Escrito por: Frédéric Bastiat
Traduzido por: Wallace Nascimento (@SrNascimento40)
Revisado por: Nicholas Ferreira (@zapzapkkkkkkkk)
“Dinheiro detestável! Dinheiro abominável!”, Lamentou F__, o economista, desesperadamente, ao voltar da Comissão de Finanças, onde um projeto de dinheiro em papel acabara de ser discutido.
“O que é que se passa?”, Eu disse. “Qual é o significado desta repentina aversão à mais exaltada de todas as divindades deste mundo?”
F. Dinheiro detestável! Dinheiro abominável!
B. Alarmam-me. Ouço gritos de paz, liberdade e vida, e Brutus chegou ao ponto de dizer: “Virtude! Tu és apenas um nome!” Mas o que pode ter acontecido?
F. Dinheiro detestável! Dinheiro abominável!
B. Venham, venham, exerçam um pouco de filosofia. O que é que lhe aconteceu? O Croesus tem lhe afetado? O Jones tem estado a fazer-te de falso? Ou o Smith tem lhe difamado nos jornais?
F. Não tenho nada a ver com Croesus; o meu personagem, pela sua insignificância, está a salvo de qualquer calúnia de Smith; e quanto a Jones…
B. Ah! agora percebi. Como poderia eu ser tão cego? Você também é o inventor de uma reorganização social do sistema. De fato, a vossa sociedade deve ser mais perfeita do que a de Esparta, e, por conseguinte, todo o dinheiro deve ser estritamente banido dela. E o que vos perturba é como convencer o vosso povo a deitar fora o conteúdo das suas bolsas. O que é que terias? Esta é a pedra sobre a qual todos os reorganizadores se dividem. Qualquer pessoa poderia fazer maravilhas se conseguisse ultrapassar todas as influências resistentes, e se toda a humanidade consentisse em tornar-se cera macia nos seus dedos; mas os homens estão decididos a não serem cera macia; eles […] escutam, aplaudem, ou rejeitam e prosseguem como antes.
F. Graças aos céus, ainda estou livre desta mania da moda. Em vez de inventar leis sociais, estou a estudar aquelas que os economistas prazeirosamente inventaram, e estou encantado por achá-las admiráveis emseu desenvolvimento progressivo. É por isso que exclamo: “Dinheiro detestável! Dinheiro abominável”!
B. És discípulo de Proudhon, então? Bem, há uma maneira muito simples de se satisfazer. Atire a sua bolsa ao rio, reservando apenas um pequeno cheque no Banco de Câmbio.
F. Se eu gritar contra o dinheiro, é provável que eu deva tolerar o seu enganoso substituto?
B. Então só tenho mais um palpite a dar. És um novo Diógenes, e vais fazer-me um discurso sobre o desprezo pela riqueza.
F. Que o céu me preserve disso! Pois as riquezas, tu não percebes, não são um pouco mais ou um pouco menos de dinheiro. São pão para os famintos, roupa para os nus, combustível para vos aquecer, óleo para prolongar o dia, uma carreira aberta ao vosso filho, uma certa porção para a vossa filha, um dia de descanso após a fadiga, um cortejo para os débeis, uma pequena ajuda que escorregou na mão de um homem pobre, um abrigo da tempestade, um desvio para um cérebro desgastado pelo pensamento, o prazer incomparável de fazer felizes aqueles que nos são queridos. As riquezas são educação, independência, dignidade, confiança, caridade; são progresso e civilização. As riquezas são o admirável resultado civilizador de dois agentes admiráveis, mais civilizadores até do que a própria riqueza – trabalho e intercâmbio.
B. Bem! Agora pareces estar a cantar os louvores das riquezas, quando, há um momento atrás, as estavas a carregar com imprecações!
F. Por quê, não vês que foi apenas o capricho de um economista? Eu grito contra o dinheiro, só porque todos o confundem, como acabaste de fazer, com riquezas, e esta confusão é a causa de erros e calamidades sem número. Grito contra ele porque a sua função na sociedade não é compreendida, e é muito difícil de explicar. Grito contra ele porque confunde todas as ideias, faz com que se tomem os meios pelo fim, o obstáculo pela causa, o alfa pelo ômega; porque a sua presença no mundo, embora em si mesma benéfica, introduziu no entanto uma noção fatal, uma perversão de princípios, uma teoria contraditória que, numa multiplicidade de formas, empobreceu a humanidade e inundou a terra de sangue. Grito contra ele, porque me sinto incapaz de lutar contra o erro a que ela deu à luz, a não ser por uma longa e fastidiosa dissertação a que ninguém daria ouvidos. Oh! se eu pudesse apenas encontrar um ouvinte paciente e pensante!
B. Bem, não se deve dizer que, por falta de uma vítima, permaneces no estado de irritação em que se encontra agora. Eu estou a ouvir; fale, dê lições, não se contenha de forma alguma.
F. Promete se interessar?
B. Prometo ter paciência.
F. Isso não é muito.
B. É tudo o que eu posso dar. Comece, e explique-me, primeiramente, como é que um erro sobre o tema do dinheiro, se houver erro, pode ser encontrado na raiz de todos os erros econômicos?
F. Bem, é possível que me possas assegurar conscientemente que nunca confundiste riqueza com dinheiro?
B. Não sei; mas, afinal de contas, qual seria a consequência de tal confusão?
F. Nada de muito importante. Um erro no seu cérebro, que não teria influência sobre as suas ações; pois veja que, no que diz respeito ao trabalho e à troca, embora haja tantas opiniões quanto cabeças, todos nós agimos da mesma maneira.
B. Tal como caminhamos com base no mesmo princípio, embora não estejamos de acordo sobre a teoria do equilíbrio e da gravitação.
F. Precisamente. Uma pessoa que defendeu a opinião de que durante a noite as nossas cabeças e pés mudavam de lugar poderia escrever livros muito bons sobre o assunto, mas mesmo assim andaria por aí como todos os outros.
B. Assim penso eu. No entanto, em breve sofreria a pena de ser demasiado lógico.
F. Da mesma forma, um homem morreria de fome que, tendo decidido que o dinheiro é uma verdadeira riqueza, deveria levar a cabo a ideia até ao fim. Esta é a razão pela qual esta teoria é falsa, pois não há teoria verdadeira, mas sim resultados dos próprios fatos, tal como se manifesta em todos os momentos e em todos os lugares.
B. Posso compreender que praticamente, e sob a influência de interesses pessoais, os efeitos prejudiciais da ação errônea tenderiam a corrigir um erro. Mas se aquilo de que falas tem tão pouca influência, porque é que isso o perturba tanto?
F. Porque, quando um homem, em vez de agir por si próprio, decide pelos outros, o interesse pessoal, aquele sentinela sempre vigilante e sensata, já não está presente para gritar: “Parem! A responsabilidade está mal colocada”. É Pedro que é enganado, e João sofre; o falso sistema do legislador torna-se necessariamente a regra de ação de populações inteiras. E observem a diferença. Quando se tem dinheiro, e se tem muita fome, seja qual for a sua teoria sobre dinheiro, o que se faz?
B. Vou a um padeiro e compro algum pão.
F. Não hesita em usar o seu dinheiro?
B. O único uso do dinheiro é comprar o que se quer.
F. E se por acaso o padeiro tiver sede, o que faz?
B. Ele vai ao comerciante de vinho, e compra vinho com o dinheiro que lhe dei.
F. O quê? […] Não terá ele medo de se arruinar?
B. A verdadeira ruína seria ficar sem comer ou beber.
F. E todos no mundo, se forem livres, agem da mesma maneira?
B. Sem dúvida. Será que morreriam de fome por causa de pouparem centavos?
F. Tão longe disso, que considero que agem com sensatez, e só desejo que a teoria não seja senão a imagem fiel desta prática universal. Mas, suponhamos agora, que o senhor era o legislador, o rei absoluto de um vasto império, onde não havia minas de ouro.
B. Para mim, soa bom.
F. Suponha, mais uma vez, que estavas perfeitamente convencido disto,- que a riqueza consiste única e exclusivamente em dinheiro; a que conclusão chegarias?
B. Devo concluir que não havia outro meio para eu enriquecer o meu povo, ou para eles se enriquecerem a si próprios, a não ser retirar o dinheiro de outras nações.
F. Ou seja, empobrecê-los. A primeira conclusão, portanto, a que chegaria seria esta: uma nação só pode ganhar quando outra perde.
B. Este axioma tem a autoridade de Bacon e Montaigne.
F. Não é o menos triste por isso, pois implica que o progresso é impossível. Duas nações, não mais do que dois homens, não podem prosperar lado a lado.
B. Parece que tal é o resultado deste princípio.
F. E como todos os homens são ambiciosos para enriquecerem a si próprios, segue-se que todos estão desejosos, de acordo com uma lei da economia, de arruinar as suas criaturas semelhantes.
B. Isto não é cristianismo, mas sim economia política.
F. Uma tal doutrina é detestável. Mas, para continuar, fiz de ti um rei absoluto. Não deves ficar satisfeitos com o raciocínio; deves agir. Não há limite ao vosso poder. Como tratarias esta doutrina – a riqueza é dinheiro?
B. Seria o meu esforço aumentar, incessantemente, entre o meu povo, a quantidade de dinheiro.
F. Mas não há minas no vosso reino. Como o farias? O que faria?
B. Não deveria fazer nada: deveria simplesmente proibir, sob pena de morte, que um único dólar deixasse o país.
F. E se por acaso o seu povo tivesse fome tanto quanto fossem ricos?
B. Não importa. No sistema que estamos a discutir, permitir-lhes exportar dólares seria permitir-lhes empobrecer a si próprios.
F. Então, pela sua própria confissão, você os obrigaria a agirem segundo um princípio igualmente oposto àquele sobre o qual você mesmo agiria em circunstâncias semelhantes. Por que?
B. Porque só a minha própria fome me afeta, e a fome de uma nação não afeta os legisladores.
F. Bem, posso dizer-lhe que seu plano falharia, e que nenhuma superintendência estaria suficientemente vigilante, quando o povo tivesse fome, para impedir que os dólares saíssem e os cereais entrassem.
B. Se assim fosse, este plano, errôneo ou não, não teria qualquer efeito; não faria bem nem mal, e, por conseguinte, não requereria mais consideração.
F. Esqueceste que é um legislador. Um legislador não deve desanimar com ninharias, quando está a fazer experiências com outros. Na primeira medida que não foi bem sucedida, deves tomar alguns outros meios para atingir o seu fim.
B. Que fim?
F. Deves ter uma má memória. Ora, aumentar, para seu povo, a quantidade de dinheiro, que se presume ser verdadeira riqueza.
B. Ah! Certamente; peço desculpa. Mas então vedes, como se diz da música, um pouco é suficiente; e isto pode ser dito, penso eu, com mais razão ainda, da economia política. Devo considerar. Mas na verdade não sei como contornar…
F. Você o pondera bem. Primeiro, gostaria que observasse que o seu primeiro plano só resolveu o problema de forma negativa. Evitar que os dólares saiam do país é a forma de evitar que a riqueza diminua, mas não é a forma de aumentá-la.
B. Ah! Agora começo a ver… o grão que é permitido entrar… uma ideia brilhante me surpreende… o artifício é engenhoso, os meios infalíveis; estou entendendo agora.
F. Agora, eu, por minha vez, tenho de lhe perguntar – o quê?
B. Um meio de aumentar a quantidade de dinheiro.
F. Como é que o faria, se é que o faria?
B. Não é evidente que, para que a quantidade de dinheiro aumente constantemente, a primeira condição é que não lhe seja retirado nada?
F. Certamente.
B. E a segunda, que lhe devem ser feitas adições constantes?
F. Com certeza.
B. Então o problema será resolvido, seja negativa ou positivamente; se por um lado eu impedir o estrangeiro de o tirar, e por outro eu o obrigar a acrescentar-lhe.
F. Ainda melhor.
B. E para isso devem ser feitas duas leis simples, em que o dinheiro não será sequer mencionado. Por uma, os meus súditos serão proibidos de comprar qualquer coisa no estrangeiro; e pela outra, serão obrigados a vender muito.
F. Um plano bem pensado.
B. É novo? Tenho de obter uma patente para a invenção.
F. Não precisa de fazer tal coisa; alguém já o ultrapassou. Mas tem de tomar cuidado de uma coisa.
B. O que é essa coisa?
F. Fiz de ti um rei absoluto. Compreendo que vais impedir os teus súditos de comprar produções estrangeiras. Será suficiente se os impedires de entrar no país. Trinta ou quarenta mil oficiais da alfândega farão o truque.
B. Seria bastante caro. Mas o que é que isso significa? O dinheiro que eles recebem não sairá do país.
F. É verdade; e neste sistema é um grande ponto. Mas, para assegurar uma venda no estrangeiro, como proceder?
B. Devo encorajá-la através de recompensas, obtidas através de alguns belos impostos sobre o meu povo.
F. Neste caso, os exportadores, restringidos pela concorrência entre si, baixariam os seus preços proporcionalmente, e seria como fazer um presente para o estrangeiro dos prêmios ou dos impostos.
B. Mesmo assim, o dinheiro não sairia do país.
F. Claro que sim. Isso é compreendido. Mas se o seu sistema for benéfico, os governos de outros países irão adotá-lo. Eles farão planos semelhantes aos vossos; terão os seus funcionários aduaneiros, e rejeitarão os vossos produtos; para que com eles, como com vocês, o monte de dinheiro não seja diminuído.
B. Terei um exército e derrubarei à força as suas barreiras.
F. Terão um exército e forçarão a baixar as suas.
B. Armarei navios, farei conquistas, adquirirei colônias e criarei consumidores para o meu povo, que será obrigado a comer o nosso milho e a beber o nosso vinho.
F. Os outros governos farão o mesmo. Disputarão as vossas conquistas, as vossas colônias, e os vossos consumidores; depois, de todos os lados, haverá guerra, e todos serão alvoroçados.
B. Aumentarei os meus impostos, e aumentarei os meus oficiais da alfândega, o meu exército, e a minha marinha.
F. Os outros farão o mesmo.
B. Redobrarei os meus esforços.
F. Os outros redobrarão os seus. Entretanto, não temos provas de que conseguirias vender em grande medida.
B. Isto é exageradamente verdadeiro. Seria bom que os esforços comerciais se neutralizassem uns aos outros.
F. E os esforços militares também. E, diga-me, não são estes oficiais, soldados e embarcações, estes impostos opressivos, esta luta perpétua por um resultado impossível, este estado permanente de guerra aberta ou secreta com o mundo inteiro, não são eles a consequência lógica e inevitável de os legisladores terem adotado uma ideia de que nenhum homem que seja o seu próprio dono age, que “riqueza é dinheiro; e aumentar a quantidade de dinheiro é aumentar a riqueza”?
B. Concedo-o. Ou o axioma é verdadeiro, e então o legislador deve agir como eu descrevi, embora a guerra universal deva ser a consequência; ou é falsa; e neste caso os homens, ao destruírem-se uns aos outros, apenas se arruínam a si próprios.
F. E, lembre-se, que antes de se tornar rei, este mesmo axioma o tinha conduzido por um processo lógico às seguintes máximas – Aquilo que um ganha, outro perde. O lucro de um é a perda do outro – onde as máximas implicam em um antagonismo intratável entre todos os homens.
B. É demasiado certo. Quer eu seja um filósofo ou um legislador, quer eu raciocine ou aja com base no princípio de que o dinheiro é riqueza, chego sempre a uma conclusão, ou a um resultado:- guerra universal. É bom que tenhas apontado as consequências antes de iniciar uma discussão sobre o assunto; caso contrário, nunca terias coragem de seguir até o fim de sua tese econômica, pois, para lhe dizer a verdade, não é muito ao meu gosto.
F. O que queres dizer? Estava apenas a pensar nisso quando me ouviste resmungar contra o dinheiro! Estava a lamentar que os meus compatriotas não tenham disposição para estudar o que é tão importante que eles saibam.
B. E, no entanto, as consequências são assustadoras.
F. As consequências! Até ao momento, apenas mencionei uma. Poderia ter-vos falado de outras ainda mais fatais.
B. Fazes-me ficar de cabelo em pé! Que outros males podem ter sido causados à humanidade por esta confusão entre dinheiro e riqueza?
F. Demoraria muito tempo a enumerá-los. Esta doutrina é uma de uma família muito numerosa. O mais velho, cujo conhecimento acabamos de fazer, chama-se o sistema proibitivo; o próximo, o sistema colonial; o terceiro, o ódio ao capital; o último e pior, o dinheiro de papel.
B. O quê! o papel-moeda procede do mesmo erro?
F. Sim, diretamente. Quando os legisladores, depois de terem arruinado os homens pela guerra e pelos impostos, perseveram na sua ideia, dizem para si próprios: “Se o povo sofre, é porque não há dinheiro suficiente. Temos de fazer algum”. E como não é fácil multiplicar os metais preciosos, especialmente quando os recursos fingidos da proibição foram esgotados, acrescentam: “Vamos fazer dinheiro fictício, nada é mais fácil, e então cada cidadão terá o seu livro de bolso cheio dele, e todos eles serão ricos”.
B. Na verdade, este processo é mais rápido que o outro, e depois não conduz a uma guerra estrangeira.
F. Não, mas conduz a um desastre doméstico.
B. És um resmungão. Apresse-te e mergulhe ao fundo da questão. Estou bastante impaciente, pela primeira vez, para saber se o dinheiro (ou o seu símbolo) é riqueza.
F. Concederá que os homens não satisfazem de imediato nenhuma das suas necessidades com dólares cunhados, ou notas de dólar. Se tiverem fome, querem pão; se estiverem nus, roupa; se estiverem doentes, devem ter remédios; se tiverem frio, querem abrigo e combustível; se querem aprender, devem ter livros; se querem viajar, devem ter transportes – e assim por diante. As riquezas de um país consistem na abundância e distribuição adequada de todas estas coisas. Portanto, você pode perceber e se alegrar com a falsidade dessa máxima sombria de Bacon: “O que um povo ganha, outro necessariamente perde” – uma máxima expressa de uma maneira ainda mais desanimadora por Montaigne, nessas palavras: “O lucro de um é a perda de outro”. Quando Shem, Ham, e Japhet dividiram entre si as vastas solidões desta terra, cada um deles certamente poderia construir, drenar, semear, colher, e obter melhor alojamento, comida e vestuário, e melhor educação, aperfeiçoar e enriquecer-se – em suma, aumentar os seus prazeres, sem causar uma diminuição necessária dos prazeres correspondentes dos seus irmãos. O mesmo se passa com duas nações.
B. Não há dúvida de que duas nações, assim como dois homens, sem ligação entre si, podem, trabalhando mais e melhor, prosperar ao mesmo tempo, sem se ferirem uma a outra [nação]. Não é isto que é negado pelos axiomas de Montaigne e Bacon. Eles apenas querem dizer que nas transações que ocorrem entre duas nações ou dois homens, se um ganha, o outro deve perder. E isto é evidente, pois a troca nada acrescenta por si só à massa das coisas úteis de que se estava a falar; pois se, após a troca, se descobrir que uma das partes ganhou alguma coisa, a outra, naturalmente, terá perdido alguma coisa.
F. O senhor formulou uma ideia de troca muito incompleta, ou melhor, uma falsa ideia de troca. Se Shem está em uma planície fértil em milho, Japhet em uma ladeira adaptada para o cultivo da videira, Ham em um rico pasto – a distinção das suas ocupações, longe de prejudicar qualquer uma delas, pode fazer com que as três prosperem mais. Deve ser assim, de fato, pois a distribuição de mão-de-obra, introduzida pela troca, terá o efeito de aumentar a quantidade de milho, vinho, e carne que é produzida, e que deve ser partilhada. Como pode ser de outra forma, se se permite a liberdade nestas transações? A partir do momento em que qualquer um dos irmãos percebesse que o trabalho em conjunto, por assim dizer, representava uma perda permanente, em comparação com o trabalho solitário, todos cessariam as trocas. A troca traz consigo a sua reivindicação à nossa gratidão. O fato de que isso foi realizado é a prova de que é uma coisa boa.
B. Mas o axioma de Bacon é verdadeiro no caso do ouro e da prata. Se admitirmos que num determinado momento existe no mundo uma determinada quantidade, é perfeitamente claro que uma bolsa não pode ser enchida sem que outra seja esvaziada.
F. E se o ouro é considerado como uma riqueza, a conclusão natural é que as deslocações da fortuna ocorrem entre os homens, mas sem qualquer progresso geral. Foi exatamente o que eu disse quando comecei. Se, pelo contrário, olharmos para uma abundância de coisas úteis, próprias para satisfazer os nossos desejos e gostos, como verdadeiras riquezas, veremos que a prosperidade simultânea é possível. O dinheiro serve apenas para facilitar a transmissão destas coisas úteis de um para outro, o que pode ser feito igualmente com uma onça de metal raro como o ouro, com uma libra de material mais abundante como a prata, ou com uma centena de quilos de um metal ainda mais abundante, como o cobre. De acordo com isso, se um país como os Estados Unidos tivesse de novo à sua disposição tanto de todas estas coisas úteis, o seu povo seria duas vezes mais rico, embora a quantidade de dinheiro permanecesse a mesma; mas não seria o mesmo se houvesse o dobro do dinheiro, pois nesse caso a quantidade de coisas úteis não aumentaria.
B. A questão a ser decidida é se a presença de um maior número de dólares não tem o efeito, precisamente, de aumentar a soma de coisas úteis?
F. Que ligação pode haver entre estes dois termos? Alimentos, vestuário, casas, combustível, tudo vem da natureza e do trabalho, do trabalho mais ou menos hábil exercido sobre uma natureza mais ou menos generosa.
B. Está a esquecer-se de uma grande força, que é a troca. Se reconheces que se trata de uma força, como admitiu que os dólares a facilitam, deves também permitir que eles tenham um poder indireto de produção.
F. Mas acrescentei que uma pequena quantidade de metal raro facilita tanto as transações como uma grande quantidade de metal abundante; do que se conclui que um povo não é enriquecido por ser obrigado a abdicar de coisas úteis para ter mais dinheiro.
B. Assim, é sua opinião que os tesouros descobertos na Califórnia não irão aumentar a riqueza do mundo?
F. Não acredito que, de um modo geral, acrescentem muito aos prazeres, às verdadeiras satisfações da humanidade. Se o ouro californiano apenas substitui no mundo aquilo que foi perdido e destruído, poderá ter a sua utilização. Se aumentar a quantidade de dinheiro, irá depreciá-lo. Os garimpeiros do ouro serão mais ricos do que teriam sido sem ele. Mas aqueles que possuem o ouro no momento da sua depreciação, obterão uma gratificação menor pela mesma quantia. Não posso encarar isto como um aumento, mas como uma realocação de verdadeiras riquezas, tal como as defini.
B. Tudo isto é muito plausível. Mas não me convencerá facilmente de que não sou mais rico (sendo todas as outras coisas iguais) se tiver dois dólares, do que se tivesse apenas um.
F. Não o nego.
B. E o que é verdade sobre mim é verdade sobre o meu vizinho, e sobre o vizinho do meu vizinho, e assim por diante, de um para outro, por todo o país. Portanto, se cada cidadão dos Estados Unidos tem mais dólares, os Estados Unidos devem ser mais ricos.
F. E aqui cai-se no erro comum de concluir que o que afeta um afeta todos, e assim confundir o indivíduo com o interesse geral.
B. Por que, o que pode ser mais conclusivo? O que é verdade de um, tem de ser assim de todos. O que são todos, senão uma coleção de indivíduos? Você também poderia me dizer que cada americano poderia subitamente crescer um centímetro em altura, sem que a altura média de todos os americanos fosse aumentada.
F. O seu raciocínio é aparentemente sólido, concedo-lhe, e é por isso que a ilusão que esconde é tão comum. No entanto, examinemo-la um pouco. Dez pessoas estavam a jogar. Para maior facilidade, eles adotaram o plano de cada um pegar dez fichas e, contra eles, colocaram cem dólares sob um castiçal, de modo que cada ficha correspondia a dez dólares. Após o jogo os ganhos foram ajustados, e os jogadores tiraram de debaixo do candelabro tantos dólares quantos os que representariam o número de fichas. Vendo isto, um deles, talvez um grande aritmético, mas um raciocinador indiferente, disse: “Cavalheiros, a experiência ensina-me invariavelmente que, no final do jogo, encontro-me um ganhador na proporção do número das minhas fichas. Não observaram o mesmo em relação a vós próprios? Assim, o que é verdade para mim deve ser verdade para cada um de vós, e o que é verdade para cada um de vós deve ser verdade para todos. Deveríamos, portanto, todos ganhar mais, no final do jogo, se todos tivéssemos mais fichas. Agora, nada pode ser mais fácil; só temos de distribuir o dobro do número de fichas”. Isto foi feito; mas quando o jogo terminou, e eles vieram para ajustar os ganhos, verificou-se que o dinheiro debaixo do castiçal não tinha sido milagrosamente multiplicado, de acordo com a expectativa geral. Tiveram de ser divididos em conformidade, e o único resultado obtido (suficientemente quimérico) foi este: cada um tinha, é verdade, o seu número duplo de fichas, mas cada ficha, em vez de corresponder a dez dólares, representava apenas cinco. Assim, foi claramente demonstrado que o que é a verdade de cada um nem sempre é a verdade de todos.
B. Entendo; você está supondo um aumento geral de fichas, sem um aumento correspondente da soma colocada sob o castiçal.
F. E você supõe um aumento geral de dólares, sem um aumento correspondente de coisas, cuja troca é facilitada por estes dólares. .
B. Compara os dólares com as fichas?
F. Em qualquer outro ponto de vista, certamente que não; mas no caso que coloca perante mim, e contra o qual tenho de argumentar, faço-o. Considere uma coisa. Para que haja um aumento geral de dólares num país, este país deve ter minas, ou o seu comércio deve ser de molde a dar coisas úteis em troca de dinheiro. Para além destas duas circunstâncias, um aumento universal é impossível, os dólares só mudam de mãos; e neste caso, embora possa ser muito verdade que cada um, tomado individualmente, é mais rico em proporção ao número de dólares que tem, não podemos tirar a conclusão que acabou de tirar, porque um dólar a mais numa bolsa implica necessariamente um dólar a menos noutra. É o mesmo que ocorre com a sua comparação da altura média. Se cada um de nós crescesse apenas à custa dos outros, seria muito verdadeiro de cada um, tomado individualmente, que ele seria um homem mais alto se tivesse a oportunidade, mas isto nunca seria verdade de todo o conjunto tomado coletivamente.
B. Seja como for: mas, nas duas suposições que fez, o aumento é real, e deves permitir que eu tenha razão.
F. Até um certo ponto, ouro e prata têm um valor. Para obter este valor, os homens consentem em dar outras coisas úteis que também têm um valor. Quando, portanto, existem minas num país, se esse país obtém delas ouro suficiente para comprar uma coisa útil do estrangeiro – uma locomotiva, por exemplo – enriquece com todos os prazeres que uma locomotiva pode obter, exatamente como se a máquina tivesse sido fabricada em casa. A questão é se gasta-se mais esforços no primeiro processo do que no segundo? Pois, se não exportasse este ouro, depreciar-se-ia, e algo pior aconteceria do que o que por vezes acontece na Califórnia e na Austrália, pois lá, pelo menos, os metais preciosos são utilizados para comprar coisas úteis feitas noutro lugar. No entanto, existe ainda o perigo de passarem fome nos montes de ouro; como seria se a lei proibisse a exportação de ouro. Quanto à segunda suposição – aquela do ouro que obtemos por comércio -, é uma vantagem, ou o inverso, segundo o país que mais ou menos precisa dele, em comparação com os seus desejos das coisas úteis que devem ser cedidas para obtê-lo. Não cabe à lei julgar isto, mas àqueles que nela se preocupam; pois, se a lei deve partir deste princípio, que o ouro é preferível às coisas úteis, qualquer que seja o seu valor, e se deve agir eficazmente neste sentido, tenderia a colocar todos os países que adotam a lei na curiosa posição de ter muito dinheiro para gastar, e nada para comprar. É o mesmo sistema que é representado por Midas, que transformou tudo o que tocou em ouro, por consequência estava em perigo de morrer de fome.
B. O ouro que é importado implica que uma coisa útil é exportada, e a este respeito há uma satisfação retirada do país. Mas será que não existe um benefício correspondente? E não será este ouro a fonte de uma série de novas satisfações, circulando de mão em mão, e estimulando a mão-de-obra e a indústria, até que, por sua vez, abandone o país, e cause a importação de alguma coisa útil?
F. Agora chegou à raiz da questão. É verdade que o dólar é o principal responsável pela produção de todos os objetos cuja troca facilita? É muito claro que um pedaço cunhado de ouro ou prata estampado como um dólar só vale um dólar; mas somos levados a crer que este valor tem um carácter particular: que não é consumido como outras coisas, ou que se esgota muito gradualmente; que se renova, por assim dizer, em cada transação; e que, finalmente, este dólar em particular tem valido um dólar tantas vezes quanto tem realizado transações – que vale por si só todas as coisas pelas quais tem sido sucessivamente trocado; e acredita-se nisso porque se supõe que sem este dólar estas coisas nunca teriam sido produzidas. Diz-se que o sapateiro teria vendido menos sapatos, e consequentemente teria comprado menos do açougueiro; o açougueiro não teria ido tão frequentemente ao merceeiro, o merceeiro ao médico, o médico ao advogado, e assim por diante.
B. Ninguém pode contestar isso.
F. Este é o momento, então, de analisar a verdadeira função do dinheiro, independentemente das minas e das importações. Você tem um dólar. O que é que isso implica nas suas mãos? Este dólar em suas mãos, por assim dizer, é testemunha e prova de que, num momento ou noutro, você realizou algum trabalho, que, em vez de beneficiar apenas a si próprio, concedeu um benefício à sociedade, representada pelo seu cliente (empregador ou devedor). Esta moeda testemunha que você prestou um serviço à sociedade e, além disso, mostra o valor de tal serviço. Testemunha, além disso, que ainda não obteve da sociedade um verdadeiro serviço equivalente, ao qual tem direito. Para colocá-lo em condições de exercer esse direito, no momento e da forma que desejar, a sociedade, representada pelo seu cliente, deu-lhe um reconhecimento, um título, um privilégio da república, uma ficha, um título de propriedade no valor de um dólar, que só difere dos títulos executivos por ter em si o seu valor; e se fores capaz de ler com teus olhos as inscrições carimbadas, decifrarás distintamente estas palavras: “Pague ao portador um serviço equivalente ao que prestou à sociedade, sendo o valor recebido mostrado, provado e medido por aquilo que é representado por mim”. Agora, entregue-me o seu dólar. Ou o meu título a ele é gratuito, ou é uma reivindicação. Se me dás como pagamento por um serviço, o resultado é o seguinte: vossa conta na sociedade para satisfação real é enumerada, equilibrada, e encerrada. Tinhas prestado um serviço por um dólar, agora restauras o dólar por um serviço; no que lhe diz respeito, é claro. Quanto a mim, estou agora na posição em que o senhor se encontrava anteriormente. Sou eu que estou agora adiantado à sociedade pelo serviço que acabo de prestar na sua pessoa. Tornei-me seu credor pelo valor do trabalho que lhe prestei, e que poderia ter dedicado a mim próprio. É, então, nas minhas mãos que o título deste crédito – a prova desta dívida social – deve passar. Não se pode dizer que sou mais rico; se tenho direito a receber, é porque dei. Muito menos se pode dizer que a sociedade está um dólar mais rica porque um de seus membros tem um dólar a mais e outro tem um a menos. Pois se me deixar ficar com este dólar de graça, é certo que serei tanto mais rico, mas você será tanto mais pobre por ele; e a fortuna social, tomada em massa, não terá sofrido qualquer alteração, porque como já disse, esta fortuna consiste em serviços reais, em satisfações efetivas, em coisas úteis. O senhor foi um credor da sociedade; fez de mim um substituto dos seus direitos, e isso significa pouco para a sociedade, que deve um serviço, quer pague a dívida a ti ou a mim. Isto é liberado assim que o portador do crédito é pago.
B. Mas se todos nós tivéssemos um grande número de dólares, deveríamos obter da sociedade muitos serviços. Não seria isso muito desejável?
F. Esqueceste-se que no processo que descrevi, e esta é uma imagem da realidade, só obtemos serviços da sociedade porque lhe concedemos alguns. Quem fala de um serviço fala ao mesmo tempo de um serviço recebido e devolvido, pois estes dois termos implicam um ao outro, de modo que um deve ser sempre equilibrado pelo outro. É impossível para a sociedade prestar mais serviços do que aqueles que recebe, e no entanto, uma crença no oposto é a quimera que está sendo perseguida por meio da multiplicação de moedas, do papel-moeda, etc.
B. Tudo isto parece muito razoável em teoria, mas na prática não posso deixar de pensar, quando vejo como as coisas correm, que se por alguma circunstância feliz o número de dólares pudesse ser multiplicado de tal forma que cada um de nós pudesse ver a sua pequena propriedade duplicar, todos nós deveríamos estar mais à vontade; todos deveríamos fazer mais compras, e o comércio receberia um poderoso estímulo.
F. Mais compras! E o que devemos comprar? Sem dúvida, artigos úteis – coisas susceptíveis de nos proporcionar uma gratificação substancial – tais como comida, vestuário, casas, livros, fotografias. Deves começar, então, por provar que todas estas coisas criam a si próprias; deve supor que a casa da Moeda derrete os lingotes de ouro que caíram da lua; ou que as prensas de impressão sejam postas em ação no Departamento do Tesouro; pois não podes razoavelmente pensar que se a quantidade de milho, tecido, navios, chapéus e sapatos permanecer a mesma, a parte de cada um de nós pode ser maior porque cada um de nós vai ao mercado com uma maior quantidade de dinheiro real ou fictício. Lembre-se dos jogadores. Na ordem social, as coisas úteis são o que os jogadores colocam debaixo do castiçal, e os dólares que circulam de mão em mão são as fichas. Se multiplicar os dólares sem multiplicar as coisas úteis, o único resultado será a necessidade de mais dólares para cada troca, tal como os jogadores necessitaram de mais fichas para cada depósito. Tens a prova disto no que passa por ouro, prata, e cobre. Porque é que a mesma troca requer mais cobre do que prata, mais prata do que ouro? Não será porque estes metais são distribuídos no mundo em diferentes proporções? Que razão tem para supor que se o ouro se tornasse subitamente tão abundante como a prata, não exigiria tanto de um como do outro para comprar uma casa?
B. Pode estar certo, mas eu preferia que estivesse errado. No meio dos sofrimentos que nos rodeiam, tão angustiantes em si mesmos, e tão perigosos nas suas consequências, encontrei algum consolo em pensar que havia um método fácil de fazer felizes todos os membros da comunidade.
F. Mesmo que o ouro e a prata fossem verdadeiras riquezas, não seria fácil aumentar a sua quantidade num país onde não existem minas.
B. Não, mas é fácil substituir por outra coisa. Concordo contigo que o ouro e a prata não podem fazer senão um pequeno serviço, exceto como um mero meio de troca. É o mesmo com papel-moeda, notas bancárias, etc. Então, se tivéssemos todos nós bastante deste último, que é tão fácil de criar, poderíamos todos comprar muito, e nada nos faltaria. A tua cruel teoria dissipa esperanças, se preferir, ilusões, cujo princípio é certamente muito filantrópico.
F. Sim, como todos os outros sonhos estéreis formados para promover a felicidade universal. A extrema facilidade dos meios que recomenda é bastante suficiente para expor a sua vacuidade. Acreditas que se fosse apenas necessário imprimir notas bancárias para satisfazer todos os nossos desejos, gostos e desejos, a humanidade teria ficado contente por continuar até agora sem ter recorrido a este plano? Estou de acordo consigo que a descoberta é tentadora. Ela baniria imediatamente do mundo não só pilhagem, nas suas diversas e deploráveis formas, mas até o próprio trabalho, exceto no Serviço Nacional de Impressão. Mas temos ainda de aprender como os dólares comprariam casas que ninguém teria construído; milho que ninguém teria cultivado; têxteis que ninguém se teria dado ao trabalho de tecer.
B. Uma coisa me impressiona no seu argumento. O senhor mesmo diz que se não há ganho, de qualquer forma não há perda em multiplicar o instrumento de troca, como se vê pelo exemplo dos jogadores, que não foram completamente afetados por um engano muito suave. Por que, então, recusar a pedra filosofal, que nos ensinaria o segredo da transformação do material de base em ouro, ou o que é a mesma coisa, a conversão de papel em dinheiro? Estás tão cegamente ligado à lógica que se recusarias a tentar uma experiência em que não pode haver risco? Se estiveres enganado, estás a privar a nação, como acreditam os seus numerosos adversários, de uma vantagem imensa. Se o erro estiver do seu lado, nenhum mal pode resultar, como você mesmo diz, para além do fracasso de uma esperança. A medida, excelente na opinião deles, na sua é meramente negativa. Que seja tentada, pois o pior que pode acontecer não é a realização de um mal, mas a não-realização de um benefício.
F. Em primeiro lugar, o fracasso de uma esperança é um grande infortúnio para qualquer povo. É também muito indesejável que o governo anuncie a abolição de vários impostos sobre a fé de um recurso que deve falhar infalivelmente. No entanto, a sua observação mereceria alguma consideração se após a questão do papel-moeda e da sua depreciação o equilíbrio de valores devesse ter lugar instantâneo e simultâneo em todas as coisas e em todas as partes do país. A medida tenderia, como no meu exemplo dos jogadores, a uma mistificação universal, onde o melhor que poderíamos fazer seria olhar uns para os outros e rir. Mas isto não está no desenrolar dos acontecimentos. A experiência foi feita, e toda vez um governo – seja ele um rei ou o congresso – alterou o dinheiro…
B. Quem diz alguma coisa sobre a alteração do dinheiro?
F. Por que, forçar as pessoas a receberem pedaços de papel que foram oficialmente batizados como dólares, ou forçá-las a receber, como se pesasse uma onça, um pedaço de prata que pesa apenas meia onça, mas que foi oficialmente baptizado como um dólar, é a mesma coisa, se não pior; e todo o raciocínio que pode ser feito a favor do papel-moeda foi feito a favor do dinheiro legal falso. Certamente, olhando para ela como acabaste de fazer, e como ainda parece estar fazendo, se se acreditar que multiplicar os instrumentos de troca é multiplicar as próprias trocas, bem como as coisas trocadas, pode-se pensar muito razoavelmente que o meio mais simples era dividir mecanicamente o dólar cunhado, e fazer com que a lei dê à metade o nome e o valor do todo. Bem, em ambos os casos, a depreciação é inevitável. Penso ter-lhe dito a causa. Devo também informar-lhe que esta depreciação que, com o papel, pode continuar até reduzi-lo ao nada, é efetuada através da contínua criação de fraudes; e destas, pobres pessoas, simples pessoas, operários e agricultores são o chefe.
B. Estou a ver; mas espere um pouco. Esta dose de Economia Política é, por uma vez, demasiado forte.
F. Seja como for. Estamos de acordo, então, sobre este ponto – que a riqueza é a massa de coisas úteis que produzimos pelo trabalho; ou, melhor ainda, o resultado de todos os esforços que fazemos para a satisfação dos nossos desejos e gostos. Estas coisas úteis são trocadas umas pelas outras, de acordo com a conveniência daqueles a quem pertencem. Há duas formas nestas transações; uma chama-se permuta: neste caso, é prestado um serviço com o objetivo de receber imediatamente um serviço equivalente. Neste formato, as transações seriam extremamente limitadas. Para que possam ser multiplicadas, e realizadas independentemente do tempo e espaço entre pessoas desconhecidas umas das outras, e por frações infinitas, tem sido necessário um agente intermediário – isto é dinheiro. Isso resulta nas trocas, o que não é mais do que uma barganha complicada. Isto é o que tem de ser notado e compreendido. A troca decompõe-se em duas barganhas, em dois departamentos, venda e compra – cuja reunião é necessária para completá-la. Vende-se um serviço, e recebe-se um dólar – depois, com este dólar compra-se um serviço. Só então a pechincha está completa; não é até então que o seu esforço tenha sido seguido de uma verdadeira satisfação. Evidentemente, você trabalha apenas para satisfazer as necessidades dos outros, para que outros possam trabalhar para satisfazer as suas. somente a partir do momento em que você tem o dólar que lhe foi concedido pelo seu trabalho, você tem direito a reivindicar o trabalho de outra pessoa. Quando o fizer, a evolução econômica será realizada no que lhe diz respeito, já que só então terá obtido, por uma verdadeira satisfação, a verdadeira recompensa pelo seu trabalho. A ideia de uma barganha implica um serviço prestado e um serviço recebido. Por que não deveria ser o mesmo com a troca, que é apenas uma barganha em duas partes? E aqui há duas observações a fazer. Primeiro: é uma circunstância muito pouco importante, quer haja muito ou pouco dinheiro no mundo. Se há muito, muito é necessário; se há pouco, pouco é desejado, para qualquer transação: isso é tudo. A segunda observação é a seguinte: Porque se vê que o dinheiro reaparece sempre em cada troca, passou a ser considerado como o símbolo e a medida das coisas trocadas.
B. Negarás ainda que o dinheiro é o símbolo das coisas úteis de que fala?
F. Uma águia dourada não é mais o sinal de um barril de farinha, do que um barril de farinha é o sinal de uma águia dourada.
B. Que mal há em olhar para o dinheiro como o símbolo de riqueza?
F. A inconveniência é esta: leva à ideia de que só temos de aumentar o símbolo, a fim de aumentar as coisas representadas; e corremos o risco de adotar todas as medidas falsas que tomaste quando te fiz rei absoluto. Deveríamos ir ainda mais longe. Tal como no dinheiro vemos o sinal da riqueza, também no papel-moeda vemos o sinal do dinheiro; e daí concluímos que existe um método muito fácil e simples de obter para todos os prazeres da fortuna.
B. Mas você não vai tão longe a ponto de contestar que o dinheiro é a medida dos valores?
F. Sim, certamente, vou tão longe quanto isso, pois é precisamente aí que reside a ilusão. Tornou-se habitual referir o valor de tudo ao valor do dinheiro. Diz-se que isto vale cinco, dez, ou vinte dólares, pois dizemos que isto pesa cinco, dez, ou vinte grãos; isto mede cinco, dez, ou vinte jardas; este terreno contém cinco, dez, ou vinte acres; e portanto concluiu-se que o dinheiro é a medida dos valores.
B. Bem, parece que foi assim.
F. Sim, parece ser assim, e é desta aparência que me queixo, e não da realidade. Uma medida de comprimento, tamanho, superfície, é uma quantidade acordada, e imutável. Não é assim com o valor de ouro e prata. Isto varia tanto quanto o do milho, vinho, pano ou trabalho, e das mesmas causas, pois tem a mesma fonte e obedece às mesmas leis. O ouro é trazido ao nosso alcance, tal como o ferro, pelo trabalho dos mineiros, pelos investimentos dos capitalistas, e pela combinação de mercadores e marinheiros. Custa mais ou menos, de acordo com o custo da sua produção, conforme há muito ou pouco no mercado, e se é muito ou pouco solicitado; numa palavra, sofre as flutuações de todas as outras produções humanas. Mas uma circunstância é singular, e dá origem a muitos erros. Quando o valor do dinheiro varia, a variação é atribuída por linguagem aos outros produtos pelos quais é trocado. Assim, suponhamos que todas as circunstâncias relativas ao ouro permanecem iguais, e que a colheita do trigo tem falhado. O preço do trigo vai subir. Será dito: “O barril de farinha que valia cinco dólares vale agora oito”; e isto será correto, pois é o valor da farinha que tem variado, e a linguagem concorda com o fato. Mas invertamos a suposição: suponhamos que todas as circunstâncias relativas à farinha permanecem as mesmas, e que metade de todo o ouro existente é engolido; desta vez é o preço do ouro que vai subir. Parece que deveríamos dizer: “Esta águia dourada que valia dez dólares vale agora vinte”. Agora, sabes como é que isto se expressa? Tal como se fossem os outros objetos de comparação que tinham baixado de preço, diz-se: “A farinha que valia dez dólares, agora só vale cinco”.
B. Tudo acaba por chegar à mesma coisa.
F. Sem dúvida; mas pensemos apenas nas perturbações, nas fraudes que são produzidas nas trocas quando o valor do meio varia sem que nos apercebamos disso através de uma mudança de nome. As moedas ou notas são emitidas com o nome de cinco dólares, e terão esse nome em cada depreciação subsequente. O valor será reduzido um quarto, metade, mas continuarão sendo chamadas moedas ou notas de cinco dólares. As pessoas inteligentes terão o cuidado de não se separarem dos seus bens, a menos que por um maior número de notas – por outras palavras, pedirão dez dólares pelo que anteriormente teriam vendido por cinco; mas as pessoas simples vão aceitar sem perceber. Muitos anos deverão passar antes que todos os valores encontrem o seu nível adequado. Sob a influência da ignorância e do costume, o salário diário de um trabalhador do país permanecerá inalterado durante muito tempo, enquanto o preço de venda de todos os artigos de consumo a sua volta estará subindo. Ele afundar-se-á na miséria sem ser capaz de descobrir a causa. Em suma, uma vez que desejas que eu termine, devo implorar-lhe, antes de nos separarmos, que fixe toda a sua atenção sobre este ponto essencial: Uma vez posto em circulação dinheiro falso (sob qualquer forma que ele possa assumir), a depreciação se seguirá, e se manifestará pela ascensão universal de tudo o que é capaz de ser vendido. Mas esta subida de preços não é instantânea e igual para todas as coisas. Homens afiados, corretores e homens de negócios não sofrerão com isso; pois é o seu ofício observar as flutuações dos preços, observar a causa, e até especular sobre ela. Mas poucos comerciantes, trabalhadores agrícolas e operários suportarão todo o peso disso. O homem rico não fica mais rico por isso, mas o homem pobre ficará mais pobre por isso. Portanto, expedientes desse tipo têm o efeito de aumentar a distância que separa a riqueza da pobreza, de paralisar as tendências sociais que incessantemente levam os homens ao mesmo nível, e serão necessários séculos para que as classes oprimidas recuperem o terreno que perderam no seu avanço para a igualdade de condições.
B. Bem, tenho de ir. Meditarei sobre a palestra que me deu.
F. Já terminou a sua própria dissertação? Quanto a mim, ainda mal comecei a minha. Ainda não falei do ódio popular ao capital, ao crédito gratuito (empréstimos sem juros) – uma noção muito infeliz, um erro deplorável, que se eleva a partir da mesma fonte.
B. O quê?! Esta espantosa agitação da população contra os capitalistas resulta da confusão entre dinheiro e riqueza?
F. É o resultado de diferentes causas. Infelizmente, certos capitalistas têm-se arrogado monopólios e privilégios que são suficientes para explicar este sentimento. Mas quando os teóricos da democracia quiseram justificá-lo, sistematizá-lo, dar-lhe a aparência de uma opinião razoável, e virá-lo contra a própria natureza do capital, recorreram a essa falsa economia política cuja raiz se encontra sempre na mesma confusão. Disseram ao povo: “Pegue um dólar; ponha-o debaixo de um copo; esqueça-o durante um ano; depois vá e olhe para ele, e ficará convencido de que não produziu dez centavos, nem cinco centavos, nem qualquer fração de um centavo. Portanto, o dinheiro não produz juros”. Então, substituindo a palavra dinheiro, seu pretensioso símbolo, por capital, eles fizeram-no logicamente sofrer esta modificação: “Então, o capital não produz juros”. Depois, segue-se esta série de consequências: “Portanto, aquele que empresta capital nada deve obter dele; portanto, aquele que vos empresta capital, se ganha algo com ele, está a roubar-vos; portanto, todos os capitalistas são ladrões; portanto, a riqueza, que deve servir gratuitamente aqueles que a emprestam, pertence na realidade àqueles a quem ela não pertence; portanto, não existe propriedade, portanto, tudo pertence a todos; portanto…”.
B. Isto é muito grave; tanto mais que o silogismo está a ser tão admiravelmente formado. Gostaria muito de ser esclarecido sobre o assunto. Mas, infelizmente, já não consigo chamar a minha atenção. Há uma tal confusão na minha cabeça sobre as palavras moeda, dinheiro, serviços, capital, juros, que realmente mal sei onde estou. Podemos, se quiseres, retomar a conversa noutro dia.
F. Entretanto, aqui está um pequeno trabalho intitulado Capital e Aluguel. Talvez possa eliminar algumas das suas dúvidas. Basta olhar para ele quando estiver à procura de um pouco de diversão.
B. Para me divertir?
F. Quem sabe? Um prego conduz ao outro; uma coisa desgastante conduz outra.
B. Ainda não me decidi se tuas opiniões sobre dinheiro e economia política em geral são corretas. Mas, da tua conversa, foi isto que eu recolhi: Que estas questões são da maior importância; para a paz ou guerra, ordem ou anarquia, a união ou o antagonismo dos cidadãos, estão na raiz da resposta delas. Como é que na França e na maioria dos outros países que se consideram altamente civilizados, uma ciência que nos preocupa tão pouco, e cuja difusão teria uma influência tão decisiva sobre o destino da humanidade, é tão pouco conhecida? É que o Estado não a ensina suficientemente?
F. Não exatamente. Pois, sem o saber, o Estado aplica-se a carregar o cérebro de todos com preconceitos, e o coração de todos com sentimentos favoráveis ao espírito de desordem, guerra e ódio; para que, quando uma doutrina de ordem, paz e comicidade se apresente, seja em vão que tenha a lucidez e a verdade do seu lado; não pode ganhar admissão.
B. Decididamente, você é um resmungão pavoroso. Que interesse pode ter o Estado em mistificar os intelectos das pessoas em favor de revoluções, e de guerras civis e estrangeiras? Deve certamente haver um grande exagero no que diz.
F. Considere. No período em que as nossas faculdades intelectuais começam a se desenvolver, na época em que as impressões são mais vivas, quando os hábitos da mente se formam com a maior facilidade – quando podemos olhar para a sociedade e compreendê-la – numa palavra, assim que temos sete ou oito anos de idade, o que faz o Estado? Coloca-nos uma venda nos olhos, tira-nos suavemente do meio do círculo social que nos rodeia, para nos mergulhar, com as nossas faculdades susceptíveis, os nossos corações impressionáveis, no meio da sociedade romana. Mantém-nos lá durante pelo menos dez anos, o tempo suficiente para causar uma impressão indelével no cérebro. Observa-se agora que a sociedade romana se opõe diretamente ao que a nossa sociedade deveria ser. Lá viviam sobre a guerra; aqui devíamos odiar a guerra; lá odiavam o trabalho; aqui devíamos viver do trabalho. Lá os meios de subsistência baseavam-se na escravatura e no saque; aqui deveriam ser extraídos da indústria livre. A sociedade romana foi organizada em consequência do seu princípio. Admirava necessariamente o que a fazia prosperar. Lá eles consideravam como virtude o que nós consideramos como vício. Os seus poetas e historiadores tinham de exaltar o que devíamos desprezar. As próprias palavras liberdade, ordem, justiça, povo, honra, influência, etc., não podiam ter o mesmo significado em Roma que têm, ou deveriam ter, em Paris. Como se pode esperar que todos estes jovens que estiveram na universidade ou em escolas conventuais com Livy e Quintus Curtius para o seu catecismo, não compreendam a liberdade como o Gracchi, a virtude como Catão, o patriotismo como César? Como podes esperar que eles não sejam facciosos e guerreiros? Como podes esperar que eles se interessem pelo mecanismo da nossa ordem social? Pensas que as suas mentes estão preparadas para compreender isso? Não vês que, para o fazerem, devem livrar-se das suas opiniões atuais, e receber outras totalmente contrárias a elas?
B. O que você conclui disso?
F. Vou dizer-vos. A necessidade mais urgente não é que o Estado ensine, mas que permita a educação. Todos os monopólios são detestáveis, mas o pior de todos é o monopólio da educação.
Trecho retirado da obra “The Bastiat Collection (2 Volume set)”, trazido por Mark Thornton.
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