centros populacionais, como Leningrado e Moscou, elas eram comuns no resto do país. Ou você não encontrava nada nas prateleiras das lojas estatais ou esperava em longas filas. Se você violou o 11º mandamento do comunismo – você não deve patrocinar um negócio privado – você ainda não teria acesso a uma fruta fresca ou um pouco de carne porque os preços eram muito altos ou os estoques eram sazonais.

Em um artigo de 1982, o jornal New York Times faz o seguinte relato:

Ao meio-dia de um dia da semana passada, o balcão de carnes estava reduzido a cortes lamentáveis ​​de carne bovina e de carneiro, principalmente gordura e osso. Depois de algumas semanas no final do ano passado, quando desapareceu das lojas de Moscou, a manteiga estava à venda novamente, mas com um limite de 1,1 libra por comprador. O balcão de vegetais ostentava exibições simetricamente organizadas de cenoura, beterraba e repolho, mas grande parte estava Podre

Após anos de estagnação econômica e decadência, a URSS finalmente chega ao fim em 1991. Após ela, outros regimes seguiram na sua tentativa de colocar o a socialista em prática. Alguns, como a China, abandonando a socialização total assumindo um modelo de economia mista por necessidade de sobrevivência.

Outros colapsando de forma brutal, como o Khmer Vermelho no Camboja. E alguns teimando até hoje com a tentativa de colocar em prática o impraticável, como Cuba, Coreia do Norte e Venezuela.

E assim como foi no período soviético, ainda há aqueles que se iludem com a possibilidade de sucesso de um sistema socialista, alegando que apenas “não foi aplicado como deveria”.

No entanto, para aqueles que conhecem a economia e como ela realmente funciona e suas limitações, sabe porque o socialismo, tal qual ele se apresenta, é impraticável, e esse foi um dos maiores legados que Mises nos deixou.

Se você quer saber em detalhes, do próprio Mises o porque da impraticabilidade do socialismo e também entender sua análise do socialismo, adquira o livro ‘Socialismo: Uma Análise Econômica e Sociológica’, traduzido e disponibilizado pela Editora Konkin!

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