Armas impressas começam a ser utilizadas em conflitos reais

Myanmar

No dia 1º de fevereiro de 2021, os militares de Myanmar tomaram o poder por meio de um golpe, o que imediatamente levou à agitação civil. O que de início foram demonstrações pacíficas pró-democracia logo se tornaram conflitos sangrentos travados contra as forças do governo. Grupos rebeldes se organizaram em guerrilha em todo o país.

Os protestos foram violentamente reprimidos, com o Armed Conflict Location & Event Data Program estimando mais de 23.000 mortos nos 14 meses após a realização do golpe. Manifestantes foram mortos nas ruas e outros “desapareceram”. A resposta internacional foi de preocupação acerca das violações dos direitos humanos dos cidadãos. A coalizão de partidos políticos destituídos aprovou a resistência civil, dizendo para os cidadãos revidarem em autodefesa. Com leis duras contra o acesso às armas, contudo, os habitantes do país recorreram a uma alternativa mais recente.

O povo de Myanmar já vinha usando a impressão 3D para, por exemplo, substituir peças em seus equipamentos agrícolas de maneira mais econômica. Imagens postadas em redes sociais mostram alguns combatentes das forças de resistência portando armas FGC-9 (F*ck Gun Control 9mm), armas feitas por meio da técnica.

A FGC-9 é uma arma impressa de calibre 9 mm. Uma das principais vantagens dessa arma é seu custo mais baixo, dependendo majoritariamente do valor da impressora adquirida. Impressa em plásticos de alta resistência, os avanços na tecnologia de manufatura aditiva possibilitaram a impressão quase total da arma, requerendo apenas algumas partes em metal. Um de seus criadores, Jstark (Jacob), famoso por sua participação no pequeno documentário produzido pelo canal Popular Front, acabou chamando atenção da polícia alemã. Após descobrirem sua verdadeira identidade e traçarem seu paradeiro, teve sua casa invadida pela polícia, porém, não foram encontradas provas contra ele na ocasião. Tendo sido liberado, alguns dias depois, foi encontrado morto em frente ao flat de seus pais. A causa oficial divulgada de sua morte foi ataque cardíaco. Ele tinha 28 anos.

Mas seu legado permanece. Contrariamente a modelos mais antigos, as armas do tipo FGC-9 são capazes de disparar milhares de tiros sem passar por uma falha catastrófica. Em Myanmar, elas são utilizadas para treinamento dos milhares de soldados da resistência, muitos deles jovens e sem experiência com armas de fogo, bem como em missões de ataque para obter armamento mais avançado do inimigo.

Irlanda

Os países que pertencem ou pertenceram ao Reino Unido não o fizeram por meio de sua livre vontade. Foram unidos pela força. Por séculos, a Irlanda tenta sua independência do domínio inglês. Travando sua última guerra em grande escala contra Londres durante a Primeira Guerra Mundial, alcançaram parte de seus objetivos, contudo, os britânicos mantiveram o controle sobre os territórios mais ao norte da ilha.

Esse fato resultou em décadas de guerra irregular, incluindo bombardeios e ataques a tiros perpetrados nesses condados remanescentes. As tensões se acalmaram com o Acordo de 1998, que concedeu à Irlanda do Norte mais poder para se autogovernar.

Mas nem todos ficaram satisfeitos com o acordado. Grupos dissidentes continuaram a resistir, com o “The Real IRA” se separando do Exército Republicano Irlandês e, posteriormente, se dividindo ainda mais. Dele surgiram as “Forças de Defesa Irlandesas”.

No ano passado, durante um anúncio público feito pelo grupo, dois de seus membros foram vistos com o que parecem ser armas impressas. Sabe-se que é muito difícil obter uma arma de fogo no Reino Unido e os militantes, por meio do evento, decidiram passar uma mensagem visual, mostrando que continuam ativos e em prontidão para defender seus ideais. A polícia da Irlanda do Norte acompanha o caso. As autoridades demonstraram preocupação com o acesso do grupo a armas do tipo, não ainda sendo sabido se foram produzidas por eles ou recebidas de fornecedores por meio de rotas desconhecidas.

Comentário

Em alguns países, é também relativamente fácil obter os componentes para fabricar a munição. Mesmo em jurisdições com forte controle de armas, a tecnologia avança e se dissemina para burlar as imposições do sistema. O início de seu uso em conflitos reais e por grupos paramilitares abre um novo capítulo que demonstra, em vez de permanecer no teórico, suas possibilidades. Armas impressas podem ser, assim como as mais comuns, utilizadas para a defesa do direito de autodeterminação do indivíduo e do bem-estar de sua família, como para realizar ataques contra inocentes. Uma ferramenta para lutar contra a tirania, ou criar vítimas. O uso negativo das possibilidades da tecnologia não deve ser justificativa a priori para seu banimento. Os governos são contrários apenas pela tecnologia ter o potencial de retirar parte de seu controle sobre a população. Utilizam, portanto, a narrativa de proteção ao cidadão comum, quando, em verdade, temem que se torne algo disseminado e ameace sua imposição de vontades. Como ocorre nos mais variados contextos, seu uso último dependerá das pretensões de seus usuários. Quando bem utilizada, se torna uma forma dos indivíduos protegerem seus direitos das ações de governos autoritários.

Gabriel Camargo

Autor e tradutor austrolibertário. Escreve para a Gazeta com foco em notícias internacionais. Suas obras podem ser encontradas em https://uiclap.bio/GabrieldCamargo

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